João da Matta: O primeiro chef Português estrelado.

O "pai" das conhecidas ameijoas à Bulhão Pato e dos populares pastéis de bacalhau fez furor e deliciou os mais exigentes palatos.

Foi o primeiro cozinheiro português a ser considerado umavedete e fez jus a esse estatuto. Manteve vários estabelecimentos em simultâneo e com enorme sucesso; preparou requintados manjares para ricos, famosos e poderosos; escreveu um livro, reeditado até hoje; organizou encontros com outros mestres da mesma arte; arriscou muitas combinações improváveis... 

Na segunda metade do século XIX, falar de gastronomia em Lisboa, era falar de João da Matta, dos seus pratos arrojados e inovadores - de fusão, como se diria hoje em dia.

Os seus restaurantes e hotéis eram frequentados por toda a nata da sociedade, local ou em visita, que se deslumbrava com refeições completas e formais ou com os simples, mas afamados petiscos, mencionados em obras de grandes autores da época, todos apreciadores da arte deste chef e cientes da sua notoriedade. Entre os clientes, nada mais, nada menos, que Alexandre Herculano, Rafael Bordallo Pinheiro e muitos outros intelectuais; o imperador do Brasil, D. Pedro II, e a sua filha Isabel; as artistas internacionais Adelina Patti e Sarah Bernhardt e, claro, o mais conhecido bon vivant de Lisboa, o Conde do Farrobo (Joaquim Pedro Quintela), que encomendava o catering do Matta.

Curioso é que a sua origem e a vida privada fossem incógnitas já no seu tempo. Como se escrevia num jornal de então, "João da Matta nasceu no primeiro dia em que pegou na caçarola, que mais tarde o iria tornar imortal e que lhe abria o caminho para o Olimpo, ao lado dos semideuses".




Sabe-se apenas que era filho de cozinheiro e que a morte do pai levou a família à penúria. Com apenas 12 anos, recusando emigrar para o Brasil, única alternativa de sobrevivência equacionada pela mãe, teve a sorte de ser acolhido num restaurante, para lavar pratos e fazer tudo o mais que fosse necessário, claro está. Depois de trabalhar vários anos como aprendiz e já como cozinheiro, na casa do Visconde da Várzea, decidiu "voar sozinho".

A sua primeira "casa" foi o À lá Carte (1848), na esquina entre a praça Duque da Terceira e a rua do Alecrim. Tornou-se a "favorita da roda chic " e para sempre será recordada pela "finura dos manjares, delicadeza no desert, luxo no serviço, asseio e ordem", para além da decoração, "com um gosto novo nunca antes visto em Lisboa". Desde o início, teve uma "clientela magnífica: janotas e literatos, políticos e boémios", que iam provar o que o "marechal dos cozinheiros", o "príncipe dos manipuladores de acepipes" tinha para lhes oferecer, ainda mais a um preço módico que então se pagava por refeições completamente inesquecíveis




Depois, mudou-se de armas e bagagens para a rua do Ouro – edifício onde está instalado o Montepio Geral. Ali, por vários anos, brindou os clientes com as melhores iguarias.

Foi só após um período de hesitação, em que, talvez cansado da pressão e do trabalho árduo de encher os mais seletos estômagos, João da Matta se retirou para "a vida burguesa", começando "a viver dos seus rendimentos".

Sim, só depois desse curto período de "verdadeira decadência para a arte culinária em Portugal", o mestre decidiu regressar em grande, abrindo na zona do Chiado dois hotéis e um restaurante. Para além do apuro e sumptuosidade que era comum aos espaços, este último tinha a particularidade de oferecer aos "tresnoitados" o conforto de uma refeição requintada a qualquer hora da madrugada.

edificio onde esteve inatalado o grande hotel du m

É também neste novo fôlego da sua carreira que João da Matta lança o livro Arte de Cozinha (1876), com mais de 500 pratos, onde marcam presença todos os "elementos de distinção das mesas abastadas da época, como as trufas, geleias, o café e os licores".

Nesta obra, o criador das famosas ameijoas que dedicou ao amigo e poeta Bulhão Pato, apresenta também uma das primeiras receitas conhecidas de bolinhos ou pastéis de bacalhau, curiosamente, com queijo, como agora se vende como grande novidade aos turistas que visitam Lisboa.

À margem




sala de banquetes palacio nacional da ajuda.JPG

A Arte de Cozinha é considerado um dos melhores livros de culinária portuguesa jamais publicados. Contém uma dezena de menus completos de primeira ordem, minutas de lanches, a que se acrescentam conselhos de apresentação, as formalidades na colocação de complexas mesas com dezenas de pratos, os vinhos mais indicados, mas também petiscos "ao alcance de todos". Estão presentes receitas inventadas para banquetes que Matta serviu à família real Portuguesa e imperial brasileira; muitas massas – provavelmente ao gosto da rainha Maria Pia, que era italiana - e outros alimentos aparentemente inusitados, como sardinhas.

A obra foi recentemente reeditada no Brasil, onde o chef continua a ser uma referência, até porque são várias as receitas por si criadas que fundem de forma exímia a gastronomia portuguesa com a de "terras de Vera Cruz".



sala de banquetes palacio nacional da ajuda2.JPG

Há também uma óbvia influência da cozinha de França – País que em finais do século XIX ditava a moda em praticamente todas as áreas. Potage, gallete, poisson, filet , gelée, suprémes são designações comuns nos menus de João da Matta e de todos os mestres de cozinha da época. Marcam igualmente presença nas ementas dos encontros gatronómicos a quatro mãos que Matta organizou com o padre Manuel Joaquim Machado Rebelo, afamado cozinheiro amador que ficou para a história como autor de um conhecido pudim, criado durante os mais de 40 anos em que foi Abade em Priscos.

Mas isso é outra história...


Fonte Sapoblog.com

Comentários

Postagens mais visitadas