CONHEÇA A CIDADE JAPONESA ONDE 5G DE CASCA DE TANGERINA CUSTAM R$ 56,7 MIL
No outone e inverno de Xinhui, as ruas são tomadas pelo aroma das cascas de tangerina secando no sol.
Esta matéria me fez recordar Manoel de Barros, que celebra o valor poético de objetos e seres que, à primeira vista, podem parecer insignificantes ou descartáveis, ressaltando a beleza e a importância das pequenas coisas que compõem o cotidiano, são lições importantes à serem compreendidas.
Essas práticas não só evitam o desperdício de alimentos, mas também fortalecem a economia local, promovem a sustentabilidade e incentivam a valorização da cultura alimentar.
O foco na transformação de produtos que outros descartariam é uma forma de reverter a lógica do desperdício, gerando uma cadeia de valor que beneficia desde o produtor até o consumidor.
O mérito de valorizar, o que para alguns é descartável, ou como os pequenos agricultores e cozinheiras tradicionais podem valorizar alimentos que estariam prontos para serem descartados.
A matéria da CNN Brasil destaca a cidade chinesa de Xinhui, conhecida pela produção de cascas de tangerina envelhecidas, chamadas de "chenpi", que podem alcançar valores elevados no mercado, chegando a R$ 567 mil por apenas 5 gramas. O chef Li Chi Wai utiliza essas cascas em suas criações culinárias, valorizando um ingrediente que, em outros contextos, poderia ser descartado.
A prática do chef Li Chi Wai nos ensina importantes valores:
•Valorização de Ingredientes Simples: Ao incorporar cascas de tangerina envelhecidas em seus pratos, o chef demonstra que ingredientes aparentemente comuns podem ser transformados em componentes valiosos e sofisticados na culinária e gastronomia.
•Sustentabilidade e Redução de Desperdício: O uso de partes de alimentos que geralmente seriam descartadas promove a sustentabilidade, incentivando o aproveitamento integral dos ingredientes e a redução do desperdício alimentar.
•Resgate de Tradições Culturais: A utilização do "chenpi" reflete uma valorização das tradições culinárias chinesas, preservando técnicas ancestrais de conservação e uso de alimentos.
•Inovação Culinária: Integrar ingredientes inusitados ou pouco convencionais em preparações modernas demonstra criatividade e inovação, ampliando os horizontes da gastronomia.
Esses valores ressaltam a importância de olhar para os alimentos de forma holística, reconhecendo o potencial de cada parte e promovendo uma culinária mais consciente e rica em significados culturais.
AROMA CÍTRICO
À primeira vista, Xinhui parece um distrito tranquilo e comum de uma cidade de terceiro escalão na China. Mas, todo ano, durante o outono e o inverno, suas ruas são tomadas por um aroma único que revela tanto sua história milenar quanto um futuro promissor: o perfume das cascas de tangerina secando ao sol, conhecidas como chenpi.
Para os moradores, esse cheiro é sinônimo de ouro. Afinal, a palavra tangerina no dialeto cantonês, falado localmente, tem a mesma pronúncia de ouro: gam. Assim como o precioso metal, algumas dessas cascas podem atingir valores exorbitantes.
Xinhui está localizada no lado leste de Jiangmen, uma cidade da província de Guangdong, no sul da China. Lá, fileiras de árvores, fábricas simples e fazendas ladeiam modernas rodovias. De vez em quando, um arranha-céu reluzente surge no horizonte, simbolizando o crescimento econômico da região.
“Esse é o Jiangmen Wanda Plaza, o edifício mais alto de Jiangmen”, diz Zhou Zhiwei, um morador do distrito, enquanto dirige seu Porsche branco e exibe a cidade a seu amigo, o chef Li Chi Wai.
“Claro, não se compara aos arranha-céus de Hong Kong, mas ainda assim impressiona — quase 200 metros de altura. E veja essas vias expressas bem pavimentadas. Xinhui se desenvolveu muito.”
As cascas dessas tangerinas verdes são colhidas, secas ao sol e envelhecidas, acreditando-se que possuem propriedades refrescantes na medicina chinesa e nos chás. Por outro lado, as tangerinas vermelhas grandes são completamente amadurecidas antes que suas cascas sejam colhidas e processadas um pouco antes do solstício de inverno. Essas cascas criam chenpi frutado com uma cor terracota marrom-avermelhada e são conhecidas por ajudar em tosses secas e problemas digestivos, com efeitos mais suaves e harmonizadores no corpo. O sucesso da cidade está intimamente ligado às suas cascas de tangerina.
Embora as tangerinas sejam cultivadas em toda a China, apenas as cascas de Xinhui são consideradas tão valiosas quanto ouro • Maggie Hiufu Wong/CNN
Os benefícios das cascas de tangerina envelhecidas, uma erva medicinal tradicional chinesa, são documentados desde a dinastia Song do Sul (1127-1279).
“Xinhui está na confluência dos rios Xijiang e Tanjiang, no coração do Delta do Rio das Pérolas (província de Guangdong)”, explica Li, chef executivo do restaurante The Legacy House, estrelado pelo Guia Michelin e localizado no hotel Rosewood Hong Kong.
