A EVOLUÇÃO DA COMIDA AFETIVA
Anna Goldfield é uma arqueóloga e comunicadora científica que explora a relação entre comida e emoções humanas. Em seu artigo "The Evolution of Comfort Food" publicado na SAPIENS, ela discute como certos alimentos, conhecidos como "comfort foods" ou "comidas reconfortantes", estão profundamente ligados a tradições culturais e memórias familiares, evocando sentimentos de segurança e bem-estar.
Os primeiros humanos, assim como os animais, evoluíram para gostar do sabor das coisas que eram boas para eles e para achar coisas que faziam mal — de plantas venenosas a carne podre — desagradáveis. As primeiras escolhas alimentares eram motivadas pelo que estava sazonalmente disponível e cheio de calorias .
Nosso desejo por açúcar, que hoje pode causar obesidade e outros problemas de saúde, decorre de uma vantagem evolutiva para pessoas que comiam alimentos ricos em energia. Com o tempo, as pessoas também descobriram alimentos que eram medicinalmente úteis , agiam como conservantes ou agentes antimicrobianos , ou simplesmente tinham um gosto bom.
Essas comidas reconfortantes frequentemente nos remetem a experiências passadas, como pratos preparados por familiares, que proporcionam uma sensação de conforto emocional.
No entanto, é importante notar que muitos desses alimentos são ricos em calorias, açúcares e gorduras, o que pode representar desafios para uma alimentação saudável.
Para equilibrar o conforto emocional e afetivo à saúde nutricional, é possível adaptar receitas tradicionais, tornando-as mais saudáveis sem perder o apelo afetivo. Por exemplo, substituir ingredientes por opções mais nutritivas ou métodos de preparo mais saudáveis pode manter o valor emocional do prato enquanto promove uma alimentação equilibrada.
Ao integrar o conceito de comida reconfortante com escolhas alimentares saudáveis, podemos criar uma dieta que nutre tanto o corpo quanto a mente, promovendo bem-estar físico e emocional.
Essa abordagem multidiciplinar pode envolver:
História: O estudo de práticas alimentares passadas, os ingredientes disponíveis em diferentes períodos e culturas, e como tradições culinárias evoluíram ao longo do tempo.
Biologia: A relação entre nossos sentidos (olfato, paladar, visão) e a química dos alimentos, além de fatores genéticos que afetam nossa percepção do gosto.
Cultura e memória: A comida caseira é profundamente influenciada por tradições familiares e regionais, que criam uma ligação emocional e histórica com os sabores.
Esse olhar holístico sobre o sabor vai além da comida em si, ajudando a entender como os humanos constroem significados em torno do ato de comer.
Na perspectiva da psicanálise, a alimentação afetiva e reconfortante está profundamente enraizada na relação primária entre o bebê e a mãe (ou cuidador), especialmente no ato de amamentar. Este momento inicial de nutrição não é apenas físico, mas também emocional, pois envolve contato, acolhimento, segurança e amor. Essa experiência funda a relação entre comida, afeto e prazer, moldando nossa capacidade de nos conectar emocionalmente com os outros ao longo da vida.
Conexões emocionais pela ótica psicanalítica:
•Comida como ponte para o inconsciente: Certos alimentos podem evocar memórias e sentimentos armazenados no inconsciente, associados a momentos de conforto ou de vínculo afetivo. Por exemplo, um prato típico da infância pode resgatar lembranças de acolhimento familiar, reforçando o sentido de pertencimento e segurança.
•Relação com o “objeto” de cuidado: A comida, na psicanálise, pode ser vista como um "objeto transicional" que simboliza a presença do outro. Assim como o bebê se acalma ao ser alimentado, os adultos encontram conforto em alimentos que simbolizam cuidado, preenchendo lacunas emocionais ou saudades de momentos significativos.
•Alimentos como contenção emocional: Quando estamos emocionalmente vulneráveis, alimentos reconfortantes podem atuar como substitutos simbólicos para lidar com a angústia ou ansiedade. Este vínculo pode ser saudável, desde que os alimentos sejam usados para acolher emoções e não para reprimir ou evitar conflitos emocionais.
•Ritual social e afeto: A alimentação afetiva, especialmente em contextos familiares ou culturais, promove encontros e compartilhamento. Segundo a psicanálise, esses momentos de comunhão reforçam a ideia de que os vínculos humanos são sustentados pela repetição de experiências simbólicas que fortalecem o coletivo e o individual.
•Reconstrução da memória e ressignificação: Ao resgatar receitas familiares ou tradições alimentares, é possível reconstruir a narrativa emocional de um indivíduo ou grupo, trabalhando aspectos como identidade, pertencimento e reconexão com o passado.
Integração emocional e saúde
Embora a psicanálise reconheça o valor afetivo dos alimentos, ela também sugere a necessidade de equilibrar a relação emocional com a comida. Quando este vínculo se torna excessivamente dependente (como em casos de compulsão alimentar), pode indicar uma tentativa de preencher vazios emocionais mais profundos que precisam ser elaborados em um espaço terapêutico.
Assim, ao integrar a alimentação afetiva com reflexões sobre nossos vínculos emocionais e necessidades inconscientes, é possível usar a comida não apenas como fonte de nutrição, mas como um veículo para fortalecer as conexões emocionais e promover maior autocompreensão.
Anna Goldfield é uma podcaster, escritora científica, ilustradora, arqueóloga e criadora de todos os tipos de conteúdo para introduzir as pessoas ao estudo do mundo ao nosso redor e seu passado. Anna trabalha no podcast de ciência infantil Brains On! e apresenta o popular podcast de arqueologia The Dirt .
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