A IMPORTÂNCIA DA MEMÓRIA HISTÓRICA E DA RESISTÊNCIA EM TEMPOS DE REPRESSÃO
Análise Crítica da Carta de Paulo Freire a Ariano Suassuna
A carta de Paulo Freire endereçada a Ariano Suassuna no contexto de seu exílio é um documento de grande valor histórico e político. Nela, Freire expressa gratidão e reconhece o apoio de Suassuna em um período de repressão, medo e incerteza, causado pela ditadura militar no Brasil (1964-1985). A correspondência, além de revelar a amizade e solidariedade entre os dois intelectuais, também ilustra as consequências do exílio e a dinâmica social dos regimes de exceção.
Freire inicia sua carta com um tom respeitoso e fraterno, agradecendo a Suassuna pelo apoio constante. Ele recorda um episódio no qual, ao retornar ao Recife, encontrou Ariano e Monteiro Cavalcanti, ambos demonstrando apoio e lealdade em um momento de forte perseguição política. Essa passagem é emblemática porque expõe como os regimes autoritários geram um ambiente de medo e desconfiança, no qual até mesmo a simples saudação a um perseguido político poderia ser considerada um ato de desafio ao poder estabelecido.
O autor contrasta a atitude de seus verdadeiros amigos com a de outros que optaram pela omissão ou mesmo pela traição, ilustração comum em regimes de exceção. A anedota sobre o professor universitário que, ao avistá-lo, preferiu "andar de lado" para evitar contato direto é um símbolo poderoso da forma como o medo pode moldar comportamentos e relações sociais. Ao mesmo tempo, Freire reforça que, em meio à repressão, ainda existiam aqueles que mantinham a coragem e a integridade, como Suassuna.
A carta também é reveladora sobre a experiência do exílio. Para Freire, ser exilado não significava apenas estar fora do país fisicamente, mas também ser tratado como um estranho por muitos conterrâneos. A perda de direitos, a separação forçada da família e a exclusão são elementos recorrentes na narrativa de quem foi banido de seu próprio país por discordar do regime político vigente.
A relevância dessa carta nos dias atuais está na necessidade de preservar a memória dos períodos de repressão e autoritarismo para evitar sua repetição. Conhecer a realidade do exílio e dos regimes de exceção é essencial para compreender os riscos da erosão democrática e da criminalização do pensamento crítico. A correspondência entre Freire e Suassuna nos lembra que a coragem e a solidariedade são fundamentais para a resistência em tempos sombrios, e que a história deve ser revisitada não apenas para compreender o passado, mas para construir um futuro mais justo e democrático.
Assim, a carta de Paulo Freire transcende o tempo ao destacar valores essenciais como lealdade, resistência e compromisso com a justiça social. Seu testemunho pessoal sobre o exílio e a perseguição política deve servir como um alerta permanente contra qualquer forma de censura e repressão, reforçando a importância da defesa intransigente dos direitos humanos e da liberdade de expressão.
Ariano Suassuna nasceu na capital da Paraíba em 16 de junho de 1927 e viveu boa parte da sua juventude em Taperoá. Escritor e teatrólogo, é um dos autores mais populares do Brasil e teve seus livros publicados em diversos idiomas mundo afora. Integrou também a Academia Brasileira de Letras.
CARTA DE PAULO FREIRE NO EXÍLIO A ARIANO SUASSUNA:
Querido amigo Ariano:
Há poucos dias lhe escrevi, perguntando-lhe, inclusive, como andava minha situação. Volto agora a fazê-lo, depois de ter sido informado pela imprensa, brasileira e chilena, do resultado de meu processo e de ter recebido um telegrama amigo de Monte e Paulo Cavalcanti, confirmando a notícia.
Escrevo-lhe agora, meu velho amigo, para dizer-lhe de minha sincera gratidão pelo interesse que você teve, desde o primeiro momento, por meu caso. Nunca me esqueço de sua valentia de querer bem, quando, ao chegar ao aeroporto do Recife, vindo de Brasília, num momento em que tudo era penumbra, interrogação, desconfiança, medo, denúncia, fuga, negação; em que os "amigos", antes e depois que o galo cantasse - não importava - diziam: "Quem é? Não conheço. Jamais vi este homem!" ou, o que era pior: "Conheço este homem, sempre desconfiei de suas intenções malvadas", lá estava você, fraterno, risonho, confiante, ao lado de Monte, ambos abraçando-me. Abraçando-me, quando cumprimentar-me, simplesmente cumprimentar-me, era uma ameaça a quem o fizesse.
Você, Monte e outros, muitos outros, foram o contrário de alguns. Entre estes nunca me esqueço também, sem rancor e sem ressentimento, ao testemunho de um professor da universidade, que, ao dobrar uma esquina — a do cinema São Luiz — me divisou a uns 10 metros de distância e fez então o mais difícil: andou de lado...
Você, pelo contrário, veio sempre de frente ao meu encontro, a nosso encontro. Encarcerado, você procurava Elza, enquanto os que andavam de lado perderam nosso endereço...
Nesta carta "sencilla" nada mais lhe direi além do meu, do nosso muito obrigado.
Do amigo-sempre,
Paulo Freire.
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