Entrevista com Narda Lepes: "Nossa relação com a comida está quebrada"

Conversa sobre comportamentos alimentares na Argentina com Narda Lepes, sobre o que comemos e porque o fazemos.

Há 30 anos está imersa no mundo da comida: apresentou programas de televisão, escreveu vários livros e hoje tem seus próprios restaurantes.

Em seu caminho, ele quebra a norma e ultrapassa os limites. Incentiva-se a falar, perguntar e questionar o atual sistema alimentar.

"Nosso vínculo com a comida está quebrado", diz o ativista alimentar.

Como estamos comendo hoje?

Depende muito de onde você está. Tem coisas que são geográficas, tendências climáticas, outras que são costumes e também tem informação que talvez tenha muito mais visibilidade de um lado do que do outro.

Muitas pessoas têm a ideia de que no interior se comem mais coisas “de antes”, mas de repente você vê produtores em Salta que levantaram toda a sua horta para plantar uma coisa e comer da loja. A quantidade de alimentos ultraprocessados ​​que são consumidos no interior do país não é tão diferente da das cidades.

Uma ótima ferramenta para descobrir padrões de comportamento, o que é muito útil para mim, é fazer a mesma pergunta em lugares diferentes. Ando pela Argentina e verifico quantas colheres de açúcar os meninos colocam no que bebem: a média é imunda, são três colheres e meia.

Que outros ingredientes são amplamente consumidos?

As farinhas e carboidratos. Embora você ouça que tem que consumir cada vez menos, quando você vê os números do que realmente é vendido, isso não diminui.

Sim, há uma tendência de menor consumo de carne, que pode ter vários motivos: alguém deixa de comer em casa; é reduzido se você tiver que alimentar muita gente e também cuidar da sua saúde.

Acho que há algo novo que está começando a acontecer e é que muitas pessoas estão vendo o que acontece com elas quando comem. Eles começam a prestar atenção ao que sentem.

Como você vê nossa ligação com a comida?

Está quebrado. E todos nós sentimos isso de alguma forma. Um dos primeiros sintomas para mim foi estar na televisão cozinhando e indo bem. Há algo errado aí. A certa altura, percebi que não precisava cozinhar para meus colegas, mas para as pessoas que me observavam. 'Tenho que fazer algo útil', pensei. Então percebi que as pessoas fazem o que você sugere. Lá eu tirei minha jaqueta e pensei em fazer coisas que somam. Estou fazendo isso porque é rico e por prazer. Porque faz sentido que eles saibam comer o que está na época. Ensine-os a comer outras coisas porque eles se sentirão melhor do que comer batatas com carne todos os dias.

Acho que a relação com a comida se rompe primeiro porque a gente procura na tela, na TV. Então procuramos nas receitas. Esse link danificado queria ser consertado assim. Estudos dizem que as pessoas não sabem o que cozinhar, não conseguem pensar nisso. Então as respostas foram as receitas. Hoje um banco te dá receitas, um jogador de futebol te dá receitas. Mas na realidade as receitas são para lembrar, para entreter, para comemorar. O dia a dia não pode ser receitas. Você tem que resolvê-lo com o que você tem: saber o que você tem e o que fazer com isso. E não aprendemos isso porque seguimos direções como GPS.

Há muito conhecimento que é muito antigo, mas foi corrompido. "O que acontece é que as pessoas não têm informação", dizem. Eu começo a ouvir um 'Você sabia?' mais e acho que não aguento.

O problema é que o link está quebrado desde antes disso: no supermercado. Não sabemos quais são as coisas que vemos. Nossa relação com os vegetais falhou, pois com outros alimentos pode ser mais intuitivo. 

Você sente o cheiro de carne grelhada e sai água pela boca, mesmo que você não coma. É uma relação primordial que temos com a proteína animal. Há poucas coisas escritas nos genes, mas essa é uma. Você vai querer comer isso. O cheiro do cozimento da carne é muito profundo.

"O problema é que não sabemos comer o que encontramos no supermercado", diz Narda Lepes.

Como surgiu a ideia de criar o “Come+Plantas”?

É um projeto interdisciplinar onde trabalhei com engenheiros, programadores e designers gráficos para criar um aplicativo.

Todas as pessoas que pensam diferente e ajudaram muito. Das coisas que fiz, esta é a que vai ao coração de tudo isso. Pegamos as principais frutas e verduras e explicamos que planta é e como se come.

Tem uma coisa que eu não entendo como é que ainda não é ensinada na escola e essa é a forma como cada legume é cozido. Entendendo como eles funcionam, ninguém te ensina. Não encontrei uma única página onde digam que o alimento é solúvel em gordura ou água. Que você pode fritar, ferver, comer cru.

Não temos ideia de como nos relacionar com isso, não sabemos como nos fazer gostar de vegetais, porque não os entendemos. As pessoas sabem que precisam comer cenouras, mas não sabem como.

As pessoas sabem que precisam comer erva-doce, mas não temos certeza de qual é. Todas aquelas coisas que antes eram conhecidas, que são chamadas de “saberes de avós” na antropologia, hoje você não sabe mais relacionar.

Fizemos o “Come+Plantas” mas não para um “target”, como o mercado pensa. Achei que tinha que ser para todos. Estamos falando de legumes, frutas, legumes! É cruz. Não é que tenhamos que fazer um pedido para a senhora que cozinha, outro para as crianças.

Foram dois anos de muito trabalho e hoje esse programa é entendido por qualquer um e ninguém se confunde. Isso é algo que pode crescer, que não se torna obsoleto. Procuro fazer coisas que sejam uma base para que possam crescer depois.

Fonte: Via País

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