O SABOR QUE VEM DA TERRA: MANDIOCA, FARINHADA E CASA DE FARINHA

As casas de farinha dizem muito da história e da cultura de Conde. A utilização da mandioca e da macaxeira como alimento é um hábito dos indígenas (povos originários) desde os tempos pré-coloniais e o seu consumo é percebido hoje sob a forma de diversos produtos, especialmente da farinha e da tapioca. 

Além disso, o cultivo e manipulação destes tubérculos têm a capacidade de movimentar diversas dimensões da cultura: economia, agronomia, gastronomia, sociabilidades, tecnologia, etc. 

Em Conde os indígenas Tabajara pediram a concessão da sesmaria da Jacoca com base na atividade agrícola de plantio de mandioca e até hoje podemos ver ao longo do município diversos roçados dela, desde pequenas a grandes propriedades. 

A Equipe do Inventário teve a oportunidade de participar de uma farinhada realizada na casas de farinha, localizada em Mituaçú, na propriedade da família de Seu Zé Pequeno. Podemos participar de algumas etapas do processo e conversar com algumas pessoas que estavam preparando a farinha, a goma e o beiju.

Macaxeira ou mandioca?

A macaxeira é a espécie que pode ser ingerida com o simples cozimento. Já a mandioca não pode ser consumida da mesma forma. Para seu consumo deve ser executada uma série de etapas em que se retira o veneno (ácido cianídrico) para depois ser utilizada no preparo da farinha.  
Todo este preparo é desenvolvido dentro das casas de farinha. Descascar, moer, espremer o caldo, peneirar a massa e assar (ou torrar), são as principais atividades da farinhada.

As técnicas de manuseio de cada uma destas etapas são transmitidas no local através da prática e das trocas que acontecem no ambiente. Ao mesmo tempo que é feito o trabalho, ocorrem sociabilidades de diversas formas: as conversas são colocadas em dia, as lembranças são peneiradas nas histórias, os problemas são resolvidos na prensa onde a manipueira (líquido da mandioca) leva de volta para a terra o caldo venenoso.

A tecnologia e as técnicas da casa de farinha


Algumas modificações foram feitas através da inclusão da tecnologia dos colonizadores. Uma outra casa de farinha (localizada na Pousada de Conde), também inventariada pela Equipe, possui a maior parte do sistema mecanizado (semi-industrial) - até as pás para mexer a farinha são motorizadas (eletricidade).

Nas casas de farinha mais simples, como é o caso dessa localizada em Mituaçú, encontramos apenas o moedor/ralador como maquinário elétrico. A prensa com roldanas foi inserida como forma de acelerar e otimizar o processo de retirada do caldo. Contudo, em algumas comunidades indígenas de outras localidades do Brasil e do mundo ainda utilizam a prensa feita de palha, chamada de tipiti. O forno foi aperfeiçoado pela engenharia e modernizado com as chapas de ferro, mas é abastecido com lenha e palha de coqueiro. Apesar dessas transformações, algumas das pessoas que entrevistamos ainda se lembram das pedras de areia na farinha que era feita nos fornos de barro. Segundo alguns interlocutores, um dos trabalhos mais cansativos é o de mexer a farinha que está na chapa de ferro para assar. A pá (ou rodo) de madeira tem que ser grande o suficiente para ter contato com toda a chapa, que geralmente possui cerca de 4 metros quadrados de área, com um altura de um metro. Quem fica responsável pela pá tem que manter o movimento constante (chamado de traçado) para que a farinha não queime. Além disso, deve estar em constante comunicação com quem está colocando a lenha no fogo para distribuir bem o calor em todo forno. 

Ao final da produção da farinha, aproveitando o calor do forno, são feitos beijus com a goma (massa fina da mandioca decantada na água) misturada ou não com côco ralado. Neste momento mais pessoas se aproximam do forno para a produção manual dos beijus. Cada um utilizando de técnicas pessoais, pois os beijus podem variar de tamanho, altura e formato, mas de preferência circular.

Neste momento percebe-se a alegria do trabalho feito e do produto manufaturado que servirá para alimentar a família por um bom tempo.
Por último, mas não menos importante, devemos lembrar da conga - o percentual da produção que fica para o proprietário da casa de farinha. Geralmente é 20% do que foi produzido, mas esse valor é sempre negociável e flexível, dependendo do laço de amizade e da quantidade de farinha produzida.


Assim como as casas de farinha e a farinhada, outras formas de lazer e trabalho retratam a cultura de Conde. Desta forma, se você tiver algo para compartilhar com a equipe do Inventário Cultural, entre em contato conosco: ivconde@funetec.com



Casa de farinha em movimento: momento de trocas simbólicas e materiais. A foto foi tirada ao final da farinhada, no preparo dos beijus (Foto: Lucas Peregrino/Inventário Cultural)

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