O modelo alimentar dos Mebêngôkre (Kayapó) e seu apreço pela arte.

Os Kayapó vivem em aldeias dispersas ao longo do curso superior dos rios Iriri, Bacajá, Fresco e de outros afluentes do caudaloso rio Xingu, desenhando no Brasil Central um território quase tão grande quanto a Áustria. É praticamente recoberto pela floresta equatorial, com exceção da porção oriental, preenchida por algumas áreas de cerrado.



Pintura  Mebengokre, pintura de rara beleza estética, os grafismos corporais das tribos Kayapó fotos @Renato Soares

Hoje vamos conhecer um pouco sobre o cotidiano do povo indígena Mebengokre, conhecido popularmente pelo nome de Kayapó, sendo a maioria das suas aldeias localizadas no município de Peixoto de Azevedo, estado de Mato Grosso, distantes aproximadamente cento e cinquenta quilômetros da área urbana do município.
Mulher Kayapó pilando arroz foto@cdefs

O entorno da terra indígena já encontra cercada de fazendas com áreas enormes de pasto para a criação de gado, com casas construídas e energia elétrica nos imóveis. Seguindo por uma estrada de terra adentra-se em uma área de mata fechada coma presença de pequenos animais e pássaros, sinalizando para a proximidade das aldeias.

A chegada na aldeia revela as características tradicionais deste povo, começando pela disposição de forma circular das malocas, construídas de madeiras da região e cobertas com palha de bananeira brava.
No centro do círculo de casas é possível avistar a casa dos homens, onde são realizadas as reuniões culturais e tomadas as decisões políticas relacionadas ao dia a dia da comunidade. Nesta aldeia, denominada de "kremoro", vivem mais de quinhentas pessoas, distribuída em cerca de quarenta casas, formando núcleos familiares de quinze a vinte pessoas por habitação.
Fazendo parte da estrutura da aldeia é possível avistar uma escola, um posto de saúde, um campo de futebol e uma pista de pouso.
A cosmologia, vida ritual e organização social desse povo são extremamente ricas e complexas; assim como são intensas e ambivalentes as relações com a sociedade nacional e com ambientalistas do mundo todo.
No século XIX os Kayapó estavam divididos em três grandes grupos, os Irã'ãmranh-re ("os que passeiam nas planícies"), os Goroti Kumrenhtx ("os homens do verdadeiro grande grupo") e os Porekry ("os homens dos pequenos bambus"). Destes, descendem os sete subgrupos kayapó atuais: Gorotire, Kuben-Krân-Krên, Kôkraimôrô, Kararaô, Mekrãgnoti, Metyktire e Xikrin.

O termo kayapó (por vezes escrito "kaiapó" ou "caiapó") foi utilizado pela primeira vez no início do século XIX.
Os próprios não se designam por esse termo, lançado por grupos vizinhos para nomeá-los e que significa "aqueles que se assemelham aos macacos", o que se deve provavelmente a um ritual ao longo do qual, durante muitas semanas, os homens kayapó, paramentados com máscaras de macacos, executam danças curtas. Mesmo sabendo que são assim chamados pelos outros, os Kayapó se referem a si próprios como mebêngôkre, "os homens do buraco/lugar d'água".
O termo “kayapó” usado no século XIX por grupos vizinhos possui o significado em seu dialeto de "aqueles que se parece com macacos", que possivelmente originou-se de um ritual, o qual os homens enfeitados com máscaras de macacos, executam danças curtas. Apesar de que se referem a si mesmos como Mebengokre, "os homens a partir do furo de água."
São comuns as praticas de trocas de sementes entre as tribos kayapó

A civilização Kayapó são verdadeiros exemplos de diversidade
cultural, compreendendo a relação existente entre sua arte, costumes, modo de vida, política e uma grandiosa harmonia com meio ambiente se tornando fantásticos guardiões
de seus territórios tradicionais.

As sociedades indígenas estão plenamente integradas na experiência social. A arte
em certo ponto é anônima, no sentido em que o sujeito criador é coletividade, ainda que
seja sempre o indivíduo concreto quem dá a marca ao artefato artístico imantando-o com
as suas sensações, anseios e momento.
As culturas, em geral, e não apenas as artes constituem os grandes alicerces de
sentido que permitem às comunidades humanas se auto afirmar, manter, argumentar e
transformar.
Na fotografia Martin Schoeller, o cacique Ropni, é um dos poucos kayapó que ainda usa o disco labial de mogno.

A arte está relacionada ao mítico, ao simbólico, ao sistema de poder, ao terapêutico, permeando toda a vida social.
No domínio da arte, enfatiza-se o formal, a aparência, a imagem, como meio de expressão.
Para os indígenas, não apenas são objetos para serem contemplados, o que se fabrica tem que ser bonito e, além de bonito, bom, pois assim se entende que foi feito segundo as regras da cultura, pois permite viver da maneira como os parentes escolheram viver.
Desta maneira, a ênfase na novidade é pequena, mas não desaprovada.
O artista é aquele que consegue sempre criar coisas novas dentro do padrão particular de sua cultura.
Isso significa que seu estilo gestual, dramático, visual ou auditivo, as artes e os cantos que
inventa, sempre serão reconhecidos, pelos seus, como parte da criatividade do grupo.

