REGISTROS DA CULINÁRIA BAIANA TRADICIONAL

Sobre o autor

Manuel Querino (1851-1923) foi um dos primeiros intelectuais afro-brasileiros a documentar e valorizar as contribuições culturais, históricas e sociais dos negros no Brasil. Ele nasceu em Santo Amaro, na Bahia, e dedicou sua vida a diferentes áreas, como política, educação, arte e história. Querino é reconhecido como um importante pioneiro na valorização da cultura afro-brasileira, especialmente no campo da culinária.

Querino é amplamente reconhecido como um precursor dos estudos afro-brasileiros. Apesar das críticas, sua obra é vista como uma contribuição inestimável para a historiografia e para a luta por igualdade racial no Brasil. Sua capacidade de desafiar as narrativas dominantes e lançar luz sobre a riqueza da cultura afro-brasileira continua a inspirar novos estudos e reflexões.

Sua obra "A Arte Culinária na Bahia", publicada postumamente em 1928 (com reedição em 1957), é um marco na preservação da culinária tradicional baiana. Nesse livro, Querino reúne receitas e descrições detalhadas dos pratos típicos da Bahia, como acarajé, vatapá, caruru e outras iguarias que têm raízes profundas nas culturas africanas trazidas pelos escravizados. Ele destaca o papel das mulheres negras, especialmente as quituteiras, como guardiãs dessa tradição.

A importância da obra reside no fato de ser um dos primeiros registros sistemáticos da culinária baiana como patrimônio cultural. Querino não apenas descreve os pratos, mas também contextualiza suas origens históricas e culturais, mostrando a influência africana e a sinergia com ingredientes locais brasileiros.

Querino não usava diretamente o termo "descolonização", mas ao valorizar a culinária baiana, que tem raízes profundas nas tradições africanas, ele efetivamente participou de um processo de ressignificação da cultura negra. 

Ao defender a importância desses elementos, Querino ajudava a contestar a visão eurocêntrica dominante e a revalorizar a contribuição africana, o que pode ser visto como uma forma de resistência cultural e de "descolonização" no sentido de recuperar e destacar a importância das tradições africanas.

Ao destacar a culinária baiana, Manoel Querino, de certa forma, contribuiu para processos que hoje entendemos como descolonizadores, ao reafirmar a importância de aspectos da cultura negra na formação da identidade brasileira.

O texto explora a variedade de doces, tanto em calda quanto secos, que ainda hoje são valorizados, especialmente os feitos com frutos típicos do país, como araçá, laranja da terra, caju, jenipapo, limão, cidra, banana, abacaxi, manga, mangaba, entre outros.

Entre os doces secos, destaca-se a presença de produtos como o pão-de-ló, o bolo inglês, sequilhos, pastéis e bolachinhas de goma.

INVENTANDO A CULINÁRIA BAHIANA

Ao defender a importância desses elementos, Querino ajudava a contestar a visão eurocêntrica dominante e a revalorizar a contribuição africana, o que pode ser visto como uma forma de resistência cultural e de "descolonização" no sentido de recuperar e destacar a importância das tradições africanas.

Ao destacar a culinária baiana, Manoel Querino, de certa forma, contribuiu para processos que hoje entendemos como descolonizadores, ao reafirmar a importância de aspectos da cultura negra na formação da identidade brasileira.

Importante ressaltar que Manoel Querino via a culinária como um ofício, regime corporativo (unidades de produção artesanal, baseadas no princípio da hierarquia: mestres, oficiais e aprendizes) e isso era parte de sua visão mais ampla sobre o papel dos africanos e seus descendentes na construção da sociedade brasileira.

Em sua obra "A Arte Culinária na Bahia" (1928), ele documenta a importância dos africanos escravizados e seus descendentes na preservação e desenvolvimento da culinária baiana, mostrando como esses trabalhadores, em sua maioria mulheres negras, dominam esse campo de atuação.

Querino tratava a culinária no sentido de que a produção e o preparo dos alimentos demandavam habilidades específicas desses povos, e mereciam ser valorizadas socialmente.  

Aspectos positivos da obra de Manoel Querino

•Pioneirismo na valorização da cultura afro-brasileira:

Querino foi um dos primeiros autores a destacar a importância das contribuições dos afrodescendentes na formação cultural, social e econômica do Brasil. Livros como A Arte Culinária na Bahia e Os Trabalhadores do Brasil documentam e valorizam aspectos da cultura negra, rompendo com o eurocentrismo da época.

•Perspectiva sociológica inovadora:

Em Os Trabalhadores do Brasil, Querino desafiou narrativas racistas e elitistas, apresentando os afrodescendentes como agentes centrais do desenvolvimento econômico e cultural do país, especialmente no período colonial.

•Compromisso com a história oral:

Ele valorizou relatos orais como fonte histórica, uma prática que se tornou mais difundida na historiografia posterior, mas que na época era pouco comum.

Críticas à obra de Manoel Querino

Falta de rigor acadêmico:

Apesar de seu pioneirismo, algumas críticas apontam que Querino não seguia métodos acadêmicos rigorosos para suas análises. Suas obras, frequentemente baseadas em observações e testemunhos, foram vistas como menos sistemáticas em comparação aos padrões historiográficos contemporâneos.

•Visão idealizada do passado afro-brasileiro:

Alguns críticos argumentam que Querino idealizou o papel dos afrodescendentes, buscando compensar os preconceitos da época com uma visão excessivamente romântica e pouco crítica de sua contribuição.

•Enfoque limitado:

Sua abordagem às vezes foi vista como restrita, concentrando-se principalmente na Bahia e em determinados aspectos culturais e econômicos, o que deixou de fora outras regiões e contextos afro-brasileiros.

•Marginalização no cânone intelectual brasileiro:

Muitos estudiosos observam que, apesar de sua importância, Querino não foi devidamente integrado ao cânone intelectual brasileiro, o que reflete não tanto limitações de sua obra, mas preconceitos da época em relação a autores negros.

Os autores analisam o papel de Querino na preservação e divulgação da cultura alimentar afro-brasileira, evidenciando como ele interpretou a cozinha baiana como um reflexo das tradições africanas adaptadas às condições do Brasil colonial. Querino não apenas valorizou os pratos típicos, mas também compreendeu sua relação com o contexto histórico, as práticas religiosas e a identidade do povo baiano.

A obra é uma leitura essencial para quem deseja entender a origem e a importância da culinária baiana no panorama cultural brasileiro, sendo um estudo que une antropologia, história e culinária tradicional da Bahia .


○Nesta série, apresentarei títulos fundamentais que resgatam a riqueza da culinária baiana. Receitas que são registros históricos obtidos por meio de pesquisas em acervos, bibliotecas e antigos cadernos de receitas, que oferecem uma compreensão mais profunda da nossa cultura alimentar e explicam por que ela é considerada tão diversa e única.

Agradecimento especial à Mary Santana, e do acervo Valdeloir Rego da Biblioteca Central dos Barris.

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