Resiliência artesanal no Brasil.

POR LUCAS TERRIBLI

Pandemia favorece conexão direta entre pequenos produtores e consumidores finais e evidencia a maturidade do mercado artesanal brasileiro.  
Lembro de assistir a uma live logo no início da pandemia com um pesquisador de tendências que afirmava categoricamente que ela viria para acabar com o “discursinho dos pequenos produtores artesanais”. “Ninguém mais aguenta esse papo!”, desdenhava. 

Felizmente, ao contrário do anunciado por ele, o que vejo quase um ano depois do início da mudança mais drástica de mentalidade e modo de vida que já enfrentamos é um amadurecimento do mercado artesanal. 

A pandemia veio para aproximar produtores e consumidores finais, encurtando distâncias. Tudo o que queremos saber hoje é quem tocou na nossa comida. E, de preferência, como ela foi cultivada ou preparada.

Através do meu trabalho como comunicador, tento dar voz e alcance às iniciativas que moldam o mercado de acordo com o que acredito. Dias depois do início da pandemia, ouvi de Heloísa Collins, do Capril do Bosque, um pedido de ajuda. Ela havia preparado um grande estoque de queijos, para a feira Sabor Nacional, que ocorreria presencialmente dias depois e acabou sendo cancelada. 

Para dar conta de vender os queijos, além de participar da edição online do evento (que se mostrou um grande sucesso), decidimos reunir outros Produtores Artesanais da Mantiqueira e criamos uma cesta de consumo rápido.

O sucesso foi imediato e, nos meses seguintes, o Capril viu sua loja on-line ganhar cada vez mais representatividade em seu faturamento. “Em um ano desafiador como 2020, o Capril do Bosque cresceu 50%, uma grata surpresa.

E o consumidor final foi o grande responsável por isso: em 2020, nossa loja on-line passou a responder por 32% do faturamento – ante menos de 5% dos anos anteriores”. 

Há outras iniciativas semelhantes, que promovem a curadoria de pequenos produtores artesanais para levá-los em conjunto à casa dos assinantes, como Sacola Brasileira, Brasil na Caixa ou Baskets.  Com essas novas alternativas e dinâmicas de compra, intermediários tradicionais – como os grandes mercados – perdem força; fortalece-se o vínculo entre produtor e consumidor. Entre campo e mesa.

Comer é um ato político, o que colocamos no prato molda o mundo. “O que você alimenta quando se alimenta?”, sempre me perguntavam os amigos do Instituto Ibiá, que faz um incrível trabalho de fortalecimento da agroecologia no Brasil, articulando redes e trazendo apoio a agricultores familiares para que tenham acesso e permanência a uma diversidade de mercados.  Seguindo Gabriela Mazzamatti, diretora do Instituto, o início da pandemia foi marcado por um aumento da demanda de orgânicos por consumidores finais de um lado e pela perda de mercados do outro, sobretudo no fornecimento para restaurantes.

Através da articulação entre redes, operaram projetos emergenciais para o período, incentivando a venda de alimentos excedentes e criando alternativas para momentos mais críticos. Na campanha Rangô SP, por exemplo, destinaram 17 toneladas de alimentos agroecológicos a restaurantes, incumbidos de produzir marmitas doadas a populações em situação de vulnerabilidade social. Uma articulação sagaz para encurtar distâncias e levar legumes e verduras agroecológicos mais longe – e a quem mais precisa.
O consumo de orgânicos, por exemplo, teve aumento de mais de 50%, triplicando a produção do setor no primeiro semestre de 2020, segundo a Associação de Promoção dos Orgânicos (Organis). Mais uma vez, a conexão direta teve papel fundamental nesse desempenho: cestas de orgânicos, listas de transmissão de produtores e Comunidades que Sustentam Agricultura (CSAs) firmaram-se como boas opções para quem quer se alimentar bem – muitas vezes sem a necessidade de sair de casa.

Consumo com alguma frequência os Orgânicos da Roça. Comida fresca, cultivada por agricultores familiares do entorno de São Paulo e distribuída pelo casal Aline Maria Cardoso e Rafael Mesquita, através de vendas feitas por WhatsApp, com entregas semanais. E qual a principal vantagem que vejo de comprar diretamente de quem planta? A mesma garantia de origem que a indústria tenta fantasiosamente vender. Não à toa, a iniciativa que começou com 15 pedidos por semana hoje chega a 90 e garante o sustento de mais de 10 famílias de produtores de São Lourenço da Serra, além de outros parceiros de fora de SP. No início da pandemia, em maio, quando apenas serviços essenciais estavam em funcionamento, a iniciativa chegou a entregar 150 pedidos em uma semana.

Esta tendência vai bem além dos queijos ou vegetais – passa por toda a cadeia produtiva de alimentos, dos chocolates bean to bar aos pães de fermentação natural ou vinhos biodinâmicos. Não é mistério para ninguém que o sistema de alimentação industrial é um dos grandes responsáveis pelos desequilíbrios que geram pandemias como a que vivemos. Repensar nossas escolhas a partir do prato é um dos melhores caminhos para reequilibrar nossa relação com o planeta.

Talvez a pandemia tenha vindo justamente para mostrar que a força está com os pequenos. Que o mercado artesanal brasileiro não apenas está maduro o suficiente para resistir a um terremoto como o que vivemos, mas também ganha espaço com esta necessidade de reconexão. Para que passemos a escolher com mais consciência.

Fonte: Food Fórum

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