A sociedade Kayapó se considera parte integrante de um mundo circular e vêem o processo do universo e da vida como cíclico, os ciclos do tempo ecológico e estrutural que determinam e acompanham a vida e as atividades humanas.
Os Kayapó, homens e mulheres desempenham suas atividades, independentes enquanto grupos, e espacialmente separados.

PINTURA CORPORAL
Com relação à pintura dos Mebengokrê, dentre todas as cores que envolvem o universo cromático desses índios considera-se muito importantes o preto e vermelho.
Essas cores envolvem um sentido muito particular, de tal maneira, arraigado culturalmente que se manifesta inconscientemente.
Foto @Renato Soares
Consciente de sua dupla natureza, o índio tem consciência de que o homem é um ser puro manchado pela sua condição física. Esta noção se manifesta pela dualidade de sentido da cor vermelha que representa o sangue, símbolo de materialidade, sendo esse
um pigmento extraído do urucum e representativo da cultura.

Os índios Kayapó não apreciam o jenipapo (do tupi ñandi’pab) como alimento, mas
o utilizam na fabricação da tinta.

O fruto é colhido ainda verde, ralado e depois de espremida, a massa é colocada na panela apenas para esquentar.
O líquido fica então em repouso por um dia. Findo esse prazo está pronto para ser usado e misturado ao carvão adquirindo, assim, a tonalidade preta.
Entretanto esse processo vem sofrendo mudanças em que ocorre o preparo sem utilização do fogo.
As pinturas de jenipapo e urucum são feitas simplesmente com as mãos e pedaços finos de bambu, não se utilizando qualquer processo mecânico.
As mulheres realizam as pinturas, fazendo um trabalho de incrível habilidade e rapidez, elas molham na boca a ponta do pedaço de bambu que utilizam para pintar.
A saliva misturada ao jenipapo ou urucum dá uma consistência mais homogênea à
tinta para que, por fim, possam aplicar à pele.

CULINÁRIA MEBENGOKRÊ
No que se refere à arte culinária Kayapó, destacam-se os alimentos assados no
forno, pois esses povos não apreciam comida na água.
Hoje, os Kayapó usam panelas de alumínio para carregar água ou para cozinhar o arroz ou macarrão, produtos comprados
na cidade.
Porém, as carnes, o peixe, a mandioca, o milho, o palmito e as abóboras, assim
como os grandes bolos de farinha de mandioca embrulhados em folhas de bananeiras
denominado Juwocupú, são assados diariamente no grande forno de pedra o Ki situado
atrás das casas na aldeia.
Ele faz parte integrante da vida dos Kayapó e não se pode
imaginar sua aldeia sem ele. A construção e o manejo do forno são tarefas das mulheres,
especialmente quando há muito alimento para assar as mulheres se reúnem e tratam do
forno e da comida.

O forno Kayapó funciona, basicamente, como um forno de carvoeiro.
Prepara-se primeiro um braseiro, ao mesmo tempo, esquenta-se dentro dele uma série de pedras lisas e arredondadas tiradas do rio.
Quando a brasa está boa e as pedras bem quentes, colocam-se as comidas.
Essas são embrulhadas em folhas de bananeiras para que os alimentos não se ressequem, não tomem gosto de fumaça ou fiquem sujos de terra.
Cada mulher coloca assim a comida preparada por ela o que é quase sempre o sustento
do dia para a família.
Em meio a essa estrutura e organização social, as roças são individuais, ou seja, cada núcleo familiar cuida da sua produção de alimentos, que vai da limpeza da área a ser cultivada, da plantação, manutenção e colheita das diferentes qualidades de alimentos, como mandioca, banana, abacaxi, batata doce, mamão, cará, milho, melancia, abóbora, cana de açúcar, entre outras.

Nas proximidades das aldeias existem vários córregos, que são amplamente utilizados pela população local para tomar banho, para pescar diversos tipos de peixes, inclusive com o uso do timbó no período da seca, além do uso para lazer de crianças e adolescentes.


Plantas alimentícias e Tradicionais
As principais plantas nativas de conhecimento, uso e consumo dos índios Mebengokre, são a banana brava, palmeira inajá, ingá, açaí, bacaba, macaúba, embaúba, palmeira babaçu, buriti, mangaba, pequi e jatobá do cerrado. Existem outras, que não tem tradução para a língua portuguesa como rojkrãtire, màtu, kamôt, abiuna, kamôttire goloza, gràdjare, gradjakaàk, mamui, mrê, entre outras.

