Falar de “gastronomia amazônica” pode ser um engano; descubra o (delicioso) porquê

Uma pluralidade de gostos, sabores, ingredientes e hábitos marca a culinária amazônica, que não é uma, são mil. Para experimentar, é preciso estar aberto a novos sabores, diferentes texturas e deixar de lado o preconceito.

Para Max Jaques, chef e pesquisador do Instituto Brasil a Gosto, é fundamental perceber os traços da região, que estão longe de ser uma coisa só.

“Pode-se pensar isso do ponto dos ingredientes, como o tucupi, que mudam de um lugar para outro, tipos de mandiocas, de pimentas, há diferentes métodos de preparo, há uma identidade através da cozinha. Cozinhar é um ato político”, garante Max.

Há delícias que só dão lá: tucupi, farinhas ribeirinhas, pirarucu, os peixes de água doce, algumas pimentas, jambu, especiarias, chicória, o cumaru, puxuri, priprioca. Castanha do Brasil, o açaí, cacau, café, pupunha...

Para consumir é importante conferir a origem, para manter ativo o ciclo da sustentabilidade. “Essa é uma dobradiça importante: a popularização tem de ser feita de forma responsável, que garanta melhoria na qualidade de vida dos detentores desse saber.”

O restaurateur Saulo Jennings é um empreendedor da culinária regional e se divide entre a matriz Casa do Saulo, em Carapanarê, entre Santarém e Alter do Chão, no Pará, e outras duas casas na capital, Belém: a Casa do Saulo das 11 janelas e a Casa do Saulo quinta das pedras. Ele está inaugurando também uma experiência de hospedagem, os Bangalôs da Selva, com vista para o Rio Tapajós, além de dois barcos-hotel.  

Para ele, não é possível falar em uma gastronomia amazônica. “Só de Belém a Santarém são 1.400 quilômetros, existem mudanças na culinária, no preparo e nos ingredientes. É importante a divisão, mas com fortalecimento.”

Saulo diz que faz uma culinária tapajônica. “O rio Tapajós tem mais de 3 mil espécies de peixes. Temos o pirarucu fresco e o pirarucu defumado, o feijão manteiguinha de Santarém, o camarão avium, que é do encontro do Tapajós com o Amazonas.”

A piracui – farinha de peixe, com desidratação total do peixe – é outra delícia típica da região. O tucupi é menos ácido e é empregada a técnica de ticar o peixe, que quebra as espinhas na ponta da faca.

Ele explica, por exemplo, que o tucupi é mais ácido em Belém, e o açaí é consumido salgado. Há fartura de castanhas do Pará e da castanha sapucaia.

Sua região é rica em mel, de abelhas sem ferrão, tapereba. São as melitonas, da espécie canudo.

Saulo destaca dois projetos de manejo sustentável do pirarucu, em Manaus e Santarém, em que só se tiram os peixes em determinada época, com determinado tamanho, para consumo do peixe fresco. Mas em sua cozinha tica o peixe e serve assado de brasa, na região de Manaus a iguaria é frita ou cozida.

“Há uma fruta emblemática de Manaus que é o tucumã. Com ela é feita o X-Caboquinho, que leva pão, tucumã em lascas, banana da terra frita e queijo manteiga ou coalho”, ensina.

A cozinha da Amazônia se destaca pelas sementes, caroços, como cumaru (baunilha da Amazônia), cuxuri (essência na comida, nos drinques), e pelas frutas, como o
cupuaçu, capereba, bacuri, cacau, muruci e camu-camu.

Saulo chegou a ter uma casa em São Paulo, um espaço para eventos, mas desistiu da empreitada por causa da pandemia, focando seus negócios no Pará. Mas ainda pretende voltar.

“O brasileiro precisa conhecer o Brasil. Tenho esse sonho de ter uma amostra da cozinha original brasileira, amazônica. Você anda por São Paulo tem comida de todo lugar do mundo, mas muito pouco de comida original”, diz.

