Pesquisadores analisam possíveis correlações entre o nosso padrão de consumo de carnes e a proliferação de doenças.
Ainda que a indústria de produtos de origem animal evite contaminações ao seguir rígidos protocolos de inspeção, o modelo intensivo de produção pode favorecer o surgimento de novas infecções com potencial de transmissão a humanos.
Para compreender a conexão entre o consumo de produtos de origem animal e vegetal e o desenvolvimento de novas doenças, podemos olhar o relatório de 2013 da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), que sustenta que 70% das doenças surgidas entre 1940 e aquele ano eram de origem animal, ou seja, zoonoses.
De acordo com o documento, isso ocorreu por conta do crescimento da população e da expansão agrícola. Paulo Roehe, professor do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia do Instituto de Ciências Básicas da Saúde (ICBS), confirma que, ainda que não exista uma regra absoluta, nos últimos anos a maioria das infecções que ocorrem em humanos se origina em animais.
Dentre as infecções que surgiram dessa forma, está a doença da vaca louca, ou doença de Creutzfeldt-Jakob, que se difundiu com o consumo de carne de gado contaminada.
A epidemia da vaca louca se desenvolveu no Reino Unido entre 1980 e 1990, causando um problema neurodegenerativo nas pessoas que adquiriam a enfermidade.
Paulo assegura, no entanto, que hoje a probabilidade de que doenças sejam transmitidas pelo consumo de carne é muito baixa, porque as criações já seguem uma série de protocolos que evitam a propagação de enfermidades.
“A gente não tem problemas de grande escala, como a tuberculose bovina. Essas infecções já estão controladas, porque são conhecidas há muitos anos. Os protocolos de inspeção de carnes já sabem como controlar essas doenças”
Paulo Roehe
Da mesma forma, Eduardo César Tondo, professor de Microbiologia de Alimentos e Controle de Qualidade em Indústrias de Alimentos, do Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos, pontua que é preciso ter cuidado ao fazer esse tipo de correlação, uma vez que a maior parte da produção de carne para a comercialização passa por controles e protocolos de qualidade.
“A necessidade de criação de muitos animais em espaços considerados menores do que aqueles que ocorreriam na natureza pode proporcionar alguma troca de micro-organismos. Esses podem vir a passar aos humanos e virar zoonoses. Isso é normal, mas não é necessariamente porque os animais foram produzidos em espaços pequenos. O espaço pequeno pode propiciar que haja uma maior transmissão dos micro-organismos, mas os controles, nesse tipo de produção, são muito grandes, principalmente pelas indústrias”, explica.
Por outro lado, Cynthia Schuck Paim, doutora em Zoologia pela Universidade de Oxford, pesquisadora das áreas de epidemiologia e cognição animal e autora do livro Pandemias, saúde global e escolhas pessoais, entende que o consumo de carnes influencia no desenvolvimento de epidemias com potencial pandêmico.
“Quanto maior o consumo de carne, maior a demanda por animais, como frangos e porcos. Portanto, vai ser maior a população desses animais no mundo e, quanto maior a população desses animais, maior a probabilidade de emergência, surgimento e transição de um patógeno, de um vírus com potencial pandêmico”
Cynthia Schuck Paim
A pesquisadora entende que o sistema de produção de animais, principalmente no modelo intensivo – em que os indivíduos costumam ser geneticamente homogêneos –, favorece a emergência de novas epidemias, doenças infecciosas e pandemias. “A diversidade confere resiliência a uma população, porque algum animal pode ser resistente ao vírus, outro à bactéria. Mas ela não existe nesse modelo em que os animais são muito homogêneos. Então, se um deles sucumbe a um determinado patógeno, geralmente a maioria dos outros também vai ser vulnerável a ele”, explica.
Cynthia acrescenta que, no modo de criação intensivo, os animais são imunossuprimidos, ou seja, têm o sistema imunológico vulnerável à contaminação por patógenos. Isso se dá pelo fato de que eles têm uma genética alterada para proporcionar alta atividade, como crescer rápido, produzir muitos ovos e muito leite. Então a energia que seria alocada no sistema imunológico é, frequentemente, direcionada para o crescimento. “Com a imunossupressão, você facilita a infecção desses animais por patógenos”, pondera.
Pesquisadores apontam que pandemias dos últimos 20 anos têm relação com a proximidade entre humanos e animais silvestres. Entretanto, também indicam que as condições de confinamento e produção de carne em escala industrial têm reduzido a imunidade dos rebanhos e, consequentemente, da qualidade dos alimentos de origem animal que temos consumido, tornando-se possíveis fontes de problemas futuros (Foto: Flávio Dutra/Arquivo JU 12 mai. 2020)
Nossos hábitos individuais e a saúde global
Para os pesquisadores, toda a grande escala de produção e consumo de alimentos, sejam eles vegetais ou animais, causa problemas ambientais diretos, podendo gerar novas doenças, mas é possível, segundo eles, adotar práticas para evitar a propagação da atual e de futuras epidemias.
“Para aquelas pessoas que queiram reduzir os riscos associados à saúde global, como epidemias, pandemias, problemas de resistência antibiótica, problemas ambientais, ou que queiram preservar e otimizar o uso de recursos naturais, a melhor solução direta é, de fato, reduzir o consumo daqueles produtos associados a maiores riscos de saúde global, a um maior desperdício de recursos naturais. E quais são esses produtos? São produtos de origem animal proveniente de sistemas intensivos de criação. Esses sistemas são associados a uma maior probabilidade de emergências de epidemias, de patógenos com potencial pandêmico, como a gripe aviária e a gripe suína”
Cynthia Schuck Paim
Quando se produz muito alimento de origem animal ou vegetal, explica Eduardo, isso pode levar ao desgaste do meio ambiente, a um maior consumo de água, a uma necessidade maior de campo, o que pode resultar em consequências diretas. Mas como manter o equilíbrio? “Por meio do controle e do planejamento responsável da produção de alimentos pelas empresas e produtores de alimentos. Deve haver um planejamento das áreas a serem cultivadas, a serem utilizadas para a produção de alimentos, e também das que serão preservadas”, aconselha o professor.
Fonte: Urfgrs
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