SAMBA, SUOR, CERVEJA E FEIJOADA

O feijão de Tia Ciata é um símbolo forte da relação entre culinária, cultura afro-brasileira e o nascimento do samba. 


A cozinha de Tia Ciata foi um espaço de resistência e criatividade, onde a comida não era apenas alimento, mas também um elo entre o sagrado e o profano, entre a festa e a espiritualidade. O feijão que ela servia não era qualquer um—era um feijão carregado de axé, acompanhado de carne seca, pés de porco e outras partes menos nobres, ingredientes que simbolizam a engenhosidade culinária dos negros brasileiros.

Ao redor da mesa, se encontravam figuras como Donga, Pixinguinha e João da Baiana, que ajudaram a estruturar o samba como gênero musical. A primeira gravação registrada de um samba, Pelo Telefone (1916), tem essa origem, sendo composta nesses encontros regados a comida e música.

Isso reforça a ideia de que a culinária tradicional não é apenas uma prática alimentar, mas um espaço de transmissão de cultura e identidade. O que você acha mais interessante nesse entrelaçamento entre cozinha e música?

Tia Ciata e a Cozinha como Espaço de Resistência

Tia Ciata não era apenas uma cozinheira e mãe de santo—ela representava a continuidade das tradições afro-brasileiras no Rio de Janeiro. Sua cozinha era um espaço de acolhimento, onde se reuniam músicos, sambistas e pessoas perseguidas pela polícia, já que o samba e as religiões de matriz africana eram criminalizados no início do século XX.

A feijoada servida por ela seguia a tradição africana dos caldeirões coletivos, onde as partes menos nobres dos animais eram transformadas em pratos ricos e nutritivos. Isso ressoa com a cultura do terreiro, onde comida, espiritualidade e comunidade se entrelaçam. O ato de comer juntos fortalecia laços e criava um ambiente propício para a expressão cultural.

O Samba Nascido na Cozinha

A ideia de que "o samba nasceu na cozinha" não é só metafórica. No quintal de Tia Ciata, enquanto as mulheres cozinhavam, os homens improvisavam versos e batucavam colheres, pratos e panelas. Esse ambiente rítmico e oral ajudou a estruturar o samba carioca.

As festas da casa de Tia Ciata eram uma extensão das tradições do candomblé e do samba de roda da Bahia. Assim como a comida era feita de ingredientes rejeitados e transformada em um prato nobre, o samba pegava ritmos africanos reprimidos e os reinventava. Esse processo de ressignificação cultural é essencial para entender tanto a culinária quanto a música afro-brasileira.

A Culinária como Tradição Oral e Identidade Afro-Brasileira

A relação entre comida e música continua viva. Hoje, rodas de samba ainda são regadas a feijoada, e a culinária tradicional se mantém como um marcador identitário do povo negro no Brasil. A forma como Tia Ciata usou sua cozinha para unir pessoas e preservar sua cultura mostra como a culinária pode ser um espaço de resistência.

Se pensarmos no contexto atual, onde a alimentação tem sido cada vez mais padronizada e a cultura popular transformada em mercadoria, essa história traz uma reflexão importante. O que ainda resta dessa conexão entre samba e cozinha? E como podemos continuar fortalecendo essa relação?

Vamos especular. Se Tia Ciata vivesse hoje, como seria sua cozinha?

Um Quintal Digital e a Nova Roda de Samba

Se a cozinha de Tia Ciata foi o berço do samba, poderíamos pensar que hoje ela se expandiria para espaços digitais. Talvez ela tivesse um canal no YouTube ou um perfil no Instagram, onde cozinhasse ao vivo enquanto músicos improvisassem. Seria um espaço híbrido, misturando tradição e tecnologia, mas mantendo o espírito de comunhão. Quem sabe, um podcast chamado Feijão e Batuque, onde se falaria sobre música, comida e resistência?

Um Quilombo Urbano Contemporâneo

No Rio de Janeiro de hoje, a casa de Tia Ciata poderia ser um espaço cultural, um quilombo urbano, onde a culinária ancestral seria preservada e ensinada. Haveria rodas de conversa sobre comida de santo, oficinas sobre feijoada tradicional, encontros de chefes que trabalham com culinária de terreiro. Talvez, um restaurante comunitário que servisse como ponto de encontro para artistas, sambistas e intelectuais negros.

O Samba e a Culinária a de Rua

E se o samba ainda estivesse na cozinha, mas agora na cozinha de rua? Podemos imaginar que Tia Ciata teria uma barraca numa feira popular ou um food truck especializado em feijão bem temperado, com carnes defumadas e acompanhamentos afro-brasileiros. Esse espaço poderia ser um ponto de encontro para rodas de samba espontâneas, onde a música nasce da conversa e da partilha de comida.

A Cozinha Como Manifesto

Com o avanço da gentrificação e da gourmetização da culinária popular, a cozinha de Tia Ciata poderia ser um espaço de resistência contra esse apagamento cultural. Ela não só prepararia pratos tradicionais, mas também os usaria para contar histórias, denunciar desigualdades e fortalecer a identidade negra. Quem sabe um coletivo culinário chamado Feijão de Resistência, que promovesse jantares temáticos com debates sobre a diáspora africana?

Se olharmos para o que está acontecendo hoje, vemos que muitas cozinhas de terreiro, projetos culturais e rodas de samba estão tentando resgatar esse espírito de comunhão. 


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