Açúcar entre Freyre, Mintz, e Strauss e a docilização como caráter nacional

 Adoçar para Abater.

O Açúcar em nossa cultura criou um sociedade mansa, sem atitude e débil, sem atitude reativa, passiva e negligente.

E este fato, não parece ser algo corriqueiro, ou mero acontecimento histórico; tudo me leva a crer que independente do fato em si, do avanço da produção e manufatura da cana-de-acurar, serviu também, como uma forma de adaptar e submeter negros escravizados, a um sórdido projeto de poder.


À ideia do gentio, do brasileiro enquanto um ser docilizado e cordial, tem muito haver com essa postura, e em parte se justifica na perseguição à cachaça.

Os sabores acres, azedos, fermentados sempre foram considerados transgressores, açuladores, incitadores dos maus humores.

O antropólogo norte-americano Sidney Mintz explica que os hábitos alimentares são veículos de profunda emoção.

Para o autor, a comida e o comer são centrais no aprendizado social por serem atividades vitais e essenciais, embora rotineiras. As atitudes em relação à comida são aprendidas desde cedo e bem.

Segundo Mintz: "A prosperidade nos leva a esquecer o quanto a fome pode ser impositiva, mas mesmo nesses períodos os hábitos alimentares continuam sendo veículos de profunda emoção”

Lévi-strauss sobre as cozinhas neutras e positivas


De acordo com Lévi-Strauss,a cozinha é articuladora das categorias natureza e cultura e  também expressa uma linguagem por interligar  sistemas de oposições.

Foi a partir da observação dos hábitos alimentares das tribos Bororós  brasileiras que o antropólogo criou o que ficou conhecido como o “Triângulo Culinário”, no qual explicita as relações de transformação do alimento através do tripé: cru, cozido, podre. 

Assim, o alimento cru (natural), passa pelo fogo e torna-se cozido (cultural) e então por influências diversas apodrece e retorna à natureza.

Tudo isso fez com que o homem primitivo criasse uma série de hábitos estritamente culturais ligados à alimentação: começando pelo cultivo de alimentos que pudessem ser saboreados cozidos, a caça e o preparo da carne, algum tipo de conservação dos alimentos, até chegar às receitas, hábitos alimentares específicos de cada região, modos de consumo, regras de educação durante a refeição e a preocupação com o lixo gerado por ele.

Para ele, a cozinha baseia-se em ações técnicas, operações simbólicas e rituais. Utilizando o esquema do “Triângulo Culinário” para entender outros mecanismos culturais, o pesquisador francês provou que algo que fazemos de maneira intuitiva muitas vezes esconde segredos que contam muito sobre a essência de ser humano.

Muitos se recordaram da clássica definição imortalizada pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) em seu livro "Raízes do Brasil" para dizer que o nosso povo é assim doce, lindão e do bem porque é um "homem cordial".

Não foi isso que Holanda quis dizer. Cordial vem de coração, que vez ou outra bate em direções erradas, quase opostas às da razão ou da moral. 

"O coração transforma tudo em uma grande relação de amizade, de apadrinhamento e de intimidade", afirma ao TAB o historiador Thiago Lima Nicodemo, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor do livro "Alegoria Moderna: crítica literária e história da literatura na obra de Sérgio Buarque de Holanda". 

"Mas isso não quer dizer ser carinhoso apenas; quer dizer ser muitas vezes violento, porque você transforma numa coisa íntima aquilo que deveria ser de todos: isso inclui as pessoas e também os bens públicos."

Pensando no Açúcar, como elemento subjetivo, que tem o poder de ativar a serotonina, e elevar os níveis de prazer, rapidamente, e como a rapadura era oferecida como um dos alimentos mais importantes da dieta escrava.

Chego a supor e acreditar, mesmo que de forma empírica, que nossa adição ao açúcar, hoje provado, ter efeitos de gerar dependência como a cocaína, foram de forma deliberada, usados com o intuito claro, de potencializar o árduo trabalho escravo, fazendo com que, estes mesmos indivíduos, ao final de um dia extenuante de trabalho, não considerassem qualquer inciativa de revolta ou levante contra as indignidade perpetradas pelo sistema escravista.

O Mito da cordialidade do brasileiro é um fenômeno existente, parcialmente, entre as camadas dos favorecidos culturais e socioeconômicos (camada de cima).

Entre as pessoas da mesma hierarquia social realmente existe certa cordialidade.

Essa cordialidade, em muitos momentos serviu de escusas, entre os mais humildes, para não serem rechaçados, tomados como agressivos, estúpidos, corroborando com o discurso do incivilizado ao qual foi submetido os negros no Brasil.

O doce, o agrado, a gorjeta, por baixo do pano, são formas heterodoxas, moedas de demarcação simbólica de poder, uma moeda mantenedora do poder cordial e patrimonialista.

Não é atoa, que transformamos o "Brigadeiro" em homenagem a um personagem do exército como um elemento cultural, uma docilidade subserviente e servil.

Um doce autoritário desde o seu nascimento, ate a sua forma impositiva em nossa mesas, os primeiros docinhos surgem com a alcunha, politicamente incorreta da 'negrinho', usado do Rio Grande do Sul.
Uma história popularizada sobretudo a partir dos anos 19802 afirma que o nome seria uma homenagem ao brigadeiro Eduardo Gomes , liberal, de físico avantajado e boa aparência.

Não podemos esquecer, de como a doçaria brasileira se desenvolveu em Pernambuco, e que por volta do início do século XVII, a maior concentração de engenhos de processamento de cana de açúcar, Pernambuco foi a maior e mais rica área de produção de açúcar do mundo.

“Sem açúcar não se compreende o homem do Nordeste”.

A celebre frase de Gilberto Freyre resume a importância que a monocultura da cana-de-açúcar teve na formação sociocultural do estado de Pernambuco.

As plantações de cana, os engenhos, os escravos, o cheiro doce que incensava as casas-grandes e as senzalas, os bolos que figuraram como brasões de famílias importantes, o doce, e para alguns até amargo, dos nossos doces, são oriundos do elemento que deu renome ao Brasil no exterior: “deixo de ser Brasil da madeira de tinta vermelha e passo a ser Brasil do açúcar, elemento este de riqueza igualada ao ouro, um ouro branco”, me pergunto, para quem?

Em seu livro, o autor traz o açúcar como fator extremamente importante na formação gastronômica de Pernambuco, possibilitando o surgimento e aperfeiçoamento de muitos elementos.

O açúcar e as frutas do mato tropical, o açúcar e a mandioca, o açúcar e os tachos. 

Recife uma cidade, e uma região como dispõe Freyre, marcados pela doçura do ouro branco: “dou-lhe um doce se descobrires o que tenho aqui” – a doce recompensa; “você é meu doce de coco” – o doce amado; “com bananas e bolos se enganam os tolos” – o poder de ludibriar o próximo.

Por trás de toda essa doçura está a sociedade patriarcal, aristocrática, as donas de casa, as negras da cozinha.

Freyre diz que a origem de todos esses doces está fundamentada em um dos rituais mais sérios da antiga vida das famílias das casas-grandes e dos sobrados.

Houve, no Brasil, uma maçonaria do doce comandada pelas mulheres dos engenhos, responsáveis pela criação de bolos que representaram famílias abastadas– Cavalcanti, Constâncio, tia Sinhá, Souza Leão – e por guardar o segredo das receitas, receitas estas que mesmo preparadas por negras escravas, foram perpetuadas no cadernos de receitas das sinhás e das famílias portentosas.

A culinária pernambucana prosperou no aporte das docilidade, diferente do indianismo do norte, e do africanismo baiano. 

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