"CARNAVAL: A CIDADE QUE SE FANTASIA PARA REVELAR-SE"

Se João do Rio ressuscitasse para escrever uma crônica sobre o Carnaval carioca de hoje, certamente seu olhar se voltaria para os excessos, os contrastes e a teatralidade das ruas.

O Rio profano e sagrado

O Rio de Janeiro, essa cidade que flutua entre o encanto e o caos, amanhece sob o batuque dos blocos que desfilam com irreverência e suor. Nos anos de João do Rio, os mascarados deslizavam pelas ruas do Centro, seus bailes tinham um quê de aristocracia debochada. Hoje, a cidade pertence aos foliões sem título, sem máscara fixa, mas ainda com o mesmo desejo de fugir de si mesmos por quatro dias.

As avenidas e vielas são tomadas por multidões que misturam purpurina e cerveja, corpos que se esbarram sem pudor. A cidade vira um teatro a céu aberto, onde a fantasia é ao mesmo tempo literal e simbólica. No Saara, o comércio vende capas de super-heróis, perucas coloridas e cílios exagerados. No asfalto quente de Santa Teresa, Ipanema ou Madureira, a festa mistura gente de todas as tribos — de apóstolos de glitter a gladiadores do funk.

Do luxo à lama, tudo é Carnaval

A Sapucaí, essa outra encenação da cidade, brilha como uma Babilônia tropical. Se João do Rio vagasse por lá, decerto ficaria embasbacado com os carros alegóricos que desafiam as leis da física e da imaginação. Mas talvez fosse nos camarotes que ele encontraria sua crônica: a elite fantasiada de povo, separada da plebe por pulseiras VIP e espumante gelado. O povo, por sua vez, lota as arquibancadas populares e torce como quem ora.

Nas ruas, os blocos resistem. Há os que cultuam o passado, sambando na cadência de Noel Rosa e Cartola, e há os que reinventam o Carnaval a golpes de beats eletrônicos e axé reciclado. A democracia do Carnaval, essa invenção brasileira, convive com suas desigualdades: do brilho das escolas de samba à lama dos blocos que madrugam na Cinelândia.

A cidade que se fantasia para revelar-se

João do Rio entenderia: o Carnaval continua sendo a mais carioca das ilusões. Por alguns dias, o Rio se esquece do preço do aluguel, do trânsito infernal, da violência sempre à espreita. O operário vira rei, a estudante é Cleópatra, o burocrata se veste de pirata e esquece das suas planilhas. No delírio do confete e da serpentina, a cidade se permite ser quem quiser.

E quando a Quarta-feira de Cinzas chegar, restará a poeira do confete nos paralelepípedos e um silêncio que parece ensaiado. A cidade, essa eterna atriz, trocará de figurino mais uma vez. E João do Rio, se ainda estivesse por aqui, talvez acendesse um cigarro, sorrisse de canto de boca e murmurasse: "Até o próximo Carnaval."

Personagem polêmico

Filho de pai branco e mãe negra, abraçou as polêmicas com coragem, como mergulhar nas religiões de matriz africana, tão populares no Rio de Janeiro, e traduzir e divulgar a obra de Oscar Wilde no Brasil, o que levou a especulações sobre sua sexualidade. 

O escritor foi um personagem múltiplo e continua sendo uma figura contraditória. “Por um lado, era fascinado por Paris, por outro, subia o morro do Rio de Janeiro com muito gosto, da mesma forma que o Rio era uma cidade dividida entre a fome de progresso e o convívio com sua formação”

Paulo Barreto nasceu em 5 de agosto de 1881, na rua do Hospício (Buenos Aires), 284, próximo ao Campo de Santana. Era o segundo filho de Florência dos Santos, “mulata livre” (expressão da época), e de Alfredo Coelho Barreto, professor de matemática e mecânica. Casaram-se em abril de 1877, ele com 23 anos e ela, 15 – sua aluna em uma escola para meninas pobres. Como sua obra e atitudes, também seu nome é controverso, tendo sido citado em documentos familiares tanto como João Paulo dos Santos Coelho Barreto quanto João Paulo Alberto Coelho Barreto – o pseudônimo de João do Rio surgirá em janeiro de 1904.

Ele morou muito tempo com os pais na rua Senador Dantas, 234, próximo à rua Evaristo da Veiga. Esse fato deu azo a mexericos sobre a ausência de namoradas. Após a morte do pai, morou na avenida Mem de Sá nº 91, via aberta em 1917. Esse número ficava na esquina com a avenida Gomes Freire, perto da praça dos Governadores [depois praça João Pessoa]. Perto do final da vida, com a Gripe Espanhola, foi morar no distante areal de Ipanema.

Eu apalpo as opiniões, o afinamento nervoso dos homens, nas pequenas coisas, nas emoções dos sentidos

De família remediada, "mulato", obeso e afeminado, João do Rio chegou causando!

Fontes:

https://museubajuba.org/cintilando-e-causando-frisson/

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