MARSELHA AFRICANA.GAËL FAYE
Seguimos com transcrição do livro Les Cuisines Africaines, realizado durante a Temporada Africa2020, Les Grandes Tables convidou cinco cozinheiros e cozinheiras marselheses para evocarem seus sabores e gestos herdados da África.
Gaël Faye é um músico, rapper e escritor franco-ruandês, nascido em 6 de agosto de 1982, em Bujumbura, no Burundi, filho de mãe ruandesa e pai francês. Durante a infância, viveu no Burundi, mas aos 13 anos precisou deixar o país devido à guerra civil e ao genocídio em Ruanda, mudando-se para a França.
A entrevista traz Gaël Faye, músico e escritor, falando sobre as conexões entre culinária, memórias afetivas e identidade cultural. Inspirado por sua infância no Burundi, ele lembra como a comida sempre esteve ligada ao afeto e aos encontros.
No romance Petit Pays (2016), há descrições vívidas das frutas que faziam parte de sua infância: mangas, goiabas, papaias e outros frutos disponíveis no jardim. Ele fala do prazer de comê-los até a exaustão, ficando com as mãos pegajosas e o coração doce, em uma imagem poética do descanso dos coletores. Para ele, a alimentação não diz respeito apenas ao que se come, mas também às “nourritures de l’âme” – os alimentos da alma.
Ao ser perguntado se a manga é sua “madeleine de Proust”, Gaël responde que sim, mas que outras frutas também despertam essas lembranças. Cita as pequenas bananas doces, verdadeiros bombons que dispensam qualquer adição de açúcar. Comenta que sua música e sua escrita também buscam trazer referências de suas origens, como no álbum de 2013 que inclui a canção Pili pili sur un croissant au beurre. O título traduz bem a ideia de mistura cultural: o pili-pili (pimenta africana) e o croissant francês simbolizam o encontro de diferentes tradições e horizontes.
Faye destaca que as cozinhas africanas são encontros: lugares de cruzamento de ingredientes e culturas. Para ele, existe um movimento crescente de chefs africanos e afro-diaspóricos que reinventam pratos e tradições. Cita como exemplo o congolês Dieuveil Malonga, hoje baseado em Kigali, que desenvolve uma cozinha ancorada no uso de produtos locais e reinterpretando pratos comuns de forma criativa.
Entre seus hábitos pessoais, Gaël Faye revela gostar de comer, embora não se considere um gourmet. Prefere experiências simples e não busca restaurantes sofisticados. Sua paixão culinária é a pimenta, tradição herdada de sua mãe, que sempre carregava um pimentão em sua bolsa. Também aprecia a labradine (ou grenadille géante), fruta da família do maracujá, de sabor mais suave e menos ácido.
Para ele, a cozinha, assim como a música e a literatura, é uma fonte de inspiração e criação, uma maneira de atualizar tradições e conectá-las ao presente. O que importa, diz ele, é que a comida e a cultura continuem sendo ferramentas de partilha, encontro e invenção.
Ele se tornou conhecido inicialmente na música, misturando rap, hip hop e influências africanas. Sua obra costuma falar de exílio, identidade, memórias e diáspora africana. Em 2013 lançou o álbum “Pili Pili sur un croissant au beurre”, cujo título simboliza o encontro de culturas (pimenta africana e croissant francês).
Como escritor, sua estreia foi com o romance “Petit Pays” (2016), inspirado na própria infância no Burundi. O livro recebeu vários prêmios literários, como o Prix Goncourt des Lycéens, e foi adaptado para o cinema em 2020. Na narrativa, Gaël explora temas de guerra, infância, perda, exílio e também as lembranças afetivas ligadas à culinária e ao cotidiano.
Além de escritor e músico, Faye participa de debates culturais e sociais, falando sobre imigração, racismo e diáspora africana.
Sua obra conecta memórias pessoais à história coletiva, mostrando como a arte e a comida são fontes de identidade e resistência.
A entrevista aparece no número 57 da revista Papilles, com tema “Les cuisines africaines, ce sont des rencontres”, conduzida por Soro Solo.
Essa edição da revista foi publicada em 10 de julho de 2022, como parte da iniciativa Les Cuisines Africaines, que promove a culinária africana como um espaço de encontro, criação e celebração .


Comentários
Postar um comentário