Natureza do Brasil do séc XIX é retratada em obra exposta no Louvre

'Floresta virgem do Brasil' traz cenas do passado mas também representa uma mensagem sobre o futuro.

Por Luciano Lima

Muitos artistas representam a natureza do Brasil através da arte. Um desses trabalhos pode ser visto na obra "'Floresta virgem do Brasil", de autoria do francês Charles Clarac, exposta hoje no Museu do Louvre, o maior museu de arte do mundo e monumento histórico da França. Na coluna "Histórias Naturais" , o biólogo Luciano Lima conta a história desse desenho e do quanto ele chama a nossa atenção para a realidade atual das nossas matas.

A data é final de agosto de 1819. O lugar: Paris. Passeando pela edição daquele ano de um dos eventos de arte mais tradicionais do mundo, o "Salon de Paris", você teria o privilégio de admirar centenas de obras de arte selecionadas por um exigente júri.

Entre elas a pintura "A Balsa da Medusa", de Théodore Géricault, e também "A Grande Odalisca", de Dominique Ingres. Em um dos corredores, um pequeno grupo de pessoas em frente a uma outra obra lhe chamaria atenção. Ao se aproximar você provavelmente ficaria de boca aberta ao ver um desenho medindo cerca de 60 x 85 cm. A obra, intitulada "Floresta virgem do Brasil", mesmo em tons monocromáticos, capturava a atenção de todos que passavam pela riqueza de detalhes.

A cena é impressionante. Um riacho corta o interior da floresta enquanto raios de sol penetram pelas sombras da vegetação criando um grande contraste de luz. No canto esquerdo, aos pés de uma gigantesca árvore, um indígena está prestes a flechar um quati, que é encarado a pouca distância por uma grande serpente. Não muito longe, um casal de indígenas acompanhados por um cachorro está cruzando o riacho sobre um enorme tronco caído.

O homem, na frente e aparentemente apressado, aponta o caminho, sendo acompanhado de perto por uma mulher que carrega um bebê no colo. A imagem transmite uma grande curiosidade, levando-nos a perguntar o que estaria acontecendo com o casal, ao mesmo tempo que hipnotiza a visão pelos infinitos detalhes da vegetação da floresta.

De autoria do francês Charles Clarac, o Conde de Clarac, "Floresta virgem do Brasil" começou a ser produzida na Mata Atlântica e foi concluída na Europa. Em 1816, o Duque de Luxemburgo foi enviado ao Brasil em missão diplomática pelo Rei Luis XVIII da França, sendo na ocasião acompanhado por uma delegação científica e artística.

Entre os membros do grupo, além de Clarac, estava o famoso botânico Auguste de Saint-Hilaire, que iria permanecer mais de seis anos no Brasil pesquisando extensivamente nossa flora. Clarac permaneceu apenas alguns meses por aqui, retornando no mesmo ano para Europa, mas teve tempo de visitar as florestas da região do atual município de Rio Bonito, próximo a cidade do Rio de Janeiro. Em meio à mata realizou diversos rascunhos que iriam ser a base da obra apresentada anos depois no Salão de Paris.

As qualidades artísticas de "Floresta virgem do Brasil" foram muito elogiadas pela crítica, mas a obra ecoou também fora do mundo das artes. Nas palavras do famoso naturalista alemão Alexander von Humboldt, "nada se compara ao sentimento de veracidade com o qual Clarac foi capaz de transpor para o papel a majestosa variedade de formas (das plantas) da Zona Tórrida (uma referência a região tropical)". Para alcançar a acurácia botânica da cena aclamada por Humboldt, além dos rascunhos produzidos em meio a própria floresta no Brasil, Clarac contou com outra ajuda importante. Já na Europa, ele foi visitar um outro importante personagem ligado ao estudo da biodiversidade brasileira no século XIX, o príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied.

Wied, que empreendeu uma grande expedição naturalista pelo Brasil entre 1815 e 1817, mantinha em seu castelo um grande acervo de plantas tropicais, o qual foi muito pesquisado por Clarac. Como resultado de tanta dedicação, "Floresta virgem do Brasil" foi considerada uma das primeiras imagens a fazer justiça a grandeza das florestas tropicais e assim influenciou diversos outros artistas que se dedicaram a transpor para o papel ou para tela a natureza tropical, entre eles nomes como Debret, Rugendas e von Martius.

No último dia 17, celebramos o Dia de Proteção às Florestas. Uma consulta ao Atlas de Remanescentes da Fundação SOS Mata Atlântica revela que atualmente em Rio Bonito restam apenas 16% de área de Mata Atlântica original. Dessa forma, é muito provável que o trecho de mata que inspirou "Floresta virgem do Brasil" já não exista mais. Apenas entre 2019 e 2020 a Mata Atlântica perdeu uma área equivalente a mais de 13 mil campos de futebol. Nesse ritmo, corremos o risco de que as futuras gerações conheçam as florestas brasileiras apenas por obras como a de Clarac, que apesar de lindíssima, consegue abrigar a natureza apenas no papel.

*Luciano Lima é ornitólogo e faz parte da equipe do Terra da Gente

Fonte G1

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