Furrundum-No #CosmoAngolinha, visitamos uma receita típica dos Quilombolos Cuiabano.
E como diz o rasqueado cuiabano: Furrundú é doce do pau, do pau do mamoeiro, até parece com uma dança, mas é só doce caseiro.
Nesta preparação, buscamos mostrar as potencialidades dos frutos e técnicas, a importância dos nomes e receituarios Afroindigenas, discutimos o conceito de "sazonalidade", bem como as embalagens sustentáveis, além é claro de possibilitar a geração de renda e empregos nos territórios.
A curiosidade e toque do Tenondé, foi dado pelo uso do Genipapo, em abundância, e do Pau do Mamoeiro.
O Furrundum ou furrundu.
Doce da culinária da baixada cuiabana e também da região do pantanal mato-grossense, e também é facilmente encontrado na culinária do Vale do Paraíba.
É feito de cidra ralada ou de mamão verde ralado com rapadura derretida ou açúcar mascavo.
O Furundu é um dos doces mais tradicionais da região do Pantanal, feito com canela, rapadura e mamão verde.
Fran Paula e o Furundum Cuiabano.
Destaco e transcrevo aqui o registro afetivo, etimológico e ancestal de Fran Paula sobre o Furundum Goiano, ela que tem a preocupação de manter as tradições culinárias Cuiabanas, em nossa mesa brasileira.
O famoso furrundú carrega muitas histórias, quem come o doce prova um pouco da rica culinária de Mato Grosso.
De origem um tanto incerta, está presente há muitas gerações nas mesas das comunidades tradicionais da Baixada Pantaneira, como a minha.
Entender a sua origem é mergulhar na própria história do território mato-grossense. É compreender o lugar e a importância de variedades alimentares como a cana-de-açúcar e o mamoeiro no abastecimento alimentar da região, já que são esses os principais ingredientes do doce.
A cana – de – açúcar, foi introduzida em Mato Grosso em 1720 pelos portugueses na localidade de Chapada dos Guimarães, em uma fazenda denominada “Burity Monjolinho”.
Depois foi se expandindo e se concentrando sobretudo na região sul de Mato Grosso.
Atualmente a cana é ainda cultivada em pequenas comunidades tradicionais na baixada cuiabana, para a produção de garapa, rapaduras, cachaças e melados, além de destinadas a suplementação animal nos períodos da seca.
Já o mamoeiro é considerado “nativo” pelos agricultores e agricultoras, porém é cultivado com ajuda dos pássaros que se alimentam do fruto e espalham as sementes pelos campos.
Destaco aqui a “CULTURA” dos alimentos - Cultura do mamoeiro e a Cultura da cana-de- açúcar, que não estão ligadas apenas as características agronômicas ou nutricionais, e sim um conjunto de conhecimentos que levaram a domesticação, plantio e manejo dessas espécies ao longo do tempo.
Conhecimentos que produziram modos de fazer, técnicas de produção, colheita, preparo e sabores únicos.
Muito antes da chegada dos europeus, a região já era habitada por povos indígenas, entre eles os Paiaguás, Guaicurus, Bororos, Paresis, Apiacás, Cayapós, Coxiponés e Kaiowás. Com a descoberta do ouro no rio Cuiabá em 1719 e a criação da Capitania de Mato Grosso no século XVIII chegaram os negros de origem africana que além do trabalho na mineração desenvolviam trabalho agrícola.
Durante as fugas da escravidão, formaram quilombos nessa região, cuja sua composição incluía negros e indígenas. Povos que sofreram um processo de violência e perseguição, principalmente durante a disputa entre os portugueses e espanhóis pelo território. Disputa que culminou na guerra do Paraguai que aconteceu de 1864 a 1870.
Fatos históricos e políticos que interferiram significativamente na produção e consumo alimentar da região pantaneira.
Voltar ao passado para entender a origem da nossa alimentação é um tanto desafiador, considerando uma grande lacuna de registros, sobretudo dos modos de vida do povo indígena e negro.
Não por acaso, o que denomino como o Epistemicídio do sabor, que
anula ou apaga a contribuição desses povos na produção e preparo dos alimentos no Brasil.
Pesquisando possíveis origens da palavra Furrundú chego ao Quicongo, língua africana falada pelo povo bacongo nas províncias ao norte de Angola.
MFULU significa “reunião" e NDUNGU “panela”.
Descoberta esta interessante, pois existem registros do preparo do doce também no Vale do Paraíba, região com forte influência da cultura dos bantos, negros escravizados oriundos das regiões do Congo e Angola trazidos para trabalhar nas fazendas de café entre São Paulo e Rio de Janeiro. Porém nessa região o doce não é conhecido como Furrundú.
Da mesma forma de que não encontrei registro de um doce com essa descrição em Angola, talvez isso nos ajude a compreender como os nomes dos alimentos carregam uma memória, história ou herança ancestral, que não necessariamente estão relacionadas com o local de sua origem.
Por isso a importância de olharmos para os alimentos para além dos seus possíveis centro de origem, e sim para sua “Cultura”, o seu modo de fazer, técnicas e manejo de cultivo, colheita e preparo daquele alimento.
Que por sua vez está relacionado com a história e ancestralidade de um povo e a relação com o seu território.
Gosto da ideia de descrever o Furrundú como uma reunião em torno da panela, pois é sinônimo de festa.
Em Mato – Grosso o preparo do doce está associado aos festejos tradicionais nas comunidades, as festas de Santo que reúne centenas de pessoas.
Observa-se ainda que na produção do Furrundú ocorre um aproveitamento integral do mamoeiro e também da cana – de – açúcar pelas comunidades.
Do mamoeiro usa-se além dos frutos verdes, o caule raspado. E da cana-de- açúcar, o caldo que levado ao fogo dará origem ao melado um dos subprodutos de seu beneficiamento.
A consistência do Furrundú garante a sensação de satisfação a quem o consome, característica muito importante nos contextos históricos de trabalho exaustivos e escassez de alimentos.
O preparo do doce tradicionalmente é feito em muxirum o que transforma o ato do preparo em uma verdadeira reunião em volta do tacho que ao fogo mistura os alimentos.
Algumas receitas adicionam ao final cravo ou gengibre que deixam o doce com aroma e sabores marcantes. Sabores que correm o risco de desaparecer, e ficarem só na memória.
E são muitos os fatores que levam a extinção e a padronização dos alimentos e do gosto pelas multinacionais do setor alimentícios, a perda ou não regularização dos territórios e comunidades tradicionais ameaçadas com o avanço do agronegócio, o que promove um esvaziamento do campo. Ou seja pela não valorização dos saberes e sabores tradicionais.
Dificilmente você encontrará o furrundú em um supermercado de Cuiabá, capital do Mato Grosso.
Por: Fran Paula
02/11/ 2021.
Confira o vídeo depoimento com Miguelina agricultora tradicional da baixada pantaneira que produz e comercializa o doce do Furrundú a muitos anos.
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