A culinária abraça o chorinho

O Dia Nacional do Choro é comemorado em 23 de abril, em homenagem à data de nascimento de Pixinguinha (associado representado pela Abramus), uma das figuras exponenciais da música popular brasileira, e em especial do choro.


Música e gastronomia já eram provas de boas parcerias, o que pode ser notado a partir da imensidade de canções nas quais pratos e guloseimas são embalados pelas melodias.
O caminho contrário, por sua vez, também acontece, e é notável como a música tem o poder, ainda que neste momento, de revigorar nosso prazer em cozinhar, e prestar essa homenagem.
E como entrada, sugiro um saboroso texto de Raphael Vidigal, que faz uma cronologia da obra do mestre, a partir de uma seleção musical, pra lá de emocionante.
Muito maior que tristeza imposta pelo momento, o Chorinho, representa um ato de resistência, uma forma de protesto positiva, diante da barbárie, e da negação ao ato criativo.
No campo especulativo, este gênero tão brasileiro, diferentemente do que há princípio possa parecer, do seu fácil supor, revela antes de tudo uma narrativa urbana e proletária, e por mais que pareça um saber triste, se revela transformador, cheio de esperança de novos tempos.

Pixinguinha é a alma do Chorinho

Por Raphael Vidigal

O choro entra na cena musical brasileira em meados e finais do século 19, e nesse período se destacam Callado, Anacleto de Medeiros, Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth.
Inicialmente, o gênero mesclava elementos da música africana e europeia e era executado principalmente por funcionários públicos, instrumentistas das bandas militares e operários têxteis.
O termo choro resultaria dos sons plangentes, graves (baixaria) das modulações que os violonistas exercitavam a partir das passagens de polcas que lhes transmitiam os cavaquinistas, que induziam a uma sensação de melancolia.

A doença aliada à origem africana da avó rendeu-lhe o apelido inusitado. As baixarias ouvidas em casa pelo choro do pai e dos amigos deram a ele uma flauta mágica.

O ouvido desaforado fez com que se transformasse em maestro, inepto e aclamado: Villa-Lobos, Ernesto Nazareth, Jacob do Bandolim, todos foram unânimes em aplaudi-lo.

As vaias vieram quando excursionou com os Oito Batutas para ver o mundo.

E se tornou um brasileiríssimo arranjador influenciado pelo jazz americano e os ritmos africanos.

As dificuldades financeiras, a bebida e o fumo, o presentearam com um sax. E todas essas rasteiras terrenas ajudaram a compor o gênio que transcendeu as barreiras do tempo: Carinhoso, Lamentos, Um a Zero, Rosa. Pixinguinha, música semente. Sorte para a música brasileira que o garoto Alfredo da Rocha não obedecia aos pais quando era mandado para a cama. Foi assim, ouvindo escondido a festa do choro em sua residência, que ele obteve inspiração para compor “Lata de leite”, aos 12 anos, em homenagem aos músicos que chegavam bêbados pela manhã e bebiam o leite de outros nas portas das casas. Pouco depois, aos 17, o menino deu prova da importância que viria a ter no cenário musical, ao compor “Rosa”, uma valsa de 1917 que ganhou versos de Otávio de Souza, “um mecânico muito inteligente que morreu novo”, segundo o próprio Pixinguinha.


Pixinguinha era o caçula de uma família com 14 irmãos, incluindo os dois casamentos de sua mãe.
O pai tocava flauta nas horas vagas e incentivou o “menino bom” quando viu sua afinidade com o instrumento. Primeiro ele tocou cavaquinho, depois foi ter aulas de sopro com Irineu de Almeida.
Com 13 anos, já estava em disco. Suas primeiras gravações autorais aconteceram em 1917, com “Rosa” e “Sofres porque queres”, um tango em parceria com Benedito Lacerda gravado por Isaurinha Garcia em 1949.
Um choro sofrido e esperançoso.
Pinzindim, como era chamado pela família, demonstrava toda a habilidade na flauta ao incorporar improvisos que o tornaram famoso em todas as rodas de choro.
Em 1919, ele alcançou seu primeiro sucesso em larga escala, com o samba de carnaval “Já te digo”, parceria com o irmão China, uma atrevida resposta ao compositor Sinhô, que reivindicava a co-autoria de “Pelo telefone”, considerado o primeiro samba brasileiro e registrado somente por Donga. Nesse mesmo ano, Pixinguinha compôs com Benedito Lacerda um tango que mais tinha cara de maxixe, “Os oito batutas”, nome do célebre conjunto formado por ele ao lado de Donga, China, Nelson Alves, Raul e Jacob Palmieri, Luís de Oliveira e José Alves de Lima.
Os caminhos dos batutas foram marcados por preconceito e pelo rompimento de barreiras tanto territoriais como conceituais. Tocaram na França, Argentina e em casas de música erudita, atestando em todos os âmbitos a exemplar competência do grupo. A música retrata de fato uma trajetória ascendente e entusiasmada.


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