Paulo Vanzolini, ❤️
Não cantava, não tinha ritmo, não sabia a diferença entre tom menor e tom maior, não tocava pandeiro, muito menos tamborim, nunca usava a palavra “malandro” em suas canções, era formado em Harvard (em zoologia!) e, mesmo assim, é considerado um dos maiores compositores de samba de São Paulo.
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Nem ele sabia explicar a razão do fenômeno, mas suspeito que o distanciamento, o descompromisso com os clichês do gênero, é que o faziam ser tão original, além, claro, da notável capacidade de narrar o cotidiano urbano da São Paulo dos anos 1940 e 1950.
Entrevistei Vanzolini três vezes. Todas no mesmo lugar: num porão no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo
Sempre imundo, cheirando a éter.
O Hemingway do Ipiranga.
O mau humor era o seu maior charme. E a autoderrisão.
Achava “Ronda”, a sua música mais conhecida, uma grande porcaria.
“Como é que pode uma música que fala de uma mulher ciumenta que procura o amante para matá-lo num boteco fedorento pode ser considerada um hino de São Paulo?
É um hino justamente por isso.
Não fode, Vanzolini.
Tom C Cardoso
Formou-se em Medicina pela USP, em 1947. No ano seguinte, foi para os Estados Unidos, onde fez o doutorado em Zoologia na renomada Universidade de Harvard. De volta ao Brasil, vinculou-se ao Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP), onde trabalhou pelo resto da sua vida, mesmo depois de ter se aposentado.
Por cerca de 30 anos, o cientista, que se chamava Paulo Emílio Vanzolini, dirigiu o Museu de Zoologia da USP, instituição que possui um dos maiores acervos zoológicos do mundo, com mais de dez milhões de espécies preservadas. O museu funciona, também, como importante centro mundial de pesquisa da biodiversidade. Sua biblioteca tem cerca de cem mil exemplares, um quarto deles originários da doação que Vanzolini fez de sua biblioteca particular.
Paulo Emílio Vanzolini era reconhecido como um dos maiores zoólogos do mundo, autor de vários livros sobre a matéria e com artigos publicados nas mais conceituadas publicações científicas internacionais. Ele dizia já ter nascido zoólogo:
“A vida do zoólogo é a melhor vida do mundo. Deus, quando me fez zoólogo sabia o que estava fazendo. Viajei o Brasil inteiro coletando espécimes. Inteiro mesmo. Vinte e um estados. Coletava réplica de anfíbios. A grande vantagem do zoólogo é essa, viajar pelo Brasil e pelo exterior sem gastar nada. No nosso trabalho, é importante que você veja os lugares. Por isso percorri onze mil quilômetros de rios na Amazônia.”
Vanzolini era herpetólogo, especialista em répteis e anfíbios, tendo contribuído para a comprovação prática da Teoria dos Refúgios, que trata do surgimento de espécies na Amazônia e na Floresta Tropical, teoria que foi elaborada pelo geólogo alemão Jurgen Haffer. Existem vários táxons (classificação científica de seres vivos)
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que foram registrados por pesquisadores em homenagem a Vanzolini, com a utilização do seu nome, tais como Alpaiada vanzollinii, Alsodes vanzollinii, Hylodes vanzollinii e Anolis vanzollinii.
O zoólogo era um grande contador de causos relacionados com as suas expedições científicas. Um deles, acontecido no rio Solimões, envolvia um barqueiro, nascido em Patos, na Paraíba, que lhe ensinou versos que ele nunca esquecera. As quadras referiam-se ao conflito ocorrido nos meses anteriores à deflagração da revolução de 1930, em Princesa, na Paraíba, entre o chefe político local, José Pereira, e as forças da polícia estadual do governo de João Pessoa.
“Imaculada de Tavares / Município de Princesa / Bala matou tanta gente / Que foi horror e tristeza / A mortandade foi crua / Sangue correu pela rua / Que chega foi correnteza”.