Li deixou Xinhui na adolescência para viver em Hong Kong. Após décadas trabalhando como chef de culinária chinesa na movimentada cidade, ele redescobriu o respeito e a paixão pelos produtos de sua terra natal.
“A composição da água e do solo torna Xinhui um lugar ideal para o cultivo de tangerinas”, ele conta. “Por isso, acredita-se que as cascas daqui sejam mais ricas e tenham maior concentração de micronutrientes.”
As cascas de tangerina só podem ser chamadas de chenpi (cascas envelhecidas, conhecidas cientificamente como Citri Reticulatae Pericarpium) se forem secas ao sol todos os anos, no outono e no inverno, consecutivamente, por pelo menos três anos. Nos demais períodos do ano, elas são cuidadosamente armazenadas.
Existem quatro tipos principais de cascas de tangerina: cascas verdes (colhidas antes de amadurecer); cascas claras ou de tangerinas semi-maduras (colhidas em novembro); cascas vermelhas grandes (de tangerinas totalmente maduras em dezembro); e cascas vermelhas grandes de pós-inverno (colhidas após o inverno, quando as tangerinas têm maior teor de açúcar).
Diz-se que o chenpi já foi utilizado em pratos servidos a imperadores e imperatrizes na Cidade Proibida, em Pequim. Hoje, o ingrediente é amplamente encontrado em prescrições de medicina tradicional e na culinária cotidiana, especialmente no sul da China.
Cada tipo e idade de chenpi tem usos medicinais distintos, mas, na medicina tradicional chinesa, acredita-se que ele fortaleça o baço, auxilie na digestão e melhore o sistema respiratório.
Pesquisas modernas indicam que o chenpi possui antioxidantes, flavonoides (componentes anticancerígenos) e potencial para estabilizar a pressão arterial e prevenir a obesidade.
E, como um bom vinho, quanto mais velho o chenpi, mais valioso ele se torna.
Assim como Li, Zhou também se mudou brevemente para Hong Kong nos anos 1980 em busca de melhores oportunidades. No entanto, ao perceber o potencial das cascas de tangerina, retornou a Xinhui em 1996. Hoje, é uma figura central no setor: avaliador certificado de chenpi, vice-presidente da Associação da Indústria de Chenpi de Xinhui e um produtor orgulhoso.
“Meu pai e meu avô cultivavam árvores de tangerina. Quando comecei no comércio de cascas envelhecidas, as pessoas nos olhavam com desdém, nos chamando de caipiras ou vendedores de ‘sucata’. Mas eu sabia que isso tinha futuro”, diz Zhou.
E ele estava certo. Nas últimas duas décadas, a indústria do chenpi prosperou.
Em 2023, um quilo de cascas secas produzidas em 1968 foi leiloado em Hong Kong por HKD 75.000 (R$ 56,8 mil). No mesmo ano, Xinhui se tornou o primeiro e único distrito de Jiangmen a alcançar a marca de 100 bilhões de yuans (R$ 81,3 bilhões), respondendo por cerca de um quarto do PIB da cidade. A indústria do *chenpi* foi avaliada em RMB 23 bilhões (R$ 18,8 bilhões) no ano passado.
“A cidade se desenvolveu muito graças às cascas de tangerina”, diz Zhou, que agora produz e adquire cerca de 163 toneladas de *chenpi* anualmente.
Revolucionando o mercado
O chef Li não está em Xinhui apenas para rever seu velho amigo Zhou. Ele tem viajado regularmente entre Hong Kong e Xinhui nos últimos anos para pesquisar e selecionar ingredientes para seu banquete anual de cascas de tangerina envelhecidas no The Legacy House, em Hong Kong.
Em Xinhui, o chenpi é amplamente utilizado em pratos como peixe ao vapor com óleo e pó de chenpi, pato ensopado com sanbaoza (um feixe de chenpi e azeitonas salgadas amarrado com capim) e até em vinhos, bebidas e doces.
“É um ingrediente essencial na culinária cantonesa — tão comum que às vezes esquecemos seu valor. Quero elevá-lo refinando a forma como o enxergamos”, diz Li, que presta atenção especial ao momento da colheita e à idade do chenpi ao selecioná-lo.
“Se terroir e idade importam para o vinho, por que não para as tangerinas?”.
Após experimentar centenas de cascas de tangerina, Li lançou seu primeiro banquete temático no final de 2022, oferecendo aos clientes um livreto para aprenderem sobre o ingrediente.
O menu de sete pratos harmonizado com chá começava com uma entrada tripla — bolinhos de peixe moído, almôndegas de carne frita e vieiras —, todos preparados com diferentes formas de chenpi de 10 anos, originários do distrito de Tianma, em Xinhui. O banquete terminava com uma sobremesa de arroz glutinoso recheado dentro de uma tangerina verde jovem.
Em dezembro de 2024, um novo menu de “Gastronomia com Casca de Tangerina Envelhecida” foi lançado, com cascas de seis a 50 anos de idade, vindas de várias fazendas de Xinhui.
