CRIADOR DO TERMO 'ULTRAPROCESSADO' RECHAÇA PROPOSTA NUTRICIONAL SUGERIDA POR FUNDAÇÃO NOVO NORDISK
Acionista majoritária da farmacêutica do Ozempic sugeriu nova escala de 'alimentos saudáveis'
A fundação, ligada à empresa farmacêutica Novo Nordisk, sugeriu uma nova escala de classificação de "alimentos saudáveis", desconsiderando a atual tabela nutricional que distingue alimentos in natura, processados e ultraprocessados.
Monteiro argumenta que essa nova proposta pode ser prejudicial à saúde pública, pois ignora evidências científicas que associam o consumo de alimentos ultraprocessados a diversos problemas de saúde, como obesidade, doenças cardiovasculares e diabetes. Ele defende que a classificação atual, que diferencia os alimentos pelo grau de processamento, é fundamental para orientar escolhas alimentares mais saudáveis e políticas públicas eficazes.
A Fundação Novo Nordisk é a principal acionista da Novo Nordisk, conhecida pela produção de medicamentos como o Ozempic, utilizado no tratamento de diabetes tipo 2 e, recentemente, para perda de peso. A proposta da fundação de reavaliar a classificação dos alimentos levanta preocupações sobre possíveis conflitos de interesse e impactos na saúde pública.
Monteiro enfatiza a importância de manter a atual classificação de alimentos, que considera o grau de processamento, para promover uma alimentação mais saudável e reduzir a incidência de doenças relacionadas à dieta.
Carlos Augusto Monteiro desenvolveu o conceito de alimentos ultraprocessados dentro do sistema de classificação NOVA, criado na Universidade de São Paulo (USP). Esse sistema categoriza os alimentos com base no grau de processamento, e não apenas em sua composição nutricional.
A Classificação NOVA
O sistema divide os alimentos em quatro grupos:
1. Alimentos in natura ou minimamente processados
Obtidos diretamente da natureza, sem alteração significativa.
Exemplo: frutas, verduras, ovos, leite, arroz, feijão.
2. Ingredientes culinários processados
Substâncias extraídas de alimentos naturais para uso na cozinha.
Exemplo: sal, açúcar, óleo, manteiga.
3. Alimentos processados
Produtos que combinam alimentos in natura com ingredientes processados.
Exemplo: pães artesanais, conservas de legumes, queijos maturados.
4. Alimentos ultraprocessados
Formulações industriais com pouco ou nenhum alimento in natura, contendo aditivos, conservantes e emulsificantes.
Exemplo: refrigerantes, macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote, hambúrguer industrializado.
Por que os ultraprocessados são criticados?
Monteiro e sua equipe argumentam que o alto consumo de ultraprocessados está ligado ao aumento da obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e outras condições crônicas. Isso ocorre porque esses alimentos costumam:
Ter alta densidade calórica e baixo valor nutricional.
Ser ricos em gorduras trans, açúcares e sódio.
Possuir aditivos artificiais para melhorar sabor e conservação.
Substituir refeições tradicionais, desestruturando padrões alimentares saudáveis.
Impacto Global
O conceito de ultraprocessados ganhou destaque internacional e influenciou políticas públicas, como o Guia Alimentar para a População Brasileira (2014) e diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS). Países como França e Canadá também adotaram recomendações baseadas na classificação NOVA.
Monteiro se opõe à proposta da Fundação Novo Nordisk porque ela desconsidera essa abordagem e poderia beneficiar a indústria alimentícia ao flexibilizar a definição de alimentos saudáveis. Isso é preocupante, pois a Novo Nordisk, fabricante do Ozempic (usado para controle do peso e diabetes), tem interesse direto na relação entre alimentação e saúde.
Impacto dos ultraprocessados na saúde – Estudos que mostram os efeitos no corpo, como obesidade e doenças metabólicas.
Origem do conceito e debate científico – Como Monteiro e a equipe da USP formularam essa classificação e as críticas que ela recebe.
Políticas públicas e regulamentação – Como governos têm usado esse conceito para criar leis, como rotulagem de alimentos e restrições de publicidade.
Conflito com a indústria alimentícia – Como grandes corporações tentam deslegitimar ou contornar a classificação NOVA.
Hábitos alimentares e cultura – Como os ultraprocessados afetam a relação das pessoas com a comida e a perda de tradições alimentares.
Os ultraprocessados têm um impacto significativo nos hábitos alimentares e na cultura alimentar, principalmente em sociedades que estão cada vez mais expostas a modelos alimentares globalizados e industrializados. Esse fenômeno está relacionado à perda de tradições alimentares, como a culinária regional e os costumes familiares, que eram transmitidos de geração em geração.
