Desde a época colonial, confinados no interior das matas situadas na serra da Mata no
sul da Bahia e norte do Espírito Santo, os Pataxó viveram um passado como indígenas
isolados, divididos em hordas, movimentando-se livremente em busca de caça, dos frutos e
tubérculos encontrados em abundância naquelas matas.
A expansão agrícola na floresta atlântica se deu pela crescente procura de certos produtos tropicais no mercado mundial, mormente no ano de 1727, quando houve o início das frentes de ocupação na região do sul da Bahia, empreendidas por agricultores, que se interessaram pelas terras que ficavam entre os rios Paraíba e Doce, para o cultivo do algodão, do fumo e das primeiras plantações de café.
Esse processo intensificou a ocupação das áreas verdes e essa nova expansão demográfica caminhou em direção aos grupos indígenas que se mantinham independentes na floresta atlântica.
Em 1752 foram plantadas, em Ilhéus, as primeiras lavouras de cacau,*
dando início a uma outra frente de expansão agrícola na região do sul da Bahia, território ocupado pelas tribos Kamakãn e Pataxó.
A crescente demanda do mercado mundial acelerou a expansão dessa lavoura, que
veio tomar de roldão as matas do sul e extremo sul do Estado da Bahia, com impactos
desestruturadores, tanto sobre os aldeamentos como sobre os índios não aldeados dos diversos grupos Macro-Jê, dentre os quais os Pataxó.** A maior parte desses indígenas foi subjugada e compelida a se recolher em áreas demarcadas, como a Reserva Paraguaçu-Caramuru, no sul da Bahia, próxima a Ilhéus, abrigando os Pataxó Hã-hã-hãe,*** e a aldeia Barra Velha, no extremo sul da Bahia, próxima a Porto Seguro, abrigando os Pataxó.
Além do processo de invasão das frentes agrícolas na região do sul e extremo sul da
Bahia, que contribuiu para o desalojamento dos Pataxó que viviam nessa região, a criação do
Parque Nacional Monte Pascoal em 1943 forçou a dispersão dos grupos indígenas,
primordialmente os Pataxó que viviam na aldeia Barra Velha.
O êxodo do Pataxó de Barra Velha ocorreu após a saga de 1951, conflito ocorrido
entre os militares de Porto Seguro e Prado e os Pataxó dessa aldeia.
Os sobreviventes desse episódio se espalharam alojando-se em outras áreas, agrupados por laços consangüíneos, formando novas aldeias e grupos isolados, quando começaram a omitir a identidade indígena como forma de garantir a sobrevivência.
A partir de 1970, com a construção da BR-101 – a Rio-Bahia, via de acesso para todo
o litoral baiano, e conseqüentemente a intensificação do turismo na Bahia em 1975, ocorreu
uma atração para a região de empreendedores estrangeiros que ocuparam a maior parte da orla das suas praias, forçando os Pataxó que viviam sobretudo na orla de Cumuruxatiba a
perderem os espaços ocupados após a dispersão em 1951, e a intensificar seu processo de
aculturação no extremo sul baiano, com destaque para as aldeias instaladas nos principais
pontos turísticos: Porto Seguro e Arraial d’Ajuda.
Introdução retirada do trabalho cientifico de HELANIA THOMAZINE PORTO VERONEZ,
Aspectos dos sistema alimentar Paraxó
"Apanham as mulheres raízes da macacheira e as põem a ferver dentro d’água em enormes vasilhames de barro. Já bastante cozidas e moles, tiram-nas do fogo e deixam-nas esfriar um pouco; juntam-se em seguida as mulheres em torno dos recipientes, tomam as raízes e as mastigam para cuspi-las depois dentro de outros vasilhames de barro, com certa quantidade de água proporcional à quantidade de bebida que desejam fazer.
Misturam-nas então com levedura de farinha de milho miúdo ou comum e põem tudo a ferver mexendo sem parar até completo cozimento.
Tiram então essa espécie de sopa espessa do fogo e enchem os vasos de colo estreito. Deixam a bebida assentar para tirar a borra, cobrem os vasilhames e guardam até que se reúnam todos para cauinar
(ABBEVILLE, Claude. História da Missão dos padres Capuchinhos na ilha do Maranhão. São Paulo: Martins Fontes, 1975. p. 238)."
O mãgute, como eles denominam o alimento e toda a dimensão simbólica e cognitiva dos saberes e sabores, representa para os Pataxó – tal como propõem Amon & Menasche (2008) -, uma dimensão comunicativa – e também identitária (Maluf, 2007) -, podendo contar histórias a partir da memória social daquele que narra. As narrativas, sementes e alimentos que circulam, seja no seio do ambiente doméstico ou em espaços comunitários ou inter-comunitários, são apropriados pelos sujeitos, que dão continuidade à produção dos saberes.
Por Japoterú Pataxó Ribeiro.
Foto Instituto Pataxó de Etnoturismo Reserva Pataxo da Jaqueira em Porto Seguro
Peixe na patioba, farinha de puba, bolo de puba, beiju de puba, beiju de coco, cauim e muito mais sabores e saberes...
