Da terra à mesa: chef indígena compartilha sabores e saberes de sua culinária

É com seu cocar, adereços e pinturas faciais que Kalymaracaya, uma das primeiras chefs de cozinha índia do Brasil, quer levar a gastronomia de seu povo para todas as regiões e paladares


Hî-hî, bolinho de mandioca na folha de bananeira, prato típico indígena (Foto: Luna Garcia)

Eu sou uma das únicas que desenvolvo este trabalho.

É muito ruim saber que isto acontece durante anos.”

Mãe terra.

Os hábitos alimentares dos índios são constituídos essencialmente de alimentos que a natureza dá, respeitando seu ciclo, estações do ano, solo, tempo.

Quem dita o “cardápio” são as safras. Respeita-se também o sabor natural porque não há a presença de muitos temperos em seus preparos.

É ali, entre as mãos ou em um balé de talheres, que o alimento é manipulado e orquestrado para que seu real sabor seja enaltecido e, logo depois, apreciado. “Na culinária indígena não tem certo e errado. Por exemplo, nós não temos prato de entrada e prato principal; não temos pontos da carne específicos, o que temos são carnes muito bem passadas. Não consumimos carne mal passada. Quando faço o Hî-hî (bolinho de mandioca envolto na folha de bananeira), prato típico, não coloco sal, nem açúcar. Isso é preservar a essência do prato.”

População indígena. Segundo resultados preliminares do Censo Demográfico realizado pelo IBGE em 2010, e revisitado em 2020, a população indígena é de aproximadamente 900 mil indígenas (448 mil são mulheres) dos quais cerca de 500 mil vivem na zona rural, e cerca de 310 mil habitam as zonas urbanas. Em todos os Estados, inclusive do Distrito Federal, há populações indígenas. Hoje, ainda segundo a pesquisa, há 305 diferentes etnias indígenas registradas e 274 línguas.

Kalymaracaya pertence a etnia Terena, nasceu na aldeia Bananal, Distrito de Taunay de Aquidauana, no Mato Grosso do Sul. Faz questão de usar cocar, adereços e pintar o rosto “tudo para compor minha cultura”. É cozinheira e, além de preparar pratos típicos de seu povo, ainda viaja Brasil afora para propagar não só os sabores, mas os saberes indígenas. “Ministro aulas e cursos de gastronomia (é pós-graduada em História e Cultura Indígena e Afro-Brasileira) e sempre peço aos meus alunos para não só reproduzirem a receita, mas para falarem a outras pessoas que aquilo é a nossa verdadeira gastronomia. Luto todos os dias por isso e quero um dia que seja reconhecida como a melhor do mundo. Me encanta a forma de cuidados que temos com a natureza, tudo é extraído para o próprio consumo.”


Para além de respeitar a origem e o sabor natural das comidas, há no ato de preparo um conhecimento ancestral, milenar, que guia grande parte do fazer culinário e perpetua, dia a dia, técnicas gastronômicas próprias dos índios. “Desde pequena ajudava minha avó, tia e mãe a prepararem os alimentos. Estava sempre por perto da cozinha, andava nas matas atrás de algum alimento, dos frutos do cerrado. Achava tão bonito, a arte de transformar ingredientes em comida.”


Ingredientes que alimentam e curam. Além do prato, frutos e óleos têm espaço reservado nos procedimentos curativos dos índios e embelezadores também. São as ervas medicinais, imprescindíveis à cultura. “Utilizamos o Óleo de Bocaiúva ou Pequi ou algum outro Óleo 100% Vegetal para fortificar os cabelos, impedir queda capilar, tratar feridas na pele e até rejuvenescimento facial.”


Receita do Hî-hî de Kalymaracaya 

Ingredientes:

1 Kg de mandioca ouro (amarela) “in natura” sem o pavio

10 folhas de bananeiras inteiras

3 panos de algodão

6 folhas de bocaiúva ou 1 rolo de barbante

3 litros de água

Modo de preparo:

Limpe bem as folhas de bananeira, retire os talos e passe as folhas na chama do fogo. Rale a mandioca na parte mais fina do ralador, adicione 1 litro de água e mexa bem. Separe um pano de algodão. Você vai espremer todo o líquido da mandioca nele e deve repetir o processo até retirar todo o amido dela, deixando-a sequinha.

Quando isso acontecer, coloque três colheres de sopa na folha de bananeira e enrole. Cuide para que fique em modelo retangular. Amarre com a folha de bocaiúva ou barbante. Depois, coloque 2 litros de água em uma panela e disponha-os, o tempo de cocção é de 30 minutos em fogo alto.


Fonte: CNN Brasil

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