Projeto estimula o cultivo sustentável do açaí nas comunidades ribeirinhas do Marajó

Com a crescente procura pelo fruto nos anos 2000, muito da biodiversidade foi retirada das florestas de várzea desta região do Pará. Mas uma iniciativa da Embrapa está engajando moradores no manejo adequado e a produção até aumentou.

Por Paula Salati, G1

As palmeiras de açaí só sobrevivem se conviverem com outras espécies, mas, com o aumento da procura pelo fruto a partir dos anos 2000, muito da biodiversidade foi retirada das florestas de várzea da região do Marajó, no Pará.

"Era uma monocultura do açaí. Não tínhamos essa consciência, mas, com o tempo, fomos aprendendo o manejo correto, de manter as espécies e, assim, manter os animais, os pássaros. As abelhas, por exemplo, não vêm somente por causa do açaí, mas também por causa de outras árvores", conta o extrativista Teofro Lacerda Gomes.

Ele faz parte da comunidade ribeirinha Santa Ezequiel Moreno, uma das mais de 200 pessoas vivem hoje, no município de Portel (PA), localizado no Território da Cidadania Marajó. A região, composta por 16 cidades, sobrevive da agricultura familiar, da extração de frutos, pesca, entre outras atividades.

Gomes é presidente do Centro de Referência em Manejo de Açaizais Nativos no Marajó, mais conhecido como Manejaí, projeto impulsionado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desde 2017, diante da preocupação em difundir técnicas corretas de cultivo dos açaizais.

Sede do Manejaí no município de Portel (PA) — Foto: Reprodução/Embrapa

O intuito, porém, não era fazer uma simples transferência de tecnologia. "Para nós, não adiantava só capacitar os extensionistas e voltar pra Belém. Poderia não gerar o impacto que a gente esperava, nos locais onde estão os produtores", diz Augusto Cesar da Silveira Andrade, técnico da Embrapa Amazônia Oriental, um dos coordenadores da iniciativa.

A saída foi formar pessoas de dentro das comunidades: lideranças, moradores e até mesmo técnicos que moram na região. Eles são capacitados como agentes multiplicadores, que levam o conhecimento floresta a dentro, como é o caso de Gomes.

"Um técnico seria muito pouco para atuar em comunidades distantes", diz Andrade.

O projeto-piloto ocorre em 55 comunidades de Portel, mas há iniciativas em cidades como Muaná, Breves e até mesmo em Belém.

Nas localidades onde ele conseguiu ser implementando, as técnicas ajudaram a aumentar a qualidade e a produção do açaí, afirma Gomes.

E, com a preservação, outros bioprodutos, além do fruto do açaí e a sua polpa, estão sendo trabalhados, como os óleos de andiroba, pracaxi, patauá e copaíba, todos extraídos de árvores da região.

Desafios

Andrade, da Embrapa, diz que um dos principais desafios foi construir um material didático acessível para as populações ribeirinhas, que fugisse da linguagem dos manuais de formação das Empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater).

"O curso de extensionista tem muitos termos acadêmicos. E no Marajó tem muita gente que não sabe ler. Então, você precisa trabalhar mais com a imagem, por exemplo", conta Andrade.

Os materiais foram sendo testados durante os cursos de formação. "Todo mundo colaborou, ribeirinhos, técnicos, lideranças, cozinheiros, barqueiros", conta.

“Às vezes você leva um recurso, mas não leva baseado na realidade desse povo. Acaba sendo uma falta de respeito, muitas vezes são apenas números. [...] Tem muito povo que pode colaborar com a construção de conhecimento, o que falta é investimento", diz o técnico.

Os bisavôs por parte de pai e mãe de Andrade nasceram na região do Marajó, mas se mudaram para Belém, onde ele nasceu. Quando criança, ele só visitava "a parte turística" do local, como Soure e Salvaterra.

"Lá a gente não vê o que tem em Breves, Portel, onde a situação é mais crítica. Há 30 anos, eu conhecia essas cidades de passagem...quando eu passava com o barco, via as pessoas jogarem pacotes lacrados de comida, roupa, na água e os moradores vinham buscar com a canoa. [...] Eu não tinha ideia de que iria trabalhar nessa região e nem com o manejo do açaí", diz.


