MEMÓRIA, DOCUMENTAÇÃO E REGISTROS NA CULINÁRIA DOS POVOS TRADICIONAIS

As ciências humanas têm insistido nas possibilidades que a alimentação oferece para a análise de dimensões educativas, culturais, simbólicas e sociais.

De forma cada vez mais frequente, a comida se manifesta como uma categoria importante para a compreensão tanto de políticas e práticas de formação em espaços escolares e não-escolares, como também de saberes populares, do trabalho e da cultura de diferentes grupos sociais.

Nesse sentido, o termo “comer”, diferentemente de “alimentar-se”, implica em um ato social, na medida em que constitui e é constitutivo de “atitudes ligadas aos usos, costumes, protocolos, condutas e situações”, conforme salientou Carlos Antunes dos Santos (2005, p. 12).

Para ele, o alimento é uma categoria histórica que carrega vestígios dos padrões de permanências e mudanças dos hábitos e das práticas alimentares, referenciais importantes da cultura humana.

Os registros culinários desempenham um papel fundamental nas comunidades quilombolas e tradicionais, pois representam um elo entre passado, presente e futuro, preservando a memória cultural, os saberes ancestrais e a identidade coletiva dessas comunidades. 

Ele argumentava que os alimentos e suas formas de preparo vão além do aspecto nutritivo, funcionando como meios de comunicação e construção de identidade cultural. A famosa tríade culinária de Lévi-Strauss — o cru, o cozido e o podre — é uma forma de demonstrar como os povos organizam o mundo em categorias simbólicas a partir de práticas alimentares.

No contexto dos povos tradicionais, a culinária está profundamente enraizada na memória coletiva, funcionando como uma maneira de transmitir conhecimentos, histórias e valores entre gerações. A documentação e o registro das práticas culinárias desses povos têm uma importância vital para preservar sua herança cultural, especialmente diante da globalização e da ameaça de apagamento de tradições.

Os pratos, os modos de preparo, os utensílios e até mesmo os rituais associados à alimentação carregam significados que vão além da mera prática diária de comer. Eles revelam relações com a natureza, cosmologias, sistemas de parentesco e os modos como esses povos interagem com seu ambiente. Assim, estudar e registrar essas práticas não é apenas um ato de valorização, mas também uma forma de resistir à homogeneização cultural e ao desaparecimento das particularidades dessas comunidades.

A documentação dessas práticas impede que saberes se percam diante das mudanças sociais e econômicas ou da influência de culturas externas.

Registrar as práticas culinárias reconhece a importância dos saberes tradicionais, muitas vezes desvalorizados ou ignorados pela sociedade.

A valorização desses registros ajuda a combater estigmas e promover o respeito às comunidades.

Registros culinários, sejam eles orais, escritos ou audiovisuais, servem como ferramentas educativas, permitindo que as novas gerações aprendam e perpetuem as tradições.

As práticas culinárias são um reflexo da história das comunidades quilombolas e tradicionais, transmitindo conhecimentos sobre os alimentos, técnicas e modos de preparo herdados de seus antepassados.

A documentação dessas práticas impede que saberes se percam diante das mudanças sociais e econômicas ou da influência de culturas externas.

A culinária tradicional está intrinsecamente ligada ao uso sustentável dos recursos locais. Registrar essas práticas incentiva o uso consciente da biodiversidade e fortalece a soberania alimentar das comunidades.

Além disso, as receitas muitas vezes são adaptadas ao ambiente, refletindo um profundo conhecimento sobre o uso da terra e os ciclos naturais.

Os registros culinários também têm um impacto econômico. Pratos tradicionais e seus saberes atraem turistas interessados em vivenciar a cultura local, gerando renda para as comunidades.

Por outro lado, o turismo responsável ajuda a divulgar e valorizar a culinária tradicional, mas sem desrespeitar os contextos culturais e sociais.

A culinária tradicional e ancestral carrega histórias de luta, resistência e superação, especialmente nas comunidades quilombolas, marcadas pela herança africana. O preparo e o consumo de certos alimentos reforçam essa conexão com os ancestrais e suas vivências.

Em suma, os registros culinários nas comunidades quilombolas e tradicionais não apenas preservam receitas, mas também histórias, identidades e modos de vida. Eles são um patrimônio cultural imaterial que deve ser protegido e valorizado para garantir a continuidade dessas heranças preciosas.

Modelando um conceito, diríamos de "uma etnografia propositiva dirigida à visibilização das cozinhas populares tradicionais, para fins de empoderamento simbólico (do patrimônio cultural) e econômico (dos meios de subsistência) de povos tradicionais, dentre os quais, povos quilombolas, e de comunidades rurais e urbanas, em sua resistência, existencial e cultural, no contexto da soberania alimentar, da agricultura familiar, da agroecologia e da cultura popular em torno da cozinha como matriz cultural"


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