COMO SYDNEY MINTZ PENSARIA OS DILEMAS ALIMENTARES CONTEMPORANEOS?
Ao contrário de alguns antropólogos, ele sentia que a disciplina precisava ser fundamentada na história e, às vezes, tinha implicações políticas.
Mintz causou choque acadêmico quando relacionou o gosto por doces na Grã-Bretanha com a escravidão, a ascensão do capitalismo e o expansionismo imperial.
E não estava errado, em Sweetness and Power (1985), ele demonstrou como o açúcar se tornou um produto central na economia mundial, ligando escravidão, colonialismo e industrialização.
Ele declarou sua própria abordagem ao assunto em seu site pessoal:
“O assunto da comida ou hábitos alimentares revela, assim como qualquer coisa, o poder da cultura ou tradição cumulativa, para moldar o comportamento alimentar. Por causa de sua capacidade de usar ferramentas e, eventualmente, de fazer e controlar o fogo, os humanos começaram a quebrar os elos entre nossa natureza animal e a comida que comíamos... As comidas de diferentes povos, moldadas pelo habitat e por nossa história, se tornariam um marcador vívido de diferença, símbolos tanto de pertencimento quanto de exclusão.”
Mintz provavelmente analisaria a globalização e hibridização culinária dentro da mesma lógica que usou para estudar o açúcar: como um processo histórico ligado ao capitalismo, ao poder e à mudança cultural. Hoje, ele veria a circulação global de ingredientes, receitas e tradições culinárias como um fenômeno que reflete tanto o intercâmbio cultural quanto as dinâmicas desiguais de poder e consumo.
Se estivesse vivo hoje, Mintz completaria 103 anos e, como um dedicado antropólogo alimentar, certamente estaria interessado em fenômenos contemporâneos como a globalização e a hibridização culinária. Ele provavelmente se dedicaria a estudar o papel das redes sociais e digitais nas transformações das práticas culinárias locais, além de explorar as implicações das mudanças climáticas nas tradições alimentares e nos sistemas alimentares globais.
Globalização e hibridização culinária– Ele analisaria como as culturas alimentares estão se misturando devido ao comércio global, migração e internet. O fenômeno do "fast food global" e a gourmetização de comidas populares poderiam fasciná-lo.
Estaria interessado em como alimentos antes regionais se tornaram globais. Ele veria, por exemplo, o sushi vendido em supermercados dos EUA ou o kimchi popularizado na Europa como resultado de um mercado globalizado que reconfigura tradições culinárias. Assim como o açúcar foi transformado de um produto de elite para um item básico no mundo todo, muitos pratos estão passando por processos semelhantes de massificação.
Mas ele também se perguntaria: quem se beneficia dessa difusão? As comunidades que criaram esses alimentos estão lucrando ou estão sendo marginalizadas no processo? A culinária tradicional está sendo apropriada por grandes cadeias que vendem versões diluídas para atender ao gosto ocidental?
Fast Food Global x Tradição Local
Outra questão central para Mintz seria o impacto do fast food e das redes globais de alimentação na culinária tradicional. Ele analisaria como a presença de McDonald's, Starbucks e KFC em países como China, Brasil ou Índia está transformando hábitos alimentares locais. No entanto, longe de ver isso apenas como um fenômeno de "homogeneização cultural", ele provavelmente notaria que esses produtos são adaptados aos gostos locais—como o McDonald's na Índia sem carne bovina ou a adição de kimchi em hambúrgueres na Coreia do Sul.
Ele também destacaria que esse processo de adaptação não é unilateral. Enquanto marcas globais se adaptam a mercados locais, as cozinhas locais também incorporam ingredientes, técnicas e conceitos estrangeiros. A fusão de comida mexicana com fast food nos EUA (como os tacos Tex-Mex), ou o sucesso do pão francês no Vietnã (Bánh Mì), seriam exemplos perfeitos dessa troca constante.
O Papel da Internet e das Redes Sociais
Nos tempos de Mintz, a globalização culinária dependia do comércio, da imigração e da colonização. Hoje, a internet acelera esse processo. O TikTok, YouTube e Instagram transformam receitas locais em tendências globais em questão de dias,
Ele provavelmente analisaria como as redes sociais influenciam o que consideramos "autêntico" e como isso afeta a identidade cultural. Quem tem o direito de representar uma culinária? Quem decide o que é "tradicional" ou "moderno"? Ele poderia criticar a superficialidade com que muitas cozinhas são apresentadas, reduzidas a modismos ou simplificadas para serem mais acessíveis a um público global.
Indústria Alimentícia e Poder Corporativo – Como crítico da relação entre produção alimentar e poder, Mintz talvez estudasse as megaempresas que dominam a alimentação global, desde redes de fast food até gigantes como Nestlé e Monsanto.
Sustentabilidade e Mudanças Climáticas – Dado que ele estudava os impactos históricos da produção de alimentos, ele certamente consideraria como o desmatamento para monoculturas, a pesca predatória e a pecuária industrial afetam a ecologia e as relações de trabalho.
Sidney Mintz, com seu olhar crítico sobre a relação entre comida, poder e economia, certamente veria a sustentabilidade e as mudanças climáticas como questões centrais para o futuro da alimentação global. Ele entenderia esses desafios não apenas como problemas ambientais, mas também como reflexos da desigualdade global e das estruturas de dominação que moldam os sistemas alimentares.
