CARBONARA: TRADIÇÃO POLÊMICA E REINVENÇÃO NO FAMOSO PRATO ITALIANO
Domingo (6) de Maio celebrou-se o Dia da Carbonara, um clássico nos menus italianos, com aqueles que a amam muito e aqueles que nem chegam perto.
A carbonara é um dos pratos mais simbólicos — e mais controversos — da culinária italiana. A polêmica em torno dela vai muito além da receita e toca em temas de identidade nacional, globalização, tradição e autenticidade. Abaixo estão as principais controvérsias ligadas à pasta alla carbonara:
Origem incerta (e desconfortável para os puristas)
A principal controvérsia levantada por Alberto Grandi e outros estudiosos é que a carbonara:
Possivelmente surgiu no pós-guerra, com a chegada de soldados americanos à Itália;
Teria sido criada a partir dos ingredientes disponíveis nos kits militares americanos: ovos em pó e bacon;
Foi, portanto, co-criada por influências externas, e não uma “tradição italiana ancestral”.
Isso incomoda profundamente setores mais nacionalistas da gastronomia italiana, que veem a carbonara como patrimônio inquestionável e autêntico.
2. Os ingredientes “corretos”
Outra polêmica: qual é a receita autêntica?
Puristas italianos dizem que só se pode usar:
•Guanciale (papada de porco curada),
•Pecorino romano,
•Ovos (só gema),
•Pimenta-do-reino
•Spaghetti ou rigatoni.
Mas muitos (especialmente fora da Itália) usam:
•Bacon ou pancetta no lugar do guanciale;
•Parmesão em vez de pecorino;
•Nata/creme de leite, considerado um sacrilégio na Itália.
A adição de creme de leite é tão ofensiva para os italianos que o governo italiano já reagiu publicamente a versões "distorcidas" do prato.
3. “Carbonara gate” de 2016
Um episódio famoso foi o vídeo da União Europeia (UE) em 2016, que ensinava uma "carbonara" com creme de leite e cebola.
A Itália reagiu com indignação: jornais, chefs e internautas acusaram o vídeo de "assassinar a tradição italiana". Esse episódio ficou conhecido como “Carbonara Gate”.
4. Símbolo de italianidade (e da sua crise)
A carbonara virou um campo de batalha simbólico:
É usada para afirmar uma italianidade “pura” e tradicional, mesmo que sua origem seja híbrida;
É também apropriada por chefs contemporâneos, que brincam com a receita e enfurecem os conservadores;
Grandi aponta essa tensão como um exemplo de como a culinária serve como dispositivo ideológico, para sustentar mitos nacionais ou resistir à globalização.
Sobre a Carbonara, Alberto Grandi sustenta que o prato:
Não é tão antigo quanto se acredita: Diferente da crença popular que a vincula a tradições camponesas ou a Roma Antiga, a carbonara teria surgido apenas depois da Segunda Guerra Mundial.
Teve influência americana: Segundo Grandi, o prato surgiu da interação entre soldados americanos e cozinheiros italianos no pós-guerra. Os soldados levavam bacon e ovos em pó (ingredientes típicos do rations dos EUA), e os italianos os usaram para criar um molho com espaguete, o que teria dado origem à carbonara.
A receita original era diferente da atual: Queijo parmesão e bacon eram mais comuns nas versões iniciais, e não necessariamente guanciale e pecorino romano, como na versão “autêntica” defendida por puristas.
Essas afirmações causaram polêmica na Itália, onde a carbonara é considerada um símbolo nacional, e Grandi foi criticado por “blasfemar” contra a tradição. No entanto, ele insiste que seu objetivo é mostrar como a “tradição” muitas vezes é uma construção recente, moldada por narrativas culturais e políticas — e não uma linha contínua desde a antiguidade.
Alberto Grandi aplica essa mesma abordagem desconstrutiva a vários outros pratos italianos celebrados como “tradição imemorial”, mostrando como muitos foram, na verdade, moldados no século XX, especialmente durante ou após o fascismo, quando o regime de Mussolini buscava consolidar uma identidade nacional — inclusive através da culinária.
5. O papel da diáspora e do marketing
A carbonara virou um dos pratos italianos mais reproduzidos no mundo — mas quase sempre com variações locais. Isso gerou:
Conflitos sobre “apropriação” versus “adaptação”;
Discussões sobre até onde uma receita pode ir e ainda ser chamada pelo mesmo nome.
Aqui estão outros exemplos analisados por Grandi:
1. Parmigiano Reggiano (Parmesão)
Grandi destaca que, embora o parmesão seja antigo, a ideia de que ele sempre teve o mesmo processo e padrão é ilusória. A padronização atual surgiu com as DOPs (Denominações de Origem Protegidas), que são fenômenos recentes. Antes disso, havia grande variação na produção.
2. Pizza Margherita
Apesar da lenda de que a pizza Margherita foi criada em 1889 em homenagem à rainha Margherita (com as cores da bandeira italiana: tomate, mozzarella e manjericão), Grandi a vê mais como um símbolo inventado posteriormente, com a pizza só se tornando popular fora de Nápoles após a Segunda Guerra Mundial, quando os italianos emigrados a “exportaram”.
3. Panetone
Grandi argumenta que o panetone como conhecemos — alto, fofo, industrializado — é uma criação do século XX, especialmente impulsionada por marcas como Motta e Alemagna em Milão. Antes disso, bolos natalinos existiam, mas não padronizados nem associados a todo o país.
4. Tiramisù
Esse doce, tão identificado como tradicionalíssimo, só começou a aparecer em receitas nos anos 1980, e há disputa entre regiões italianas (Vêneto, Friuli-Venezia Giulia) sobre sua invenção. Grandi vê isso como um exemplo claro de “tradição inventada”.
Tese central de Grandi
A ideia de Alberto Grandi é que a tradição culinária italiana foi mais “inventada” do que herdada. Isso não significa que os pratos não tenham valor, mas sim que:
- Eles foram sistematizados ou reinventados recentemente.
- A identidade alimentar é fluida, não estática.
- O “autêntico” muitas vezes é uma narrativa conveniente para turismo e marketing.
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