CULTURALIMENTAR "A ARARUTA TAMBÉM TEM SEU DIA DE MINGAU..."

Semana passada, um amigo me presenteou com um quilo de araruta. Esse polvilho finíssimo foi parte essencial da minha alimentação por muitos anos. Na Bahia, ainda mantemos o hábito saudável de tomar mingaus no café da manhã. Além de nutritivos, esses preparos desempenham um papel fundamental na promoção da saúde e na longevidade.

Os benefícios da araruta são inúmeros. Um dos mais relevantes é sua contribuição para a manutenção das atividades cerebrais, favorecendo a memória e a cognição. Como parte da tradição culinária brasileira, a araruta teve seu uso reduzido ao longo dos anos, mas ainda desperta memórias olfativas e gustativas em muitas pessoas.

Importância do Cultivo e do Consumo da Araruta

A araruta é uma planta nativa da América do Sul e, apesar de ter sido relegada ao esquecimento pela produção industrial em massa, seu cultivo é essencial para a preservação da biodiversidade alimentar. A planta cresce bem em solos tropicais e é uma alternativa sustentável para pequenos produtores, fortalecendo a segurança alimentar de diversas comunidades.

Além de sua fécula ser uma opção naturalmente sem glúten para pessoas com doença celíaca ou intolerância ao glúten, ela é altamente digestível e recomendada para crianças, idosos e pessoas em recuperação de doenças. Seu uso na culinária é versátil: é ingrediente de mingaus, biscoitos, bolos e até molhos, substituindo espessantes industriais de maneira natural e saudável.

Em muitas comunidades quilombolas, a produção de sequilhos à base de araruta resiste como um saber tradicional transmitido entre gerações. No sertão de Pernambuco, por exemplo, uma comunidade quilombola ainda preserva essa prática, utilizando a culinária como um meio de sustento e identidade cultural, paralelamente a outras manifestações como a música e a dança.

O pesquisador José Ivo Baldani analisa como a indústria alimentícia se apropriou de espaços domésticos, substituindo ingredientes nativos por produtos industrializados e impondo seus interesses econômicos. Esse processo marginalizou alimentos tradicionais como a araruta, reduzindo seu consumo e tornando-o cada vez mais raro nas mesas brasileiras.

Resgatar e valorizar a araruta significa fortalecer a identidade alimentar do país, impulsionar a economia local e promover uma alimentação mais saudável e diversificada. Plantar e servir araruta é um ato de resistência e reafirmação cultural.

As Mestras dos Saberes Culinários desempenham um papel fundamental na preservação e transmissão dos conhecimentos tradicionais sobre a araruta e a produção de sequilhos, fortalecendo a identidade alimentar nos territórios ancestrais. Essas mulheres guardam e compartilham técnicas que vêm de gerações, garantindo que o preparo do sequilho de araruta continue sendo uma prática viva.

Nos quilombos e comunidades tradicionais, as sequilheiras são peças-chave na economia local e na resistência cultural. No sertão de Pernambuco, por exemplo, comunidades quilombolas preservam a produção artesanal de sequilhos de araruta, utilizando métodos que respeitam o ciclo natural da planta e valorizam a culinária como um meio de identidade e sustento.

O cruzamento entre as Mestras e as sequilheiras reforça a luta contra a padronização imposta pela indústria alimentícia, que substitui ingredientes nativos por produtos industrializados e enfraquece os saberes tradicionais. Ao promover o trabalho das sequilheiras nos territórios ancestrais, fortalece-se uma rede de resistência alimentar que vai além do ato de cozinhar: trata-se de um movimento político de valorização das práticas agroecológicas, da economia solidária e do direito à autodeterminação dos povos tradicionais.

Plantar, colher e transformar a araruta em sequilhos é mais do que um ofício: é um gesto de reafirmação cultural e de soberania alimentar.

A preservação da produção artesanal de sequilhos de araruta, guiada pelas Mestras dos Saberes Culinários e pelas sequilheiras, representa um elo vital entre o passado e o futuro da culinária tradicional brasileira. Em meio às pressões da indústria alimentícia e à crescente padronização dos hábitos alimentares, essas mulheres seguem como guardiãs de um conhecimento que vai além da cozinha: ele carrega história, identidade e resistência.

Fortalecer esses saberes nos territórios ancestrais não apenas impulsiona a economia local, mas reafirma a importância da diversidade alimentar e do respeito às práticas agroecológicas. Cada sequilho produzido e compartilhado é um testemunho vivo da força cultural dessas comunidades, um convite para resgatar e valorizar ingredientes esquecidos e uma afirmação de que a tradição segue viva, moldada pelas mãos das que vieram antes e das que ainda virão.


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