Paulo Emílio Vanzolini foi um dos idealizadores da FAPESP, a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo, uma das principais instituições de apoio e fomento à pesquisa científica no país. O governador do Estado da época encarregou-lhe de redigir a lei de criação da Fundação. Paulo Vanzolini, como era comumente conhecido, recebeu o título de professor emérito da Universidade de São Paulo.
Além dos atributos como grande cientista, Vanzolini tinha também a ciência do samba, para ele um mero passatempo, mas que o levou a se tornar um dos mais importantes compositores da música popular do Brasil, mesmo sem tocar nenhum instrumento, nem mesmo uma simples caixa de fósforos — como ele próprio dizia.
O cientista contava que se encontrava na região Norte do País fazendo pesquisas, quando a sua primeira música fez sucesso popular:
“Depois de três meses eu volto do Amazonas e no domingo ao meio dia ligo a Bandeirantes na parada de sucessos — pela terceira semana consecutiva 'Volta por Cima' — foi a maior surpresa que eu já tive na minha vida”.
A gravação original de Volta por Cima foi feita pelo cantor Noite Ilustrada. A música tem várias regravações, entre as quais as de Jorge Aragão, Beth Carvalho e Maria Bethânia.
Vanzolini teve a sua primeira música gravada em 1953, de forma casual. Ele acompanhava sua amiga e cantora Inezita Barroso em uma gravação no Rio de Janeiro. Havia a necessidade de uma música para completar a gravação e, para gravá-la, era exigida a autorização escrita do compositor. Foi, então, utilizada uma canção de Vanzolini que a cantora conhecia.
A música gravada casualmente por Inezita Barroso é considerada uma das composições mais bonitas de Vanzolini e uma espécie de hino da cidade de São Paulo. Entretanto, a canção passou mais de duas décadas inteiramente despercebida. Somente em 1977, numa magistral gravação da cantora Márcia, a cancão intitulada Ronda veio a ocupar o seu devido lugar entre as grandes composições brasileiras. Vanzolini, um cronista do cotidiano, contava que “Ronda” surgiu em suas andanças nas noites paulistanas:
“Cansei de ver mulher chegar na frente do bar, olhar para dentro como se procurasse alguém e ir embora. Não foi uma só que vi. Escrevi sobre isso”.
Em depoimento, Paulo Vanzolini contou ainda que:
Vanzolini fez a maioria das suas músicas sem parceiros, sozinho, apesar de não saber distinguir um tom maior de um menor, como dizia o seu amigo, o violonista Paulinho Nogueira. A qualidade de Vanzolini como letrista é destacada por Antônio Cândido, um dos maiores críticos literários do país.
Dois exemplos do que Antônio Cândido escreveu sobre as letras de Paulo Vanzolini são Boca da Noite, parceria dele com Toquinho, e Samba Erudito:
Cheguei na boca da noite, parti de madrugada Eu não disse que ficava nem você perguntou nada Na hora que ia indo, dormia tão descansada Respiração tão macia, morena nem parecia Que a fronha estava molhada [...] O vento vai pra onde quer, a água corre pro mar Nuvem alta em mão de vento é o jeito da água voltar Morena, se acaso um dia tempestade te apanhar Não foge da ventania, da chuva que rodopia, Sou eu mesmo a te abraçar.
Em 2009, o cineasta Ricardo Dias, também biólogo, ex-aluno do zoólogo-compositor, e que já havido filmado expedições científicas de Vanzolini, realizou, em sua homenagem, o documentário Um Homem de Moral , com a participação de grandes nomes da música popular brasileira: Chico Buarque, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Miúcha, entre outros.
Paulo Vanzolini faleceu em 2013, com 89 anos. No refrão da sua última composição, Quando Eu For Eu Vou Sem Pena , ele foi, mais uma vez, certeiro:
Quando eu for, eu vou sem pena Pena vai ter quem ficar”
https://www.carlosromero.com.br/2021/01/paulo-vanzolini.html?m=1
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