Consumo de comida orgânica e artesanal cresce na pandemia Em 2020, aumento foi de 30% comparado a 2019; produtores dizem que proximidade com os clientes é trunfo.
Em 2020, aumento foi de 30% comparado a 2019; produtores dizem que proximidade com os clientes é trunfo
Por Larissa Medeiros
De mercado a pizzaria, passando por padaria, opções não faltam para quem prefere a comida orgânica e artesanal, ou seja, produzida em pequena escala e respeitando os processos do alimento e da natureza. No ano passado, o setor cresceu 30% em comparação a 2019, segundo a Associação de Promoção dos Orgânicos (Organis). Os artesanais também foram beneficiados por essa tendência. O interesse inicial dos clientes é somente pelo alimento. Mas parte do público que movimenta esse mercado ressalta também a importância de saber quem produz, peça-chave para a confiança na hora de comprar o que será consumido.
Há 20 anos, o chef de cozinha João Souza, conhecido como Tribas, vem tentando fortalecer esta relação e este mercado com a Tribas Pizzas Saudáveis, com lojas em Santa Teresa e em Ipanema. Nas massas, o chef tem preferência pelos ingredientes que produz ou colhe em sua fazenda. Apesar de a produção própria estar aquecida, ela ainda não é suficiente, o que faz Souza buscar parcerias.
— O ideal é ter confiança na procedência.
O saudável começa na seleção de nossos fornecedores, na produção da nossa fazendinha e na redução do industrializado — conta.
No mercado orgânico Acolheita, em Botafogo, o objetivo é difundir a “comida de verdade” e dar protagonismo ao produtor.
— Aqui, não há imitação de comida; há o que meus avós reconheceriam como uma. Precisamos conhecer fisicamente a produção, entender os processos, fazer um planejamento de plantio e nos certificar de que não prejudicaremos quem já nos atende. Isso tem um custo e fica disponível para o cliente — explica o fundador do mercado, Alexandre Tenenbaum.
Segundo a Organis, o consumo de alimentos orgânicos aumentou 44,5% desde o começo da pandemia, mas ainda assim não é tão acessível. Ludmila Espíndola, sócia da panificadora artesanal The Slow Bakery, com fábrica em Botafogo e filiais em Ipanema e no Jardim Botânico, concorda. Entretanto, ela ressalta que quem pode fazê-lo e escolhe não consumir precisa entender a comida como investimento.
— Quem cuida da saúde por meio do alimento está gastando menos em farmácia, em médico. Tem mais energia, mais clareza e disposição. Precisamos olhar de outra forma para a comida — ressalta.
A nutricionista e integrante da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN), Vanderli Marchiori, explica como esses alimentos mais saudáveis agem no nosso corpo:
— Ao comer alimentos orgânicos, por exemplo, estamos ingerindo uma quantidade muito superior de fitoquímicos, substância produzida pelas plantas que, no nosso corpo, age como antioxidante e antiinflamatória. Elas são essenciais para a prevenção de doenças crônicas não transmissíveis e para o gerenciamento de doenças autoimunes e alergias alimentares.
Já Thiago Moscon, sócio do Tito Orgânico, mercado saudável com unidades na Gávea e em Laranjeiras, vê problemas do lado dos produtores, que sentem falta de apoio público e privado para a expansão do mercado.
— São poucas as iniciativas para estimular a produção, a comercialização e a conscientização. Está ocorrendo um movimento forte, mas poderíamos estar melhores — diz.
Iniciativa fortalece a relação entre cliente e pequeno produtor
Se existem o produtor local, que tem o objetivo de valorizar os processos de cada alimento, e o cliente, que busca cada vez mais consumir a tal “comida de verdade”, por que não ser a ponte que une os dois? Pensando nisso, o cientista político Thiago Nasser e o jornalista Bruno Negrão criaram, em 2014, a Junta Local, feira artesanal e orgânica que começou em Botafogo com o objetivo de aproximar a clientela dos pequenos produtores de alimentos saudáveis. Mais que unir, o coletivo busca fortalecer a “valorização da produção em pequena escala e a preocupação com a natureza e os processos de cada produtor com o seu produto”, explica Nasser.
Atualmente, a feira conta com 150 produtores e mais de 81 mil seguidores só no Instagram. E, se no início o point da feira era só Botafogo, hoje ela já roda vários bairros do Rio. Na pandemia, a aglomeração, típica das feiras da Junta, ficou suspensa. As vendas ^são apenas pela Sacola da Junta, modelo de venda on-line com o mesmo cuidado e proximidade entre produtor e cliente.
Nos meses de abril a junho de 2020, no início do isolamento social, a procura pelo e-commerce da Junta quadruplicou, e o crescimento continuou mesmo após esse período. De acordo com Nasser, alguns fatores foram importantes para o sucesso.
— Boa parte dos clientes chegou até nós pela facilidade que tínhamos com o on-line, que já era uma realidade antes da pandemia. Mas acredito que a permanência deles e a chegada de novos (clientes) após o primeiro período do isolamento tenham acontecido pela valorização do coletivo e pela importância do alimento e do consumo consciente que a gente carrega na Junta — analisa.
Para o feirante Rodrigo Vecchi, que expõe na Junta o kombuchá (chá preto artesanal feito com fermentação longa) da K Probióticos Artesanais, a feira foi fundamental para difundir o nicho no estado e fortalecer a importância do processo e do produto que ele vende.
— A iniciativa trouxe para o público uma nova forma de consumir alimento e cultura. A ideia de uma plataforma, virtual e física, que prioriza a aproximação do consumidor com produtores de comida de verdade e é justa ajudou mais ainda na difusão — explica Vecchi.
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O geólogo Ubirajara Santos, morador de Botafogo, foi um dos clientes que mudaram a forma de olhar para o alimento após conhecer a Junta, em 2017. A busca pelo novo estilo de vida já era um vontade dele e da família, mas o contato com os próprios produtores, até mesmo por meio da sacola virtual, estreitou a relação com os alimentos e os produtores locais. Ele conta que o nível de intimidade é tão grande que as filhas só experimentam alguns alimentos porque sabem que vêm de algum produtor da feira.
— Hoje, a relação com os produtores me encanta mais do que a qualidade, apesar de ganhar nos dois lados. Acho que esse vínculo criado com o produtor passa a ser uma experiência muito além do sabor; estabelece uma relação carinhosa — conta.
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