Griôs e a importância da preservação da oralidade.

Uma Griot e a Receita Cantada

Um Dedinho de prosa com Dona Rita e Alex Simões.

"Ninguém se torna griô, nasce-se griô." Essa é a máxima de Sotigui Kouyaté, um dos mais conhecidos contadores de histórias africanos na Europa, graças às suas viagens ao lado do diretor de teatro e de cinema Peter Brook.





Ação Griô é uma rede que envolveu 130 projetos pedagógicos de diálogo entre a tradição oral e a educação formal, mais de 750 griôs e mestresbolsistas de tradição oral do Brasil, 600 escolas, universidades e outras entidades de educação e cultura e 100 mil estudantes de escolas públicas.

Ação Griô foi criada em gestão compartilhada em encontros de planejamento e avaliação anuais, com estratégias e indicadores qualitativos de acompanhamento, priorizando a metodologia de processos e o vínculo afetivo, cultural e político entre a sociedade civil e os gestores públicos, através da Pedagogia Griô (*1) criada e sistematizada com a linguagem da tradição oral brasileira para apoiar a Ação Griô na Escola.

O griô se baseia na tradição oral para a transmissão de vivências e saberes culturais de uma comunidade.

Eles são depositários de histórias africanas e guardiães de costumes e tradições. Eles preservam a história de suas várias comunidades antes do advento da leitura e da escrita, memorizando histórias, canções, árvores genealógicas, rastros de casamento, nascimentos, relatos de guerras, morte e assim por diante na comunidade.

Griots eram responsáveis ​​pela manutenção de registros; eles mantiveram registros de nascimentos, mortes e até mesmo casamentos ao longo de uma geração. Durante aqueles dias, Griots costumava trabalhar como artistas no palácio do rei. Alguns Griot se especializaram em música e poesia, enquanto alguns se especializaram em manutenção de registros e narração de histórias.

O lugar dos griots é muito importante na sociedade, pois eles servem para lembrar a sociedade de sua origem, servem como arquivo e na restauração do equilíbrio. Griots ajudam a manter vivas as histórias da comunidade. Mas com o advento do comércio de escravos, do colonialismo e da educação ocidental, houve uma diminuição notável da população de griots e a profissão foi banalizada como palhaçada.

A chamada civilização ocidental também introduziu novas maneiras de documentar e arquivar histórias. Isso minou o papel e a necessidade dos griots no mundo moderno.

A Esmola Cantada, o Dedinho de prosa e a Receita Cantada são formas contemporâneas de Griô, nos fazem refletir a importância de preservar os saberes tradicionais.

O mestre griô é reconhecido por, coletivamente, transmitir ensinamentos de geração em geração, com uma identidade própria de um povo, e inclusive com uma potência expressiva pedagógica em tais ensinamentos. ;Quando dizem que você é um griô, significa que você se comprometeu a guardar as histórias, a guardar uma genealogia, e viver como um registro vivo, com instrumentos, elementos e rituais de iniciação.

Os saberes de Kouyaté perpassam as gerações de sua família desde pelo menos o século XIII, quando surgiu a tradição dos griôs e das griotes (as mulheres que desempenhavam o mesmo papel e que, segundo Kouyaté, calavam os homens quando se faziam presentes). Eram pessoas treinadas desde pequenas para contar histórias tradicionais e a colaborar para a construção da memória e da identidade do Império Mandinga, que durante 150 anos ocupou territórios que hoje correspondem ao Mali, Senegal, Gâmbia, Libéria, Serra Leoa, Maurutânia, Benim e Burkina Fasso.

Mas o papel social dos griôs não se limitava à tarefa de contar histórias – o que nunca foi pouco. Suas habilidades incluíam ainda outras artes, com a música, a dança e o teatro. Eram figuras também encarregadas de organizar as cerimônias. "O griô é a memória do continente africano, da parte da África que eu mencionei [África Ocidental], é sua biblioteca e é, também, o guardião das tradições e dos costumes", explica Kouyaté no documentário Sotigui Kouyaté, um griot no Brasil.

Ele conta a história dos griôs pertencentes ao Império Mandinga, que espalharam-se pela região da África Ocidental por meio de diferentes povos, como Fulbe, Hausa, Songhai, Tukulóor, Wolof, Serer, Mossi, Sagomba e os árabes da Mauritânia, além de outros pequenos grupos. Sua existência, no entanto, só foi registrada pelos europeus no século XV, pelos portugueses, e no século XVII, pelos franceses e ingleses, quando ganharam essa denominação francesa, griô, que significa "criado".

