Fomos a Trás-os-Montes e descobrimos que há séculos que aí se faz o couscous português
São grãos carregados de memória. Resultam de gestos hábeis e pacientes de mulheres que tratam a farinha até lhe dar a forma de flocos brancos.
Os cuscos de Trás-os-Montes, feitos a partir do trigo Barbela, são um exemplo da transformação de um recurso local num alimento que pode conservar-se durante largos meses, e que no passado substituía produtos como a massa e o arroz, mais pesados para a economia familiar, e por isso consumidos sobretudo em dias de festa.
Os cuscos chegaram à Península Ibérica pela mão dos conquistadores muçulmanos, que os trouxeram do Magrebe, no Norte de África, onde eram um alimento importante das tribos berberes. É com alguma perplexidade que os vamos encontrar hoje em Trás-os-Montes, uma região que quase não sofreu influências da cultura muçulmana. Contudo, se pensarmos que nas suas terras isoladas se refugiaram muitos judeus herdeiros das tradições alimentares andaluzas e magrebinas, talvez estejamos no bom caminho para desvendar esse mistério.
Mas não são grãos simples, nascidos da terra. Antes resultam de gestos hábeis, suaves e pacientes de mulheres que acariciam a farinha até a transformarem em pequenos flocos brancos.
Gestos que guardam as memórias onde muitos reconhecem a sua identidade e que a outros permitem descobrir sabores que não reconheciam como nossos.
Acabados de cozer a vapor, os cuscos chamam-se «carola», e são comida de refeições rápidas e frugais, como o pequeno-almoço ou o lanche, simples ou acompanhados com açúcar e mel. Ainda quentes, costumavam ser a tentação da criançada, que tentava sempre surripiar um pouco, para satisfação da sua gulodice.
Quando secos, os cuscos transmontanos cozinham-se de forma semelhante ao arroz e associados aos produtos locais, como os enchidos ou os cogumelos silvestres. Também se preparam cuscos doces, cozidos em leite e enfeitados com canela, numa receita idêntica à do arroz-doce sem ovos.
Versáteis na adaptação aos produtos e ao receituário da região e de sabor inimitável, os cuscos sobreviveram em Trás-os-Montes durante séculos. Hoje são, para muitos, surpresas que descobrem nas feiras e nos mercados locais ou nas mesas hospitaleiras dos transmontanos. Produto antigo mas inteiramente atual, os cuscos avivam memórias para uma história a refazer, para uma atividade tradicional a renovar.
Fica, aqui, a receita tal como ainda hoje é praticada em Trás-os-Montes, mais concretamente no concelho de Vinhais. Uma confeção aqui explicada por Maria de Lurdes Diegues, habitante de vinhais.
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