O ABSURDO DO DESCARTE DE ALIMENTOS NO BRASI: O GRITO SILENCIADO DA FOME E A RESPONSABILIDADE DO AGRONEGÓCIO

Um compilado de vídeos publicado nas redes sociais mostra uma série de produtores jogando fora frutas e hortaliças em regiões diversas do País. 

De acordo com fontes consultadas pelo Verifica, o descarte é motivado pelo aumento da oferta, movido pelo uso de tecnologia no plantio e pelo clima favorável. Essa situação leva à redução dos preços de venda dos alimentos.

Enquanto 33 milhões de brasileiros vivem com fome, o Brasil assiste à cena absurda do desperdício de toneladas de alimentos, jogados fora por agricultores que não conseguem vender sua produção a preços que cubram os custos de produção. Em um país que ocupa o quinto lugar mundial na produção de alimentos, como é possível que a fome seja uma realidade para tantos? E mais: como aceitar que, no país da abundância, o descarte de alimentos se torne uma prática sistemática, movida não por falta de recursos, mas pela lógica implacável do lucro?

Segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Esalq/USP, o preço médio do quilo do mamão formosa no Espírito Santo era de R$ 1,00, em outubro deste ano. O valor subiu para R$ 2,25 no mês de novembro no Estado. Já no sul da Bahia, o quilo do produto tinha o valor de R$0,90 em outubro, enquanto registrou R$ 2,24 no mês passado. A Conab apontou que em novembro houve queda gradual da colheita do mamão e não houve mais informações sobre problemas de descartes da fruta.

Este é o retrato cruel do Brasil de 2025, onde o agronegócio, por sua vez, se posiciona como um dos maiores responsáveis por essa distorção. O modelo de produção impulsionado pelas grandes corporações, que priorizam o lucro acima de tudo, pressiona o pequeno agricultor e cria um ambiente onde a produção em massa leva, frequentemente, ao desperdício. 

O que é mais absurdo é que esses mesmos alimentos, jogados no lixo por um sistema que não consegue adequar preços à realidade, poderiam alimentar milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar.

O agronegócio, que já é responsável por 23% do PIB nacional, segue a lógica da maximização do lucro e da eficiência a qualquer custo, desconsiderando os efeitos sociais desse modelo. No setor agrícola, isso se traduz na prática de superprodução para atender a mercados globais, muitas vezes gerando excedentes que não encontram consumidores, uma vez que os preços para os pequenos agricultores são tão baixos que se tornam inviáveis. 

Na tentativa de manter sua margem de lucro, o grande produtor, em conjunto com as indústrias alimentícias, não hesita em ver os alimentos estragando nos campos e pátios de descarte, enquanto a fome campeia nas periferias.

Descarte de alimentos não é novidade

Postagens verificadas que atribuem o descarte de alimentos ao governo federal sugerem que a ação seria algo inédito no Brasil, o que não é verdade. Na realidade, como já mostrou o Verifica, jogar frutas, verduras e legumes fora por conta do baixo preço não é uma estratégia nova. Uma notícia do G1 publicada em 2015, por exemplo, mostra que produtores descartaram 20 mil caixas de tomate em razão da queda de preços.

O descarte de alimentos não é apenas uma falha do mercado, mas uma política não escrita que privilegia a maximização de lucros em detrimento do bem-estar social. 

Em relação ao tomate, que também aparece sendo jogado fora nas peças verificadas, Margarete explica que o grande aumento do produto neste ano ocorreu devido ao uso de novas tecnologias para a produção e por condições climáticas para o maior desenvolvimento do fruto. “A produtividade foi muito acima do patamar médio, com excesso de produção e queda de preços. Nem tudo foi possível escoar, causando excedentes no campo”, disse a pesquisadora.

A caixa de 20 kg de tomate salada na cidade de São Paulo registrou o preço médio de R$ 103,1 em dezembro de 2023. Já no mesmo período deste ano, a caixa do fruto tem o valor de R$ 47,4, segundo o portal do Cepea/USP. Os preços neste último mês de 2024 também ficaram menores para o tomate italiano (atacado) na capital paulista, que registrou média de R$ 25,83. Em dezembro de 2023, o valor da caixa havia ficado em R$ 77,80.

A cada tonelada de tomates, frutas ou legumes descartados, a injustiça se escancara. E o pior é que isso ocorre em um país onde a fome afeta 1 em cada 5 brasileiros. Enquanto os preços de alimentos sobem para os consumidores, em muitos casos, os produtores são forçados a entregar suas colheitas a preços abaixo do custo. 

O que fazer quando a produção e o desperdício de alimentos são incentivados por um sistema de poder que prioriza o lucro em vez da necessidade humana?

A ironia é insuportável: o Brasil desperdiça cerca de 30% de sua produção agrícola, o que equivale a mais de 41 milhões de toneladas de alimentos por ano, de acordo com a FAO. Em um país onde a insegurança alimentar afeta uma população imensa, esse desperdício escancara a falência de um sistema que coloca o agronegócio como motor da economia, mas deixa o povo faminto. O modelo do agronegócio, com sua lógica de monocultura e exportação de commodities, tem empurrado o pequeno agricultor para um abismo econômico e social, onde os custos de produção aumentam e os preços não são suficientes para garantir sua sobrevivência.

Mas as soluções nunca vêm de quem se beneficia desse sistema. As grandes indústrias alimentícias, parte fundamental do agronegócio, continuam a dominar o mercado, pressionando o governo para manter políticas de isenção fiscal, subsídios e baixos preços, enquanto os pequenos agricultores são engolidos por uma engrenagem impiedosa. O governo, por sua vez, segue uma agenda que, em muitos momentos, atende mais aos interesses do grande capital do que à real necessidade de garantir o direito à alimentação para todos.

Estamos diante de um escândalo ético e social que não pode ser ignorado. A fome não é um acidente – ela é o reflexo de um sistema econômico que falha em garantir a justiça social. Quando o agronegócio prioriza a produção em massa e a maximização de lucros, em vez de uma distribuição equitativa dos alimentos, ele contribui para o empobrecimento de milhões, mantendo-os à margem da mesa farta. O governo precisa, urgentemente, rever as políticas que sustentam esse modelo e tomar medidas que garantam um sistema alimentar mais justo, solidário e acessível.

O Brasil não pode mais se dar ao luxo de permitir que a fome e o desperdício coexistam de maneira tão cruel. O descarte de alimentos, uma prática que reflete a desigualdade estruturada no país, precisa ser combatido com urgência. O país precisa mudar sua lógica de produção e consumo para garantir que os alimentos produzidos cheguem à mesa dos que mais precisam, e que o direito à alimentação deixe de ser uma luta constante. A fome não é só um problema de escassez – é um problema de distribuição e de uma política econômica que prioriza os grandes interesses em detrimento da vida das pessoas.

Chegou a hora de questionarmos esse modelo. Que o desperdício de alimentos se torne um símbolo de resistência, e que essa resistência seja um grito de mudança contra o descalabro que o Brasil permite, enquanto milhões de brasileiros não sabem quando terão a próxima refeição. A indignação é mais do que justa. Ela é necessária.


@elcocineroloko

📣 Conheça nossas páginas:

Facebook: @elcocineroloko

Instagram: @charoth10




Comentários

Postagens mais visitadas