Dessas plantas, algumas merecem destaque pela sua importância na dieta dessas comunidades, entre elas podemos destacar a banana brava, cuja fruta as mulheres buscam na mata, em locais próximos aos córregos e preparam a fruta descascando as bananas e socando no pilão até formar uma massa homogênea, que depois é assada enrolada em folhas de pacova, sendo consumido com beiju e carne de animais da região.
Outra forma de preparar a banana brava e na forma de chicha, muito consumida durante os rituais e festas.

Outras plantas nativas da região muito usada são o ingá, cuja polpa da fruta é muito apreciada como complemento alimentar e sua madeira usada como lenha nas fogueiras no interior das casas para aquecer durante a noite. A palmeira inajá tem várias utilidades como a polpa do fruto para alimento, da castanha é obtido óleo para passar no cabelo para ficar com brilho e da cor preta, a palha usada na cobertura de casas.
Os palmitos obtidos destas palmeiras são cortados pelas mulheres em pequenos pedaços e socados com carne de animais caçados pelos homens da aldeia.

As folhas de palmeiras como o inajá, tem ainda uma utilidade muito importante nos rituais quando morre uma pessoa, bem como nas festas tradicionais como "mebymybiôk", "kryrykango", "takàk", onde as mulheres e as crianças pintam o rosto e o corpo com tinta obtida da mistura do sumo do jenipapo com o pó de carvão.

Outra planta nativa é o "manui", que não tem tradução para a língua portuguesa, sendo o seu fruto consumido depois de assado, devido um tipo de leite que é expelido das frutas quando partida, que provoca queimadura na boca se for consumido sem levar antes ao fogo.

A macaúba, planta bem popular em áreas indígena e regiões urbanas, típica de áreas de cerrado, muito apreciada pelas crianças pelo sabor adocicado. Já a embaúba, consiste numa planta nativa encontrada em três espécies, na região de floresta mais densa, apenas uma dela é usada na alimentação. A principal utilidade da embaúba está nas suas folhas como lixa durante a produção de bordunas, arcos, flechas, cachimbos, e diversos artesanatos.
Outra particularidade da embaúba é a utilização das suas raízes, de onde é extraído um tipo de líquido semelhante a água, muito nutritivo, que é dado para os bebês tomarem.

Poderíamos fazer referência a dezenas de outras plantas nativas, usadas por essa comunidade indígena. No entanto, o objetivo é mostrar a existência e a prática ainda sendo usada pelos indígenas, a exemplo das gerações anteriores, mantendo assim os conhecimentos tradicionais e a identidade enquanto povo indígena.

Língua
A língua falada pelos Kayapó pertence à família lingüística Jê, do tronco Macro-Jê. Existem diferenças dialetais entre os vários grupos Kayapó decorrentes das cisões que originaram tais grupos, mas em todos eles a língua é uma característica de maior abrangência étnica, levando ao reconhecimento de que participam de uma cultura comum.

Os Kayapó, para quem a oratória é uma prática social valorizada, se definem como aqueles que falam bem, bonito (Kaben mei), em oposição a todos os grupos que não falam a sua língua.

Em certas ocasiões, como os discursos do conselho ou cerimoniais, os homens Kayapó falam num tom de voz como se alguém estivesse dando-lhes um golpe na barriga (ben), diferenciando assim esse tipo de oratória da fala comum.

O grau de conhecimento dos Kayapó do português varia muito de grupo para grupo, conforme a antiguidade do contato e o grau de isolamento em que cada um se encontra.

No Brasil Central, o ano se divide em duas estações: a estação seca, que se estende do mês de maio ao mês de outubro, e a estação chuvosa, que corre do mês de novembro ao mês de abril. A estação seca caracteriza-se pelos dias quentes e ventosos, pelas noites frescas e pela ausência quase total de mosquitos. Trata-se do período certamente mais agradável e os Kayapó costumam se referir a ele como "tempo bom".
A estação chuvosa, em contrapartida, caracteriza-se por chuvas torrenciais, pela inundação da maior parte dos rios e igarapés e pela presença desagradável de uma grande quantidade mosquitos e outros tipos de insetos. Ao evocar esse período, os índios se referem simplesmente ao "tempo da chuva". O índice pluvial anual é considerável, variando de 1.900 mm., no nordeste do território, a cerca de 2.500 mm., no sudeste - para se ter uma idéia, a Bélgica, tida como um país chuvoso, conta com um índice anual de aproximadamente 1.000 mm.
As aldeias kayapó são relativamente grandes em relação ao padrão amazônico: se uma aldeia indígena costuma variar entre 30 e 80 pessoas, entre os Kayapó, esse número flutua entre 200 e 500 habitantes. Mas essa densidade populacional costuma oscilar: se a menor aglomeração não conta com mais de 60 pessoas, a maior aldeia pode chegar a 900.




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