Aqui estão alguns dos principais efeitos que os ultraprocessados têm sobre os hábitos alimentares e a cultura:
Mudança nos modos de preparo
Os alimentos ultraprocessados são frequentemente consumidos prontos para o consumo, reduzindo a necessidade de preparo caseiro. Isso diminui o tempo dedicado à cozinha e à transmissão de saberes culinários tradicionais.
Exemplo: Em muitas famílias, preparar uma refeição tradicional envolve técnicas antigas e o uso de ingredientes frescos, como o uso do pilão para temperos, a catação de grãos ou a preparação de pratos típicos. Os ultraprocessados, por sua vez, simplificam tudo isso, mas acabam desvalorizando esses saberes e práticas culinárias.
Desconexão com os ingredientes naturais
Ao consumir produtos industrializados, as pessoas acabam perdendo a conexão com a origem dos alimentos e com os ingredientes naturais locais. Essa desconexão diminui a compreensão da variedade de produtos locais e das práticas agrícolas sustentáveis.
Exemplo: A popularização de fast foods e snacks industrializados afasta o consumo de ingredientes frescos como legumes, tubérculos e folhas alimentícias, que são essenciais na alimentação tradicional.
Padronização e homogeneização da alimentação
A industrialização alimenta a ideia de uma alimentação globalizada, onde os mesmos produtos estão disponíveis em qualquer parte do mundo. Isso resulta na homogeneização das dietas, com a eliminação de sabores e ingredientes locais.
Exemplo: A globalização da comida rápida (hambúrgueres, pizzas e refrigerantes) faz com que as tradições alimentares regionais sejam marginalizadas, impactando a biodiversidade alimentar de uma cultura. Em muitos casos, receitas regionais são substituídas por alternativas mais rápidas, baratas e industrializadas.
Afastamento da alimentação consciente
Os ultraprocessados incentivam o consumo de alimentos prontos para o consumo que muitas vezes contêm aditivos, conservantes e ingredientes artificiais. Esse padrão alimenta um modelo de alimentação desconectada, sem considerar a origem ou os impactos dos alimentos na saúde.
Exemplo: O consumo excessivo de produtos ultraprocessados também pode levar a distúrbios alimentares, como o comer em excesso, já que esses produtos são altamente viciantes e cheios de aditivos que estimulam o prazer imediato, sem proporcionar satisfação nutricional duradoura.
Mudança nos hábitos familiares e comunitários
A culinária tradicional frequentemente está associada a momentos familiares e comunitários, com as receitas passadas de geração em geração, como em festas, celebrações e reuniões. Com a proliferação dos ultraprocessados, há uma diminuição da comida compartilhada e da cozinha como espaço de encontro.
Exemplo: Em muitos contextos, como nas comunidades quilombolas ou tradicionais, a comida é preparada com grande ritualização, envolvendo o cuidado com os ingredientes locais e o saber ancestral. Esse vínculo com a comida como cultura está sendo diluído pela rotina acelerada e a preferência por alimentos prontos e rápidos.
Impacto na saúde comunitária e na economia local
Quando as pessoas deixam de consumir produtos tradicionais e locais em favor dos ultraprocessados, isso afeta diretamente a saúde da comunidade e a economia local. Produtos ultraprocessados muitas vezes são mais baratos e acessíveis, mas os custos a longo prazo para a saúde podem ser altos.
Exemplo: Em algumas regiões, a perda de consumo de produtos locais pode afetar diretamente os produtores rurais e a economia local, especialmente em áreas que dependem de produtos regionais para subsistência.
Impacto nas gerações futuras
As novas gerações estão cada vez mais expostas ao consumo de ultraprocessados desde muito cedo. Isso pode normalizar a alimentação industrializada, perpetuando a desconexão com a comida real e as tradições alimentares.
Exemplo: Crianças que crescem comendo principalmente alimentos industrializados, como biscoitos, fast food e refrigerantes, podem ter uma relação mais superficial com a comida, não entendendo seu valor cultural, histórico e nutricional.
Os ultraprocessados não apenas afetam a saúde física das pessoas, mas também influenciam a identidade cultural alimentar das comunidades, comprometendo tradições e práticas que são um reflexo da história e da vivência coletiva. A preservação dessas tradições alimentares é vital para manter a diversidade cultural e fortalecer a resistência comunitária, especialmente em sociedades que têm vivido uma crescente homogeneização alimentar.
Essa questão entra em um conflito direto com o conceito de gastronomia por diversos motivos, principalmente no que tange à visão elitizada e homogeneizada que muitas vezes é associada à gastronomia moderna, que privilegia a sofisticação e a reinterpretação estética da alimentação, enquanto marginaliza as práticas alimentares tradicionais e populares.