A Produção Industrial de Alimentos e Seus Impactos
Mintz estudou como a produção de açúcar foi impulsionada pelo colonialismo e pela exploração da mão de obra escravizada. Se estivesse vivo, ele provavelmente veria um paralelo na monocultura de soja, milho e óleo de palma—culturas que destroem florestas tropicais, esgotam o solo e contribuem para o desmatamento em países como Brasil, Indonésia e Argentina.
Ele criticaria o impacto da pecuária industrial, que consome vastos recursos de água e terra e gera grandes emissões de gases de efeito estufa. Como estudioso da relação entre comida e economia global, ele questionaria: quem realmente lucra com esse modelo de produção?
Provavelmente, ele apontaria que o mesmo sistema que explorou trabalhadores e territórios para produzir açúcar, café e cacau no passado agora faz o mesmo com carne, soja e biocombustíveis.
Quem Sofre Mais com as Mudanças Climáticas?
Mintz sempre analisou as desigualdades nas cadeias de produção alimentar. Ele perceberia que os países mais afetados pelas mudanças climáticas são justamente aqueles que historicamente foram explorados pelo colonialismo alimentar—como ilhas do Caribe, nações africanas e partes do Sudeste Asiático.
Ele estudou as economias caribenhas e entenderia como eventos extremos, como furacões e secas, impactam as pequenas comunidades agrícolas. Ele poderia argumentar que essas populações, que menos contribuíram para a crise climática, são as que mais sofrem seus efeitos, enquanto as grandes corporações do agronegócio seguem lucrando.
O Dilema da Segurança Alimentar
O aquecimento global já está afetando a produção de alimentos, reduzindo colheitas de trigo, arroz e café devido ao aumento das temperaturas e à escassez de água. Mintz, que sempre conectou comida e política, perguntaria: quem terá acesso à comida no futuro?
Ele provavelmente criticaria a forma como países ricos garantem seus estoques alimentares enquanto deixam nações pobres vulneráveis a crises de fome. O controle de sementes por grandes empresas, como a Monsanto, poderia ser um ponto de interesse para ele, já que afeta a autonomia alimentar dos pequenos agricultores.
Se por um lado Mintz reconheceria a urgência da transição para práticas mais sustentáveis—como a agroecologia, o consumo de proteínas alternativas e a redução do desperdício—ele também analisaria as barreiras estruturais para essa mudança, ele poderia questionar se o movimento de "comida sustentável" não está se tornando um privilégio de elites urbanas do Norte Global, enquanto comunidades mais pobres continuam dependendo de produtos industrializados baratos, que são ambientalmente prejudiciais.
Mintz e o Futuro da Alimentação
Mintz provavelmente argumentaria que a crise climática exige uma transformação profunda no sistema alimentar global, indo além de pequenas mudanças no consumo individual. Ele veria a necessidade de reformular a relação entre agricultura, meio ambiente e justiça social, garantindo que a sustentabilidade não seja apenas uma questão de marketing para grandes empresas, mas sim um direito acessível a todos.
Seus estudos nos ensinam que as mudanças nos hábitos alimentares não acontecem isoladamente, mas dentro de contextos históricos e políticos. Se estivesse vivo, ele nos desafiaria a pensar: quem controla a comida e a terra? Quem paga o preço da destruição ambiental? E como podemos construir um futuro alimentar mais justo?
Políticas de Saúde e Consumo – Com a explosão de ultraprocessados, o Darwinismo Alimentar e a crise da obesidade, diabetes e outras doenças ligadas à alimentação, Mintz poderia analisar como as políticas públicas e o marketing moldam o que comemos.
Poder, Identidade e Neocolonialismo Culinário
Por fim, Mintz provavelmente veria a hibridização culinária como parte de um sistema maior de relações de poder.
Ele possivelmente investigaria como práticas agrícolas, sistemas de produção e cadeias de suprimentos mantêm desigualdades entre países do Norte e do Sul global, uma continuação dos padrões que ele analisou na era colonial.Ele investigaria como ingredientes e técnicas de povos indígenas, africanos e asiáticos são frequentemente apropriados por chefs ocidentais de prestígio sem reconhecimento das culturas que os criaram.
Ele também questionaria se a globalização alimentar realmente beneficia a todos. Se por um lado há uma maior diversidade de sabores disponíveis para o consumidor urbano global, por outro, muitos pequenos produtores perdem espaço para corporações multinacionais. A quinoa, por exemplo, antes um alimento básico dos povos andinos, se tornou um produto gourmet exportado para o Ocidente, aumentando seu preço e dificultando o acesso dos próprios agricultores que a cultivam.
Sidney Mintz provavelmente veria a hibridização culinária como uma consequência inevitável da globalização, mas não romantizaria o processo. Ele exploraria suas contradições: enquanto novos sabores e pratos surgem da fusão cultural, também há desigualdade, apropriação e perda de identidades gastronômicas locais.
No geral, Mintz provavelmente continuaria a questionar como a comida reflete relações de poder e economia global. Ele veria o sistema alimentar contemporâneo como uma continuidade da história que ele ajudou a desvendar.
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