COZINHEIROS RESGATAM A CULTURA CULINÁRIA DOS POVOS INDÍGENAS

Chefs de cozinha integrantes de povos indígenas promovem a alimentação originária para dar luz a produtos nativos, hábitos ancestrais e técnicas históricas

“Quando os primeiros portugueses aportaram nas praias brasileiras, provavelmente esta­vam famintos.”

Nas primeiras páginas do livro Mandioca: Manihot Utilissima Pohl, o chef Alex Atala e um grupo de pesquisadores e culinaris­tas vislumbram o que os colonizadores encontraram no Brasil quando aqui chegaram: além de pessoas indígenas, “água pura, peixes frescos, carnes de caça, frutas, beiju, farinha de mandioca, bebidas re­frescantes e embriagantes”.

Depois de meses no mar, os estoques das caravelas contavam apenas com “pães e bolachas mofadas, restos de presunto defumado e peixe seco, além de vinho azedo”, como diz o texto de introdução do livro. Nas nossas terras, se depararam com a rica diversidade de um país tropical.

Mas com a relação que foi estabelecida des­de o princípio — nem sempre tão amistosa —, os portugueses foram aos poucos im­pondo seus gostos e ingredientes, trazidos no decorrer de séculos de intercâmbio que tiveram com nossos povos nativos.

Restaurantes contracolonizam a gastronomia brasileira

Em todo o tempo que o Brasil foi colônia, as cozinhas locais foram ignoradas, principalmente as de matrizes indígena e depois africana.

Assim, ingredientes como a mandioca, a planta mais importante na história alimentar do país, foi por anos deixada de lado, em detrimento a um gosto mais “europeu”, que se estabeleceu na gastronomia brasileira.

Agora, uma leva de cozinheiros tenta dar mais luz aos ingredientes nativos e hábitos ancestrais, resgatando o que os povos origi­nários comiam por aqui desde muito antes de 1500.

É o caso do Caxiri, restaurante co­mandado por Débora Shornik, em Manaus, que visa enaltecer a riqueza da Amazônia por meio das pessoas e ingredientes. “Desde que os próprios povos originários tenham prota­gonismo, claro”, ela diz.

Ela compra produtos como tucupi preto, pimentas, aluá (bebida fermentada de ori­gem afro-indígena) e as próprias farinhas de mandioca e a massa puba para fazer o biju das tribos que vivem na Amazônia, como é o caso dos Sateré Mawé, dos Tukano, dos Wa­pichana e dos Tikunas.

Chefs recuperam os sabores da culinária indígena

Segundo a chef, houve apagamento histórico profundo, que negou o que era nosso, ensinando que o que vinha de fora era melhor.

O trigo, o açúcar, a carne foram impostos nas nossas mesas no lugar de ingredientes como o milho, o inhame, a castanha do Pará, o palmito.

“Tento restabelecer o equilíbrio e harmo­nia perdidos nas culturas das sociedades urbanas”, ela diz. Shornik trabalha para que, ao mesmo tempo que tenham mais representatividade, os povos originários sejam protegidos para que não se desca­racterizem.

Uma de suas mais recentes iniciativas foi o Biatüwi, o primeiro res­taurante de comida indígena do país co­mandado por indígenas, aberto também na capital amazônica há dois anos.

Coman­dado pelo casal João Paulo Barreto (da et­nia Tukano) e Clarinda Ramos (de origem Sateré-mawé), a casa serve receitas nati­vas brasileiras, tendo como principal prato a quinhapira, um tipo ensopado de peixe feito com tucupi e servido com formigas nativas (maniwara) e farinha de mandioca.


Das aldeias indígenas para a cidade

Instalado em um casarão antigo com cal­çamento de pedra e calçadas largas, ali são servidos os pratos que ambos apren­deram a comer desde muito cedo.

“Penso que crescemos com esse estigma de que nossa culinária indígena é menos digna”, diz Ra­mos. A mudança nesta percepção veio quando ambos passaram a estudar antro­pologia na universidade — ele tem douto­rado, ela é mestra.

Os ingredientes chegam ali de barco e podem levar três dias para alcançar a co­zinha do restaurante. Pimentas e formigas, por exemplo, precisam fazer esse caminho a partir das comunidades em que os dois nasceram.

Mas é justamente para ressaltá­-las que o casal insiste em servir o que de mais nativo existe em cada uma delas.

No Brasil, a população indígena é for­mada por mais de 800 mil habitantes entre cerca de 300 etnias diferentes. E ocupando zonas distintas de todo o país.

O Brasil inteiro é terra indígena

Longe da Amazônia, no litoral paulista, por exemplo, restaurantes como o Peró, em Paraty, e o Taioba, em Camburi, servem pratos inspirados na cozinha originária dos povos caiçaras. Do peixe com purê de mandioca e molho de maracujá e pimen­ta Baniwa, no primeiro, ao peixe assado em folha de bananeira e o arroz lambe­-lambe, no segundo.

O chef Eudes Assis é quem comanda o Taioba, e diz que aprendeu a valorizar a cozinha ensinada por sua mãe, ainda pe­queno, só quando passou uma temporada na Europa. Lá, viu outros cozinheiros exalta­rem com muito orgulho a culinária de suas cidades natais.


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