Gastronomia como privilégio e exclusividade
A gastronomia, frequentemente associada a um ambiente elitizado, tende a tratar a comida como um objeto de luxo, que é transformado em uma experiência estética e intelectual, muitas vezes dissociada da alimentação do dia a dia e das tradições locais. Com isso, muitas das práticas culinárias populares, que se baseiam no uso de ingredientes locais e processos tradicionais, acabam sendo desvalorizadas ou simplificadas a um produto de consumo rápido e imediato. Isso se opõe a uma perspectiva de culinária que valoriza o saber ancestral, o território e a sustentabilidade dos alimentos.
Exemplo: Quando se fala em gastronomia de alta classe, pode-se falar de reinterpretações sofisticadas de pratos tradicionais, utilizando ingredientes caros ou exóticos, que muitas vezes não se conectam com a realidade de comunidades que sustentam essas tradições alimentares. Por outro lado, culinária tradicional celebra as receitas originárias do povo, como as de comunidades quilombolas ou rurais, onde o foco está em preservar técnicas e ingredientes locais.
Ultraprocessados e a gastronomia de mercado
A crescente popularização dos alimentos ultraprocessados em um mundo globalizado está relacionada à gastronomia de mercado e à comercialização da comida. Isso reflete uma visão neoliberal que considera a alimentação como uma mercadoria, promovendo a ideia de que a comida deve ser rápida, barata e padronizada. Esse modelo entra em choque com a ideia de gastronomia como um patrimônio cultural, onde o processo de preparação da comida carrega um valor simbólico, emocional e social. O uso de ultraprocessados se torna uma maneira de transformar a alimentação em um produto facilmente consumido, sem o envolvimento profundo que as tradições culinárias exigem.
Exemplo: Em um mundo onde a gastronomia é tratada como algo para ser consumido de maneira exclusiva e "sofisticada", a ideia de alimentação coletiva, com base na culinária ancestral, pode ser vista como antiquada ou ultrapassada. O consumo de alimentos ultraprocessados pode ser visto como uma resposta a essa dinâmica de mercado, mas ao mesmo tempo reflete um processo de dissociação das práticas alimentares que têm valor cultural profundo.
Desvalorização da culinária popular
A gastronomia elitista tende a desvalorizar as práticas alimentares populares, que são baseadas em ingredientes acessíveis e técnicas tradicionais, como a culinária de rua ou a cozinha de quintal. Essas práticas, ao contrário dos pratos da alta gastronomia, envolvem uma cultura de resistência, de preservação da identidade e de conexão com o território. Ao adotar um modelo gastronômico centrado em produtos ultraprocessados, a sociedade perde o vínculo com a alimentação genuína, de raízes profundas nas tradições comunitárias.
Exemplo: A valorização da cozinha ancestral de comunidades quilombolas ou indígenas, com seus sabores autênticos, baseados em ingredientes locais, entra em contraste com a ideia de que a gastronomia deve ser uma experiência sensorial, focada apenas no prazer do paladar, sem a conexão cultural e histórica com a comida.
Gastronomia e a construção de uma "comida saudável"
A gastronomia contemporânea tem, em muitos casos, adotado a ideia de uma comida saudável, mas de uma forma muitas vezes superficial, no sentido de promoção de dietas da moda e produtos "light", que podem ser apenas uma versão industrializada e modificada de alimentos tradicionais. Aqui, o conceito de gastronomia se distancia ainda mais das tradições alimentares reais, que não são apenas sobre nutrição, mas também sobre significados culturais e sabores únicos.
Exemplo: O uso de substitutos alimentares e modificações dietéticas criadas em laboratórios, sem relação com as práticas alimentares locais, é uma tendência crescente na gastronomia de mercado. Esse movimento pode ser visto como uma tentativa de enquadrar alimentos em uma visão universal de "saúde", que ignora a diversidade de sabores e conhecimentos que existem em cada região.
A resistência da culinária tradicional
Por outro lado, a culinária tradicional resiste a essa lógica de homogeneização alimentar. Ela propõe que a comida não deve ser vista apenas como um "produto", mas como parte de uma tradição, de memórias e de sabores que refletem a cultura local e a história de um povo. Essa resistência está fortemente ligada à ideia de "Culinária" em vez de "Gastronomia", como você menciona, já que a culinária está imersa nas práticas diárias, enquanto a gastronomia muitas vezes é associada à elitização.
A discussão sobre os ultraprocessados e a culinária tradicional aponta para uma divisão entre comida popular e gastronomia elitizada, em que os ultraprocessados são vistos como um reflexo da padronização da alimentação. Enquanto a gastronomia busca transformar a comida em uma experiência artística e intelectual, a culinária tradicional preserva a conexão com as raízes culturais e a sabedoria ancestral, muitas vezes em conflito com o avanço dos processos de industrialização alimentar. Para muitas pessoas, a gastronomia moderna, ao adotar alimentos ultraprocessados, está contribuindo para a perda da identidade alimentar, ao mesmo tempo que desvaloriza práticas que têm sido o alicerce da alimentação popular e ancestral por séculos.
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