Quem eram as sinhás negras, ex-escravas ricas que tinham também os seus escravos.
Antropólogo Antonio Risério discute trajetórias singulares em ensaio histórico sobre os períodos colonial e imperial
Por João Gabriel Telles
“Poucos se libertaram considerando o total de africanos importados e um número ainda menor conseguiu prosperar. Era um fenômeno sobretudo urbano, em que a escravidão de ganho permitia que o escravizado acumulasse uma poupança após muitos anos de trabalho duro e pudesse assim comprar sua alforria”, ele diz.
Com esse tipo de escravidão, em que os senhores mandavam seus cativos à rua para trabalhar em serviços diversos, cobrando por seus rendimentos, algumas mulheres enriqueceram. “Eram mulheres que ganhavam dinheiro principalmente no pequeno comércio. Elas monopolizavam as quitandas, as vendas, os tabuleiros”, diz Antonio Risério. “E, à medida que enriqueciam, elas investiam em imóveis para alugar e terrenos para as macumbas.”
Algumas dessas mulheres estão por trás da criação de importantes terreiros de candomblé da cidade. É o caso das já mencionadas ialorixás Marcelina Obatossí e Yá Nassô, ambas sacerdotisas da Casa Branca do Engenho Velho, lugar até hoje atuante.
Criticando uma visão "esquemático-maniqueísta" do Brasil e uma visão “esquemático-idealizante” da África negra por parte de “militantes racialistas”, Risério afirma que “as coisas aqui eram bem mais ricas e complexas do que costuma imaginar quem fica preso no padrão dicotômico, na visão de um mundo rigorosamente dividido entre senhores brancos e escravos negros, porque as mulheres eram escravas e viraram senhoras de escravos”. Na sua visão, “qualquer antropólogo, ao andar por ruas brasileiras, vê que quase todo mundo é mestiço”.
No entanto, chama a atenção que em nenhum momento do livro Antonio Risério emprega o termo “racismo” ou se detém numa análise sobre as desigualdades raciais existentes na época. Ele afirma que já disse tudo o que pensa sobre o assunto no livro “A Utopia Brasileira e os Movimentos Negros”, publicado pela editora 34 em 2007, e que em seu último trabalho tratou das questões raciais no contexto das desigualdades sociais.
Com vasta vivência em meio às religiões de matriz africana, Risério publicou em 1996 o livro “Oriki Orixá”, pela Perspectiva, uma coletânea de cantos sagrados traduzidos do iorubá. Depois de 25 anos, o autor volta ao registro poético com “Outrossim” com a Editora de Los Bugres, uma antologia de poemas autorais que abarca mais de 40 anos de produção.
Influenciado pelo princípio da devoração crítica de Oswald de Andrade, escritor modernista, Risério não se furta a misturar poesia concreta com o universo dos orixás e poesia indígena. “Eu vivo num mundo mestiço do plano biológico ao cultural. E, na medida em que isso se transforma em matéria de minha personalidade, aparece nos poemas que escrevo.” Se o autor fosse escrever um poema sobre sua própria obra, o resultado seria uma ode ao sincretismo.
Fonte: Folha de São Paulo
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