Pesquisadora e escritora com 11 livros publicados na área de gastronomia e vinhos, Roberta Malta Saldanha ensina que a culinária amazônica extrapolou os limites do Norte. “Foi um longo caminho até aqui, capitaneado pelo falecido chef paraense, Paulo Martins, que nos idos de 1990, movido pela sua paixão pela cozinha paraense, ajudou a difundir ingredientes, receitas e técnicas tipicamente amazônicas para o Brasil e o mundo.”

A gastronomia da Amazônia se desdobra em cada região, como descreve a especialista. “O Acre tão conhecido por suas farinhas artesanais e, mais recentemente, pelos feijões crioulos produzidos no Vale do Juruá, tem sua culinária marcada por indígenas, portugueses e, desde o início do século passado, por imigrantes sírios-libaneses. O quibe com arroz ou macaxeira e o charutinho à moda acreana feito com a folha de couve, são bons exemplos. Também os nordestinos, em especial os cearenses, trouxeram o gosto pela carne bovina. A baixaria, carne bovina e farinha de milho grossa cozida no vapor, prato servido usualmente de madrugada em alguns mercados da cidade, como alternativa para o café matinal, ganhou grande popularidade. O Amapá, terra de pitús enormes, também é o berço da bacaba, fruta da mesma família do açaí. Roraima tem forte tempero de pimentas tão apreciadas por macuxis, yanomanis, wapixanas, e consagradas na damorida, um cozido de peixe de origem indígena. Seus garimpos de ouro e diamantes atraíram baianos, mineiros e gaúchos que enriqueceram o cardápio roraimense com suas iguarias. As áreas de várzea de Rondônia, com seus criadouros de peixes, jacarés e tartarugas, são a base de sua culinária que, também conta com influência indígena. A culinária de Tocantins resultante das culturas indígena, portuguesa, paulista e mineira, muito semelhante à culinária goiana faz uso de produtos do Cerrado, como o baru, guariroba e o pequi. O chambari, cozido feito com a canela de boi, é um dos símbolos de sua culinária. Destacaria, em particular, São Gabriel da Cachoeira, no Alto do Rio Negro, a cidade mais indígena do Brasil, que preserva e cultua a tradição alimentar de mais de 20 etnias em receitas como a tradicional quinhapira (caldo de peixe cozido com diversas pimentas, tucupi preto e formiga saúva).”

Roberta indica como típicos os pratos elaborados com peixes locais (costela de tambaqui, caldeirada de tucunaré, pirarucu na casaca, jaraqui frito, matrinchã na brasa), o tacacá (caldo elaborado com tucupi, goma de mandioca e camarão seco, temperado com jambu e pimenta-de-cheiro), o pato no tucupi, a maniçoba (preparada com os mesmos ingredientes utilizados para o preparo da feijoada, substituindo-se o feijão pela maniva, são folhas tóxicas da mandioca, que necessitam ser cozidas por cerca de seis dias para se eliminar as toxinas). Especialmente no interior do Estado, pratos a partir de quelônios (tartaruga e tracajá) oriundos de criadores ou áreas de manejo.

Quando o assunto são bebidas, Roberta lembra que a Amazônia Brasileira concentra mais de 40% das 500 espécies de frutas nativas do País. “Os sucos são imbatíveis.”

Entre as principais frutas, ela destaca o tucumã, taperebá, cupuaçu — que além do suco, produz um chocolate delicioso, comercializado na cidade sob o nome de “cupulate” —, murici, bacupari, buriti, açaí, biribá, abiu.

Para quem quiser conhecer, o que não dá para perder?
A castanha-do-pará, o jambu (hortaliça que quando mastigada, provoca ligeira sensação de amortecimento nos lábios e na língua), a pupunha, o guaraná, X-Caboquinho (sanduíche feito com pão francês, recheado com lascas finas de tucumã e fatias de queijo de coalho derretido e de banana frita), a mujica (feita com carne de siri, caranguejo ou peixes, farinha de mandioca e temperos verdes) e muito mais.

Fonte: CQ



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