Comida, Cultura e Humanidades por Romilda De Souza

Lá fora o luar continua
E o trem divide o Brasil
Como um meridiano

Oswald de Andrade

Entre Minas e o Paraná, o Pinhão e os Fogões à lenha, existe uma conexao, a professora doutora Romilda De Souza Lima, 53 anos, nossa convidada de hoje, que não escondo minha profunda admiração.

O trem é uma metáfora da nossa transitoriedade, embora também possa ser, das conexões que fazemos, as aproximações entre o belo, e o que nós emociona, o afeto e suas representações, entre o que acreditamos, e nossas vivências.

Estava certo o poeta Manoel de Barros, quando escreveu:
"Prefiro as palavras obscuras que moram nos
fundos de uma cozinha — tipo borra, latas, cisco
Do que as palavras que moram nos sodalícios —tipo excelência, conspícuo, majestade."

Nascida em Viçosa (Minas Gerais), vive e leciona em Francisco Beltrão (Paraná) 

Romilda de Souza é doutora em Extensão Rural (Área de Concentração em Cultura, Processos Sociais e Conhecimento).

Como chegou a gastronomia? 
 
Bem, no sentido etmológico, e conceitual, desde a infância sempre observando minha mãe, avó materna e tias, nos preparos culinários e deliciosas quitandas, seja no fogão a lenha e forno de barro da casa de minha avó e tias na área rural em Minas, seja na minha casa, observando minha mãe, que sempre foi excelente cozinheira também.
Em função disso, cresci gostando de comer e de cozinhar, sobretudo a comida mineira, minha maior competência gastronômica.
 
No sentido acadêmico (stricto), não tenho formação acadêmica em gastronomia...minha experiência acadêmica é de estudo... a partir das leituras das áreas da socioantropologia da alimentação, que mergulhei para elaboração de minha tese de doutorado... (2012 a 2015), pesquisei as “Práticas Alimentares e Sociabilidades em Famílias Rurais da Zona da Mata Mineira: Mudanças e Permanências”
A pesquisa foi realizada com famílias rurais de áreas rurais de Piranga, Porto Firme e Presidente Bernardes, na Zona da Mata Mineira, regiões que compõem o “berço” da mineração em Minas Gerais, que dista em torno de 70 km de Mariana e Ouro Preto.                                                                                    
Quais os trabalhos que você vem fazendo hoje? 
 
Desde que conclui o doutorado em Minas, retornei ao Paraná onde atuo como professora em uma universidade pública, a Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Dou aulas no curso de Nutrição (disciplinas: Sociologia Aplicada à Nutrição e Antropologia da Alimentação). Também dou aula e oriento na pós-graduação (Mestrado e doutorado) no Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural Sustentável. 
A disciplina que trabalho no doutorado é: “Cultura, Patrimônio e Soberania Alimentar”
 
Atuo em diferentes linhas da Segurança e Soberania Alimentar e da socioantropologia rural e da alimentação. Atualmente oriento estudantes de graduação em iniciação científica nos seguintes temas: 
 
A Cozinha Como Espaço de Comensalidade: Usos e significados do fogão a lenha nas habitações rurais e urbanas em Francisco Beltrão, PR e em Descanso, SC.
Hábitos Alimentares dos Estudantes de Graduação no Município de Francisco Beltrão, Paraná.
Resgatando Memórias Afetivas nas Práticas Alimentares e na Comensalidade dos Idosos da UNATI, Francisco Beltrão
Práticas alimentares em período de distanciamento/Isolamento Social por Pandemia da Covid-19: mudanças e adaptações.
 
Atualmente oriento estudantes de mestrado e doutorado nos seguintes temas:
 
Identidade, cultura e segurança alimentar: Contradições na produção da quinoa real em comunidades tradicionais de Salinas de Garci Mendoza, no Altiplano Sul Boliviano.
Potencial para o Desenvolvimento Rural Sustentável na Cultura Alimentar.
Tecendo Relações: A feira da agricultura familiar como espaço para além da comercialização de alimentos.
Avanços e Retrocessos do Direito Humano à Alimentação Adequada no Município de Cascavel, Paraná.
Estudo sobre a Certificação Orgânica na região de Capanema, Parana: A atuação da GEBANA Brasil.
Pinhão: Extrativismo, território, cultura alimentar e consumo.  
Organização Social para além do capital: a trajetória comunitária e agroecológica do assentamento Mário Lago - SP.
                       
Orientação em Extensão: Informação Nutricional - Rotulagem de Alimentos.
 
                                                                                    Qual a importância da culinária Afro indígena, num contexto de democratização da gastronomia Brasileira?
                                                   
 A culinária afro indígena é fundamental neste contexto. Ela é a base. Tudo o mais é complemento na culinária brasileira...essa junção promove o diálogo gastronômico multicultural, ou pelo menos, assim deveria ser, na minha percepção...
 
E como você interpreta esse legado em seu trabalho? 
 
Eu vejo de forma diferente dependendo do lugar de onde estiver falando. 
 
Na minha pesquisa com a comida mineira em áreas rurais de Minas, o legado é imenso e presente em praticamente toda a culinária mineira e nas práticas produtivas da agricultura familiar “raiz”. Os registros de literatura sobre história da culinária mineira deixam isso muito claro desde os trabalhos mais antigos: como os de Mafalda Zemella, Maria do Nascimento Arruda, Sônia Maria de Magalhães (A mesa de Mariana: produção e consumo de alimentos em Minas Gerais), Eduardo Frieiro (Feijão, angu e couve: ensaio sobre a comida dos mineiros). Aos mais recentes, como Mônica Abdala (Receita de Mineiridade) e as demais teses sobre o tema, incluo a minha tese, obviamente.
 
Na culinária aqui do Paraná, o que vejo é que a centralidade da culinária afro indígena é percebida como menor e poucas vezes citadas... embora seja extremamente importante... o que talvez pesa sobre isso são razões da própria ocupação de descendentes europeus, sobretudo italianos, alemães e poloneses. 
Nas minhas pesquisas, eu procuro sempre estar atenta a apontar tal centralidade nas discussões. Se formos pensar, por exemplo, no hábito do consumo do chimarrão aqui no Sul, ele é tido no senso comum como algo de origem gaúcha, quando na verdade a origem é indígena, dos índios guaranis do Paraguai, e que foi adotado e difundido pelos padres jesuítas. É o caso também do pinhão na grimpa, hoje muito disseminado na cultura sulista e que tem origem na prática dos kaingang...
                                                                                    Como anda o interesse dos alunos da gastronomia por temas como a descolonização, e como contribuir na difusão da nossa cultura culinária?
 
Não posso falar dos alunos da gastronomia, porque não é o público com que trabalho, mas percebo que os estudantes de Nutrição têm grande interesse nos temas a partir das discussões que fazemos nas disciplinas. Na pós-graduação isso é ainda muito mais perceptível, uma característica da pós-graduação em que atuo é o caráter interdisciplinar, portanto estudantes de várias áreas, mas ainda não tivemos um da área de formação em gastronomia...
                                                                                    
 
Cite uma frase que definiria seu ofício, ou sua visão de vida.
 
Como professora, eu não gosto muito de oferecer as respostas aos estudantes, prefiro estimular as perguntas...prefiro ajudar a despertar o interesse...




Comentários

Postagens mais visitadas