O destaque do menu, que custa HKD 2.280 (R$ 1.732) por pessoa, é uma sopa espessa de bexiga natatória de peixe com cabeça e pata de cordeiro, preparada com cascas de tangerina de mais de 50 anos.
O mérito de valorizar, o que para alguns é descartável, ou como os pequenos agricultores e cozinheiras tradicionais podem valorizar alimentos que estariam prontos para serem descartados.
Os pequenos agricultores e cozinheiras tradicionais têm um papel fundamental na valorização de alimentos que, muitas vezes, seriam descartados por estarem em aparente mau estado ou por não atenderem aos padrões estéticos do mercado. A valorização desses alimentos não apenas combate o desperdício, mas também promove a sustentabilidade e resgata saberes ancestrais da culinária e da agricultura. Aqui estão algumas formas pelas quais esses grupos podem transformar alimentos "descartáveis" em recursos valiosos:
•Aproveitamento Integral dos Alimentos
•Hortalícias e Frutas: Muitas vezes, as folhas, cascas e sementes de frutas e vegetais são descartadas, embora possam ser ricas em nutrientes. Cozinheiras tradicionais podem reutilizar essas partes em preparos como caldos, farinhas e conservas.
Exemplo: As cascas de abóbora ou de batata-doce podem ser transformadas em chips crocantes e saborosos, e as folhas de beterraba podem ser usadas em sopas ou saladas.
•Conservação e Preservação
Fermentação e Conservas: Cozinheiras e agricultores podem transformar alimentos em conservas, como picles, chutneys ou molhos, preservando-os por mais tempo e adicionando sabor. Técnicas como a fermentação podem também ajudar a conservar alimentos, além de agregar valor nutricional, como no caso de kimchi, chucrute e kefir.
•Secagem e Desidratação: Alimentos que estão próximos do vencimento podem ser secos ou desidratados para durarem mais tempo, como tomates secos, ervas e frutas secas. Isso reduz o desperdício e oferece um produto de longa durabilidade.
•Culinária Criativa
Receitas Tradicionais: Muitas vezes, ingredientes simples, mas pouco valorizados, podem ser transformados em pratos saborosos e nutritivos. Cozinheiras tradicionais podem usar métodos antigos, como cozimento em panela de barro, defumação e assados lentos, para dar uma nova vida aos alimentos.
•Transformação de Sobras: O reaproveitamento de sobras de refeições pode gerar novos pratos. Arroz que sobrou, por exemplo, pode ser transformado em bolinhos ou farofa, enquanto carnes menores ou aparas podem virar caldos nutritivos.
•Promoção de Produtos Locais e Sazonais
Venda de Produtos Artesanais: Ao utilizar alimentos que, de outra forma, seriam descartados, pequenos agricultores podem criar novos produtos para venda, como geleias, compotas, pães artesanais e bolos feitos com ingredientes que estão fora do padrão comercial, mas que ainda têm grande qualidade.
Feiras e Mercados Locais: Esses produtos, muitas vezes feitos com ingredientes que não têm a mesma estética do mercado convencional, podem ser vendidos em feiras ou mercados, valorizando a agricultura familiar e a culinária tradicional.
Educação e Conscientização
Cursos e Oficinas: Agricultores e cozinheiras tradicionais podem realizar workshops para ensinar o aproveitamento integral dos alimentos e a culinária sem desperdício, ajudando a sensibilizar a comunidade sobre a importância de valorizar aquilo que é comumente descartado.
Promoção de Consumo Consciente: Por meio de campanhas de conscientização, eles podem influenciar os consumidores a comprarem produtos que, embora imperfeitos, são ainda plenamente aproveitáveis e nutritivos.
6. Parcerias e Inovações
Cooperativas e Parcerias: Agricultores podem formar cooperativas para a comercialização de produtos "fora de padrão", criando mercados alternativos para o que seria descartado. Essas parcerias podem incluir pequenas empresas ou até mesmo projetos sociais que incentivam a alimentação sustentável.
Tecnologia de Transformação de Alimentos: Algumas pequenas empresas ou cooperativas podem investir em tecnologia para transformar alimentos descartados em novos produtos, como snacks saudáveis ou rações animais, ampliando o valor desses itens.
•Resgate de Variedades de Sementes e Cultivos Menos Comuns
•Diversificação de Cultivos: Ao cultivar variedades de alimentos menos conhecidas e mais resilientes, os pequenos agricultores podem reduzir o risco de perder a produção e garantir uma alimentação mais diversificada. Plantas nativas e variedades regionais, que podem ser vistas como "descartáveis" ou não comerciais, podem ser resgatadas e utilizadas de maneiras inovadoras.
•Essas práticas não só evitam o desperdício de alimentos, mas também fortalecem a economia local, promovem a sustentabilidade e incentivam a valorização da cultura alimentar. O foco na transformação de produtos que outros descartariam é uma forma de reverter a lógica do desperdício, gerando uma cadeia de valor que beneficia desde o produtor até o consumidor.
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