Cada povo tem o direito de preservar suas práticas tradicionais de produção e consumo de alimentos, pois tais práticas constituem-se em patrimônio cultural, conformando-se como elementos identitários dessas coletividades e dos indivíduos que pertencem a elas.
Esses aspectos são marcados no sistema alimentar e integram o saber-fazer culinário e os sabores que teimam em permanecer no ser Pataxó.
Os Pataxó acessam diversos e parcos habitats florestais para coleta de resinas, fibras, sementes, frutas, óleos e lenha.
Dos rios e córregos, quase secos pela total devastação da mata ciliar, ainda conseguem obter a água e os diversos e persistentes peixes que, capturados através de técnicas tradicionais, irão compor o cardápio da família.
Dos ecossistemas costeiros, principalmente dos manguezais, são obtidos crustáceos, peixes e moluscos, deveras apreciados.
Todas as aldeias aguardam ano após ano a "época da fartura" dos manguezais, quando os Pataxó que vivem na costa capturam esses animais para a alimentação e troca com os índios agricultores de regiões mais centrais.
A criançada se esbalda e os adultos fazem festa! Do mar, vêm os peixes e os camarões, também muito apreciados e importantes na dieta e na culinária indígena.
Dos recifes coralíneos obtém-se uma iguaria ímpar: o ouriço-do-mar, animal desprezado pelos moradores da cidade e desejado pelos nativos.
Essa fonte ecossistêmica fragilizada e historicamente violada, de biodiversidade e agrobiodiversidade, somada ao conhecimento indígena e os aprendizados com outros povos, gerou uma culinária ímpar, que resiste enquanto elemento identitário pataxó.
Três folhas de tamanho médio da patioba lavadas e levadas ao fogo pra murchar. Pega-se o peixe tratado e coloca-se um pouco de sal, sem mais temperos. Amarra-se o peixe nas folhas com ajuda de um cipó verde. Leve ao fogo o peixe amarrado, em brasa ou rescaldos ainda bastante aquecido, caso contrário queima-se a folha e também o peixe. Hummmm, muito bom!!!
A Patioba é folha de uma palmeira ameaçada de extinção na Mata Atlântica, o pati (Syagrus botryophora). A folha, no momento do preparo da Mukeka, deve ser retirada de um pati jovem, pois a folha jovem é mais resistente ao calor intenso, e a mesma deve ser, quando na residência, esquentada no fogo, para murchar. É necessária, também, a coleta de coco e de dendê para a extração do leite e do óleo, respectivamente.
Os peixes são pescados no mar ou nos rios. O peixe é limpo, salgado e temperado com urucum (cujo preparado em forma de pó recebe o nome, na culinária brasileira, de colorau) em uma bacia ou gamela (de madeira).
Em seguida são acomodados na patioba, podendo ser temperados com leite de coco, azeite de dendê e, às vezes, pimenta do reino.
Após este procedimento, o peixe é fechado na patioba, que é amarrada com fibra de embira para os peixes não caírem.
Por fim, o peixe envolto na patioba é colocado a assar na brasa, num buraco na terra ou suspenso com duas estacas. Logo percebemos o porquê da preferência pela patioba, pois sua folha demora a queimar na brasa. E nossos cozinheiros ainda dão uma dica:
"Duas patiobas para cozinhar um peixe. Usam-se três palhas: a de baixo, a do meio e a de cima. As duas de baixo, é água pura. Na de cima, você tempera. Quando começar a queimar a segunda, o peixe já está cozido" e, arrematam, "Mukeka do Pataxó é na patioba e a mukeka da piaba é a boa".
Arrancar a mandioca, descascar, ralar e colocar dentro d'agua para pubar(amolecer). A farinha de puba vai descer para o fundo e é preciso retirar a água em que ela ficou e lavá-la até perder o gosto azedo. Quando estiver pronta, rala-se outra mandioca nova e para misturar com a massa de farinha puba. depois de misturar, coloca-se a massa na prensa, enxuga-a e se quiser pode torrá-la no mesmo dia com bastante fogo.
Você faz a massa de puba conforme descrito acima, acrescente coco ralado e açúcar e mistura tudo. Se quiser, pode-se enrolar a massa na palha da bananeira e colocar para assar. É preciso virar os lados para assar dos dois lados. Fica divino!!!
Foi na aldeia mãe, a costeira Barra Velha, a mais antiga aldeia Pataxó, com outra querida Dona Maria, que aprendemos um pouco da culinária tradicional com o uso da fauna aquática. Do ouriço do mar, faz-se um delicioso catado.
O ouriço é coletado e partido em bandas, retirando-se a gordura. Logo após, é temperado com óleo, sal, cheiro-verde e outros condimentos, e colocado a cozinhar. O segredo do sucesso desse prato é mexer o tempo todo, de preferência com colher de madeira. Do ouriço, também faz-se um belo de um assado. Basta colocar uns pedaços de casca de coco ou de palha seca do coqueiro em cima do ouriço e atear fogo, esperando apagar. Há relatos de que, em épocas remotas, quando a farinha de mandioca era insuficiente devido ao impedimento de abertura de roçados, a coleta do ouriço era muito frequente. A coleta do ouriço foi relatada por Dona Maria, que sempre fez questão de transmitir a seus filhos e netos seu conhecimento sobre o momento vivido e as técnicas de coleta e preparo, assegurando a sobrevivência dessas prática.
