PONTOS DE ESPERANÇA: COMO POVOS TRADICIONAIS PODEM SALVAR O MUNDO

Ppr Fábio Zuker

A diversidade cultural dos povos indígenas e seu apreço pela biodiversidade devem ser reconhecidos como uma estratégia essencial contra as mudanças climáticas. Essa é a conclusão de um estudo conduzido por 20 pesquisadores, entre eles indígenas do Xingu e não-indígenas de Brasil, Holanda e Estados Unidos.

O artigo, publicado na revista Nature Ecology & Evolution, analisa o papel das populações tradicionais na conservação ambiental a partir de cinco experiências de sucesso, os "pontos de esperança" (em inglês, "hope spots"), um trocadilho com "hotspots" termo utilizado para se referir a áreas com alta biodiversidade, mas que se encontram ameaçadas.

De acordo com a ecóloga Carolina Levis, pesquisadora da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina)a pesquisa aponta para estratégias de conservação diferentes das que tradicionalmente marcam o campo. "Uma visão mais antiga, e ainda um pouco dominante na conservação, é a necessidade de conservar espécies e ecossistemas que estão ameaçados de uma forma que exclui as populações locais", diz Levis

Essa visão tradicional da ecologia, que considera as atividades humanas uma ameaça externa aos ecossistemas, é a base do conceito de hotspots ecológicos. O estudo, porém, destaca como saberes locais e científicos contribuem para a conservação, integrando comunidades e natureza em quatro biomas brasileiros: Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica e Caatinga.

Casos de sucesso

O estudo documenta cinco casos de conservação bem-sucedidos com participação ativa de comunidades tradicionais e cientistas: a preservação da biodiversidade no Xingu, o manejo colaborativo do pirarucu, o uso controlado do fogo pelos xavantes no Cerrado, a gestão da araucária na Mata Atlântica e o turismo ecológico e arqueológico na Caatinga

Entre essas iniciativas, o manejo do pirarucu no rio Juruá é um dos exemplos mais consolidados de colaboração entre cientistas e comunidades ribeirinhas, com apoio de ONGs como o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e o Instituto Juruá. O pirarucu, maior peixe de água doce do mundo, tem grande importância cultural e alimentar, mas sofreu um colapso populacional devido à pesca predatória. "O sistema de manejo tem levado a benefícios para várias outras espécies, porque os lagos são protegidos pelas comunidades locais", diz a ecóloga.

Além de preservar a espécie, o manejo gera impactos positivos para outras formas de vida aquática e fortalece a economia local, permitindo investimentos em infraestrutura como escolas e postos de saúde. A estratégia também contribui para a autonomia das mulheres, que passaram a ter participação ativa na gestão e comercialização do pescado.

Colaboração no Xingu

O Xingu é um dos exemplos mais antigos de colaboração entre cientistas e populações indígenas. São cerca de trinta anos de colaboração entre lideranças indígenas kuikuro e pesquisadores - dentre os quais o arqueólogo Michael Heckenberger, da Universidade da Flórida, que também assina o artigo. 

A parceria remonta a estudos a estudos arqueológicos publicados no início dos anos 2000, fruto de pesquisas colaborativas com vários autores indígenas do Xingu auxiliando na identificação e descrição dos antigos sistemas urbanos, desenvolvidos por indígenas da região há cerca de 800 anos

Helena Lima, arqueóloga do Museu Paraense Emílio Goeldi e coautora do estudo, destaca que as aldeias xinguanas eram dez vezes maiores antes da colonização europeia. A pesquisa também mostra como os indígenas kuikuro manejam a floresta, aplicando técnicas sofisticadas que envolvem o solo, as plantas e os animais.


O Território Indígena do Xingu ocupa 26.420 quilômetros quadrados e abriga 16 etnias, mas está cercado pelo agronegócio, que avança sobre a vegetação nativa. "Cada dia tem mais fazendeiro, soja e agrotóxico contaminando nosso rio e afetando o clima. Esse trabalho arqueológico comprova nossa história e nossa presença aqui", afirma Daniel Kuikuro, líder indígena 

Uma das técnicas utilizadas pelos kuikuro é a produção de terra preta, um solo enriquecido por resíduos orgânicos que aumenta a fertilidade da terra. "São processos de alteração físico-química do solo que melhoram sua produtividade e são encontrados em várias partes da Amazônia", explica Lima. O controle do fogo em baixas temperaturas também faz parte desse manejo, evitando incêndios de grande escala.

A produção de terra preta ocorre nos quintais das casas, onde também se concentram as maiores diversidades de plantas. "Uma planta sozinha não interessa, o que importa é a criação de variedades e o intercâmbio com outros povos indígenas", explica a arqueóloga. Para ela, esses são exemplos de tecnologias sofisticadas de interação com a natureza, desenvolvidas ao longo de séculos.


https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2025/03/02/pontos-de-esperanca-como-povos-indigenas-podem-salvar-o-mundo.htm




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