Augusto Cesar da Silveira Andrade, técnico da Embrapa Amazônia Oriental, coordenador do Manejaí. — Foto: Arquivo pessoal

Formado pela Escola Agrotécnica Federal de Castanhal, Andrade entrou na Embrapa em 1995 para trabalhar na área de botânica e, com o passar dos anos, começou a trazer a população envolta da unidade onde atua, em Belém, para discutir as tecnologias desenvolvidas pela estatal.

"Isso começou no fundo do prédio, foi crescendo e, em 2009, se desdobrou no Núcleo de Responsabilidade Socioambiental da Embrapa Amazônia Oriental", conta. Essa frente já teve ações como oficinas de compostagem, reciclagem, produção de hortaliças, economia solidária, etc.

Manejo do açaizal

As diferentes espécies de árvores das florestas de várzea, como as da região do Marajó, devem ser preservadas para garantir a nutrição dos açaizais.

As palmeiras de açaí têm raízes mais curtas do que as "suas vizinhas", que conseguem retirar nutrientes de camadas mais profundas do solo, transferindo-os para as suas folhas que, por sua vez, caem em cima dos açaizais, alimentando-os.

A preservação da biodiversidade garante ainda a sobrevivência das abelhas nativas sem ferrão, vitais para a polinização e produção de frutos.

Uma das regras do manejo correto é deixar um espaçamento de 25 metros quadrados entre cada touceira de açaí para permitir a entrada de luz. Nesse espaçamento, é preciso deixar mais 16 espécies.

"Se não entrar luz, o açaí vai crescendo até achar luz e se cresce demais, ele fica fino", diz Andrade.

Integrantes do projeto realizando a medição para o cultivo dos açaizais. — Foto: Arquivo pessoal

É importante que as estipes dos açaizais sejam mais grossas para evitar acidentes na hora da extração. "O manejo adequado reduz o esforço físico e as chances da gente cair das árvores", conta o ribeirinho Teofro Lacerda Gomes.

"O percebemos hoje é que, nas comunidades em que a gente trabalha, a quantidade e a qualidade do fruto cresceram. O cacho é maior, tem árvores mais baixa dando fruto", acrescenta.

Segundo a Embrapa, em áreas sem manejo adequado, a produtividade é de menos 1 tonelada por hectare. Já com as técnicas corretas, essa produção pode chegar até 6 toneladas por hectare.

"A safra do açaí, que vai de junho até outubro, novembro, também está se ampliando, começando um pouquinho antes e acabando um pouco depois", afirma o técnico da Embrapa.

Fruto de açaí colhido pelas comunidades do projeto Manejaí — Foto: Arquivo pessoal

Pandemia

“O Manejaí foi um projeto muito importante para nós, só não deu para avançar mais nas atividades por causa da pandemia", diz Gomes. O intuito é expandir a iniciativa para mais comunidades do Marajó.

Neste momento, está em fase de testes a Central de Comercialização Amazônia, que vai ser um canal de armazenagem e venda dos produtos dos ribeirinhos, reduzindo, assim, a dependência deles de distribuidoras e atravessadores, algo que reduz bastante o ganho pelo produto.

"Já foi feito um escoamento para Belém para ver o tempo [...] A ideia é que eles se apropriem do conhecimento e do acesso a mercados", diz Andrade.

Outro objetivo é envasar os produtos dentro das próprias comunidades, agregando valor de marketing.

Andrade lembra que muitas famílias do Marajó não têm acesso ao básico, como energia elétrica, água potável, saneamento básico, alimento, e que o projeto buscar atuar em algumas dessas frentes.

Foram instalados, por exemplo, pontos de internet em três comunidades da rede Manejaí. E existe um projeto de usina solar, chamado "Roça Solar", que será inicialmente implementado na comunidade de Santo Ezequiel.

O Manejaí é uma das frentes de um projeto maior, chamado Bem Diverso, que atua em outros biomas, como Caatinga e Cerrado, com o mesmo objetivo de preservar a biodiversidade. A iniciativa é feita em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e conta com recursos do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF).

Portal G1



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