Ralar a mandioca e retirar a goma, espremendo a mandioca com um pano. É preciso deixar a goma assentar para separá-la da água. Depois de goma separada é preciso coá-la e fervê-la deixando-a descansar um dia. Feito, a goma tem que ser peneirada, então acrescenta-se um pouco de sal e leva-se a massa ao forno para secar. Por fim, acrescente-se o coco um pouco de açúcar e bom apetite!!
Do ouriço do mar, faz-se um delicioso catado.
O ouriço é coletado e partido em bandas, retirando-se a gordura. Logo após, é temperado com óleo, sal, cheiro-verde e outros condimentos, e colocado a cozinhar. O segredo do sucesso desse prato é mexer o tempo todo, de preferência com colher de madeira.
Do ouriço, também faz-se um belo de um assado. Basta colocar uns pedaços de casca de coco ou de palha seca do coqueiro em cima do ouriço e atear fogo, esperando apagar. Há relatos de que, em épocas remotas, quando a farinha de mandioca era insuficiente devido ao impedimento de abertura de roçados, a coleta do ouriço era muito frequente. A coleta do ouriço foi relatada por Dona Maria, que sempre fez questão de transmitir a seus filhos e netos seu conhecimento sobre o momento vivido e as técnicas de coleta e preparo, assegurando a sobrevivência dessas práticas.
Os caranguejos são comidos após serem cozidos em água, tempero e sal ou assados na brasa e comidos com Kwiúna.
Os peixes podem, ainda, ser moqueados na beira da fogueira ou do forno e comidos com farinha.
As caças já estão quase extintas na região e as poucas que existem têm sua captura proibida.
COMO SE FAZ O MUNQUEM ? Como se faz o munquem: o munquem é feito para munquinhar carne.
A carne fica muito gostosa. Depois que a carne é munquinhada ela fica até uma semana ou mais sem precisar salgar. Antigamente o índio não tinha sal, por isso a carne das caças e peixes era munquinhada para ficar muitos dias sem perder.
A carne ficava sempre na beira do fogo; quando o índio queria comer, tirava uns pedacinhos e comia com farinha de puba.
Bebidas tradicionais, duas chamaram nossa atenção: o vinho do jatobá e o café tiririquim. Conhecemos o vinho rubro da deslumbrante arvore jatobá (Hymenaea courbaril) na aldeia pé-do-monte, com o Sr. Braga.
Na aldeia trevo-do-parque, conhecemos uma rara semente do café tiririquim, quase extinto na região, depois da entrada do café industrializado.
O tiririquim, segundo consta no livro de Apinaera Pataxó e Txahú Pataxó, é um café raro, que serve para dor de cabeça; a folha serve para benzer, a raiz para febre e a semente para o artesanato: "ele era um café que a gente utilizava sempre, sempre, sempre. O café que conhecíamos era esse, não conhecíamos o café de pacote, nem sabíamos usar, nem sabíamos se existia."
Cauim: é uma bebida alcoólica tradicional dos povos indígenas do Brasil desde tempos pré-colombianos, feita através da fermentação da mandioca ou do milho.
No caso dos Pataxó o cauim é também chamado de aluá.
A matéria-prima é a mandioca, que é ralada, amolecida em água durante alguns dias (pubada), cozida, triturada e recozida para a fermentação. A bebida resultante é opaca e densa e tem gosto azedo; ela pode ser misturada com várias frutas e com caldo de cana.
O cauim pode ser consumido no cotidiano por uma ou duas pessoas, mas é mais comumente consumido em festas com dezenas ou centenas de pessoas, frequentemente de duas ou mais aldeias. Atualmente, contudo, produz-se cada vez menos o cauim devido ao processo demorado e trabalhoso de feitura da bebida. Povo Pataxó.
A publicação do Inventário Cultural Pataxó é fruto de uma
parceria exitosa entre o Instituto Tribos Jovens (ITJ) e o povo Pataxó, numa atividade que integrou o projeto “Promoção da Cultura Pataxó para o Etnodesenvolvimento” financiado pela União Europeia (UE).
Esta pesquisa histórica e antropológica foi realizada em conjunto por profissionais do ITJ, IPEC e uma equipe de pesquisadores indígenas, incluindo jovens formados pelo projeto, sob supervisão da Coordenação de Pesquisa da Língua e História Pataxó - ATXOHÃ, que atua há mais de dez anos realizando pesquisas e registros dessa população.
O presente trabalho também contou com a colaboração valiosa do Instituto Portosegurense de Educação e Cultura (IPEC), do Ponto de Cultura Saberes e Fazeres da Cultura Pataxó de Aldeia Velha e das escolas indígenas de Barra Velha, Coroa Vermelha e Aldeia Velha.
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