Como reforçou Kouyaté, o ofício do griô não é escolhido, senão passado de geração em geração, no bojo de algumas famílias. Apenas crianças nascidas nesse entorno podem crescer e exercer essa função e, desde pequenas, elas têm suas infâncias preenchidas por histórias e ensinamentos que um dia vão transmitir aos seus filhos para preservar a cultura de seu povo. São lendas, mitos e tradições que são repassados, assim como a habilidade de tocar o kora e os tambores, além da prática das danças rituais.

Os griôs podem se especializar em três campos. Há aqueles que preferem focar suas habilidades no discurso (kuma), utilizando-se das narrativas históricas, das genealogias e dos provérbios. Há ainda os especializados no canto (donkili) ou na arte de tocar algum instrumento (foli ou kosiri). Já as funções sociais são das mais diversas, entre elas atuar como conselheiro, diplomata, mediador de conflitos, tradutor de diferentes línguas, mestre de estudantes…

"A oralidade africana é sempre vista como expressão de uma força vital. A memória é tida como o depósito sagrado. A tradição oral é o reservatório da acumulação cultural da comunidade, e a memória da oralidade é a da comunidade viva das gerações sucessivas. É a manutenção, a divulgação, a coletividade e a permanência que participam desta dinâmica da oralidade", explica o pesquisador Celso Sisto.

São guardiões da sabedoria de seu povo, das histórias tradicionais de criação coletiva, de um patrimônio cultural comum. Como bem diz o historiador e etnólogo malinês Amadou Hampâté Bâ, “na África, cada velho que morre é uma biblioteca que se queima”.

Os aedos 

Assim como os griôs da África Ocidental, os aedos da Grécia Clássica tinham uma enorme relevância social, já que viviam em viagens e eram a principal fonte de informação da sociedade, junto às amas de leite e às histórias pintadas em peças de cerâmica. Suas canções transcendiam a função de alegrar banquetes gregos, dos quais participavam. Narravam histórias de tempos imemoriais, mas também contavam o que ocorria naquela época no Mediterrâneo.

E foi assim, viajando de cidade em cidade contando suas histórias, que tiveram um papel fundamental na consolidação da identidade grega. Aliás, muitos pesquisadores acreditam que os aedos tenham surgido justamente em Creta, ilha que tinha uma forte necessidade de criar uma sensação de pertencimento às póleis da planície do Peloponeso e das ilhas do mar Egeu.                                                                                                                                                              

Os menestréis ou trovadores

Já na Idade Média europeia, esse papel de contador de histórias era ocupado pelos chamados menestréis ou trovadores, figuras que circulavam em regiões de maior concentração populacional, em geral lugares onde ocorria uma peregrinação intensa, como Santiago de Compostela (na Galícia), Roma e Jerusalém. Algumas regiões eram paradas obrigatórias desses peregrinos, como Provença, na França (para aqueles que desejavam atravessar o Mediterrâneo), e Lombardia, na Itália (para os que queriam chegar a Roma). Esses trovadores não só narravam acontecimentos e informavam as pessoas, mas também retratavam aspectos do cotidiano, sendo os principais produtores da literatura popular naquela época, naquela região. Recitavam, assim, poemas sobre reis e rainhas, cavaleiros, santos e seus milagres, que foram ainda mais difundidos com as cruzadas.

Os jograis                                        

Outros contadores de histórias daquela época eram os jograis, palavra que vem do latim jocus (jogo). Era a pessoa que divertia o rei ou o povo. Enquanto os trovadores frequentavam os ambientes das cortes, os jograis eram artistas populares, presentes em praças, feiras e tavernas. Eram contadores de histórias, mas também participavam do universo do canto, da música e da dança. Além disso, entretinham as pessoas com apresentações de malabarismo, paródias e trejeitos.

Se os aedos destacavam-se pela sua permanente itinerância, o mesmo valia para os jograis, que viajam não apenas geograficamente pela Europa, mas movimentavam-se entre as diferentes classes sociais da época. O medievalista suíço Paul Zumthor ainda lembra da capacidade de formação de opinião atribuída aos jograis, nomeando-os como “portadores da voz poétoca”, “detentores da palavra pública” e “porta-vozes do mundo medieval”.

Nas viagens conheciam os personagens de suas histórias: cavaleiros, frades, estudantes, camponeses… As taxas de pedágio para entrar nas cidades eram pagas com o seu trabalho – um espetáculo para os moradores daquele lugar. Também recebiam, como agradecimento à quebra da monotonia do dia a dia, alojamento, comida, animais, roupas, calçados, armas e objetos variados, que, quando não podiam transportar, vendiam para conseguir algum dinheiro. 



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