A FESTA DO MILHO: OS SENTIDOS PRIMORDIAIS DAS FESTAS JUNINAS

As festas juninas são concebidas em torno do ciclo de plantio e colheita do milho, um ciclo contínuo e intermitente de vida, morte e regeneração. 
“o homem degusta o mundo, ele sente o gosto do mundo e o introduz no seu corpo, faz dele uma parte de si [...]” (Bakhtin, 1999, p. 245). 

Vencemos a morte a cada vez que nos alimentamos, mas é importante considerar que nas festas juninas vencemos, além da morte do corpo, a morte da memória.
O comer, nessas festas, representa os triunfos do homem sobre o mundo, da vida sobre a morte e, principalmente, o triunfo da tradição que se retroalimenta permanecendo como lastro para a memória culinária festiva (indicando as comidas que devem ser representantes da vitória – aqui, o milho). 
Assim, os sentidos primordiais das festas juninas constituem uma
amálgama indissolúvel que promove o triunfo vitorioso.
O milho, inserido numa rede de correlações simbólicas, traduz a
celebração da fertilidade da terra e do homem. 
É uma interseção instigante entre o ciclo de plantio, a colheita e o ciclo da vida: plantar, colher e comer para renascer na terra e no ventre.

Nessas festas está contido o casamento
junino, encenação recheada de situações de duplo sentido e conotação sexual na qual a noiva está grávida e vai casar. 
É na terra fértil que nasce o milho,
é no ventre fértil que nasce o homem.
Em junho, celebramos a festa do
fogo, da paixão, época em que se realizam simpatias no intuito de alcançar
o matrimônio, rezas em louvação ao santo casamenteiro (Santo Antônio) e
ao protetor das viúvas (São Pedro), além das adivinhações para saber quem
casará ou mesmo quem estará vivo ou não no ano seguinte.
A mitologia do santo mais comemorado desses festejos, São João Baptista, é uma ode à fertilidade.
De acordo com o Evangelho de Lucas,
circunstâncias sobrenaturais envolvem a concepção e o nascimento de São
João, Isabel, estéril e já idosa, concebe um filho em seu ventre anunciado pelo anjo Gabriel.
Por sua vez, Zacarias, o pai, por não acreditar de imediato no milagre recebe a punição de ficar mudo até o nascimento do menino.
O nascimento de São João simboliza o fim da infertilidade de Isabel e da mudez de Zacarias, o prenúncio do renascimento da fertilidade e da regeneração.

Verbete M Mungunzá 
Cremoso e granulado, servido quentinho pelas manhas nas barraquinhas de mingau ou mesmo nas merendas da tarde o Mungunzá, e doce feito com grãos de milho-branco levemente triturados, cozidos em um caldo contendo leite de coco, açúcar, canela em pó ou casca, cravo-da-índia, trazido pelos africanos que aqui chegaram, representa um símbolo na luta pela pela afirmação do "Quimbundo" como língua oficial Angolana.

O devocionário popular junino possui grande importância para o sentido e para as práticas festivas.
São festas religiosas por si, nas quais a fé, como vimos anteriormente, é evocada a todo o momento nas louvações, rezas, simpatias, orações, procissões, mitologias, casamentos e, especialmente, em pedidos para o sucesso do ciclo de plantio e colheita.
No que se refere ao milho, como já foi dito, é plantado em 19 de março, dia de São José (protetor das famílias), dia em que se espera a chuva como bom presságio, uma vez que se acredita que, se não chover nessa data, a safra não será boa.

A fé, então, medeia a relação do homem com a natureza. Sua magnitude e
intensidade respaldam o sucesso do ciclo agrícola e a fartura, como também
responde e consola nos períodos de insucesso, de escassez.

Quanto à abundância, que diz ser
a tendência à abundância uma constante nas imagens do banquete popular
nos códigos do grotesco medieval, fazendo parte da concepção popular de mundo e, consequentemente, das festas, “[...] essa tendência à abundância e à universalidade é o fermento adicionado a todas as imagens da alimentação; graças ao fermento, elas crescem, incham até atingir o nível do supérfluo, do excessivo” (Bakhtin, 1999, p. 243).
A abundância aqui está relacionada com o excesso, contrapondo-se à carência ou à alimentação comedida do cotidiano. 
Nas festas populares, o comer é extracotidiano, é farto, tudo é de
muito. 
Uma imagem bastante recorrente é a mesa farta de quitutes, constante na memória, nos trabalhos dos folcloristas e na iconografia referente a estas festividades.

Outro exemplo é a prática do balaio junino, que consiste em um cesto composto das comidas de festa, juntamente com alimentos complementares.
Chianca (2004, p. 89) afirma que “os balaios evocam o excesso de consumo alimentar e todo o imaginário de abundância presente na festa”.

“Que cheirinho bom!”

O milho para além do comer
Hugo Menezes Neto


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