O ARTESANATO M'bya Guarani
O povo Guarani Mbya está presente em Santa Catarina há quase um milênio. Com base na historiografia colonial, o povo Guarani histórico era cultivador de milho e, segundo estudos arqueológicos, há uma hipótese da existência de duas rotas migratórias ligadas à tradição Tupi (cultivadores de mandioca) e à tradição Guarani (cultivadores de milho), que se encontraram na costa atlântica, num tempo anterior à chegada dos colonizadores europeus.
Diante desses relatos encontrados na literatura, buscou-se aprofundar a investigação e a discussão teórica sobre a relação dos povos indígenas com a natureza e suas contribuições à sustentabilidade ambiental, uma vez que, conforme abordado anteriormente, os povos indígenas estabeleceram contato com o meio natural desde o início dos tempos e com ele evoluíram, em um processo dinâmico da relação social entre homem e natureza.
Ajaka para, como são chamados balaios com grafismos na língua Guarani Mbya, são objetos de uso cotidiano que além de armazenar alimentos, carregam em sua trama o conhecimento ancestral do povo Guarani, que habita a região da Mata Atlântica meridional em aldeias desde o Espírito Santo até o Rio Grande do Sul.
A ajaka é um artesanato tradicional M'bya Guarani, utilizado para o amadurecimento da fruta abacate.
Os ajaka (cestarias guarani mbya) produzidas nas aldeias, também são utilizadas na Opy (Casa de Reza), para guardar o fumo do petynguá (cachimbo sagrado), os alimentos que serão batizados, e os líquidos que serão utilizados, durante o nhemongaraí (batismo guarani mbya).
Os cestos também são uma forma de proteção à Opy, durante o nhemongaraí, pois o desenho da cobra protege aqueles que utilizam os cestos, e espantam os maus espíritos.
Durante o processo de produção artesanal, os guarani mbya precisam levar em consideração o nome-pessoa dos artesãos, e de quem irá usar os artesanatos, pois é o nome-pessoa que revela o nhe’e (espírito protetor).
É o nhe’e que vai decidir as características e os laços que cada guarani terá em vida. Portanto, os parentescos guarani não tem a ver apenas com laços sanguíneos, mas também com os nomes. Pessoas com o nome “Vherá”, por exemplo, são do mesmo amba (morada celestial) e por isso tem parentesco, e características em comum. Assim, quando um artesão guarani produz artesanato, é preciso prestar atenção em seu nome-pessoa, de modo que o artesanato não seja utilizado por pessoas de outros nomes.
O petynguá (cachimbo sagrado), por exemplo, é uma extensão da pessoa, e usar o cachimbo produzido por artesão de mesmo nome, é confirmar seu nome-pessoa no mundo, e manter a busca que os mbya fazem para ser guarani ete’i (verdadeiro), através do fortalecimento de seu nome-pessoa. Isso acontece porque os artesanatos são extensões da vida guarani: as atividades e as inovações artesanais que os guarani mbya devem realizar, são reveladas em sonhos e meditações. Algumas vezes, os guarani aprendem e realizam projetos para ensinar os outros da aldeia a confeccionar, para manter os conhecimentos da comunidade, ou para poderem vender os artesanatos e se manter.
Mas afinal de contas, como as comunidades guarani mbya elaboram os artesanatos? Existem elementos naturais, tintas e madeiras específicas para o uso e confecção artesanal guarani.
A mata em que vivem deve ter condições para possibilitar o trabalho e a transmissão de saberes que envolvem o artesanato.
Os artesanatos para a venda muitas vezes são feitos com materiais trazidos das cidades, mas mesmo nestes casos, encontram suas referências nos estilos artesanais produzidos com as matérias primas encontradas nas matas.
As cestarias guarani são elaboradas principalmente pelos mais velhos e mais velhas das aldeias. Assim como dona Pauliciana, dona Anita, que vive na Aldeia Gengibre confecciona cestos e é responsável por transmitir os saberes guarani através dos grafismos presentes nas cestarias. Para realizar os cestos, as xejari (avós) precisam de ambientes calmos, onde os guarani possam se reunir, pois o artesanato não é realizado apenas para a produção de objetos, mas principalmente para reforçar a coletividade no grupo, e garantir a busca pelo bom caminhar, de acordo com o modo de ser guarani mbya.
Os saberes sobre as técnicas e os materiais artesanais, são trocados através da oralidade durante a confecção dos cestos, esculturas, e outros materiais.
O tipo de madeira necessário para compor diferentes tipos de cestos, para diferentes usos, são aprendidos principalmente com os mais velhos e mais velhas das aldeias. A taquara e o bambu são muito utilizados pelos guarani mbya, para a produção das cestarias.
No cotidiano dos guarani mbya, principalmente dos jovens, é comum a ida diária à mata, para a seleção e coleta das madeiras que servirão para compor os artesanatos, como na fotografia abaixo, registrada pelo guarani mbya Adelino Gonçalves. Para a coleta, é preciso saber diferenciar as madeiras, entender a natureza de cada uma, e realizar o processo de corte, sem afetar o ecossistema. A cosmovisão guarani mbya mantem uma relação de respeito com o meio ambiente, pois foram incumbidos por Nhanderu de proteger a natureza, da qual dependem para manter o modo de ser guarani mbya.
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