Quem é Paulina Chiziane, a escritora que começou a luta descalça, a escrever sob uma árvore com a emancipação em vista

A escritora Paulina Chiziane, 68 anos, vencedora do Prémio Camões 2021, elege a luta pela emancipação da mulher moçambicana como um dos fios condutores da sua obra.

"Venho de longe, conquistei o mundo de pés descalços. Quero encorajar o meu povo, as mulheres da minha terra: por muito difícil que as condições sejam, caminhem descalços e vençam", disse em tom emocionado quando em 2014 recebeu o grau de Grande Oficial da Ordem Infante D. Henrique, atribuído pelo então presidente português, Cavaco Silva.

O papel do feminino em Moçambique é algo de que pode falar na primeira pessoa: foi a primeira mulher a publicar um romance no país, em 1990, com "Balada de amor ao vento".

Hoje, depois de receber a notícia de que foi distinguida, recordou à Lusa aquele tempo.

"Quando eu comecei a escrever, ninguém acreditava naquilo que eu fazia. Porque eram escritos de mulher" e em muitas ocasiões do quotidiano, tudo não passa de uma questão de género, lamenta.

Paulina Chiziane nasceu em Manjacaze, província de Gaza, no sul Moçambique, em 1955.

Cresceu nos subúrbios de Maputo e durante a juventude fez parte da Frente de Libertação Nacional (Frelimo), mas a política não a convenceu, sobretudo no que toca à emancipação da mulher, e não tardou até se dedicar por inteiro à escrita.

Falante das línguas chope e ronga, aprendeu português na escola de uma missão católica e começou a estudar linguística na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, sem concluir o curso.

Hoje, apesar das sucessivas distinções, diz-se surpreendida: "Sempre achei que o meu português não merecia tão alto patamar. Estou emocionada".

Estreou-se a publicar contos na imprensa moçambicana do início dos anos de 1980, no jornal Domingo e na revista Tempo, e a temática social esteve sempre presente, assim como as tradições num país em busca pela paz.

No seu primeiro romance, "Balada de amor ao vento", explora a poligamia, as tensões culturais, políticas e religiosas numa realidade machista que trava a iniciativa da mulher, expondo a contradição com a modernidade.

Seguiram-se "Ventos do Apocalipse" (1993), "O Sétimo Juramento" (2000) e "Niketche: Uma História de Poligamia" (2002), com o qual ganhou o primeiro Prémio José Craveirinha de Literatura instituído pela Associação Escritores Moçambicanos (AEMO), em 2003, juntamente com Mia Couto.

No mesmo ano, "Niketche" foi adaptado para teatro e sobiu aos palcos em Portugal, coproduzido pelo coletivo moçambicano Hala ni Hala, Cena Lusófona e pelo Centro Dramático de Évora (Cendrev).

Os conflitos entre tradição e modernidade e a (falta de) emancipação da mulher estão desta vez em foco com as aventuras e desventuras da “esposa legítima” de um funcionário superior que descobre que o marido tem mais quatro mulheres.

Apesar de, às vezes, ser "tratada como uma rainha", especialmente "em Portugal", pelos apreciadores das suas obras, Paulina Chiziane diz saber que é “uma mulher que veio do chão”.

Assim se descreveu em 2010, quando foi homenageada pela Casa de Moçambique em Portugal.

“O meu pai não tinha caderno para me oferecer, aprendi a escrever debaixo de uma árvore”, lembrou.

Da sua obra fazem ainda parte "O Alegre Canto da Perdiz" (2008), "As Andorinhas" (2009), "Na mão de Deus" e "Por Quem Vibram os Tambores do Além" (2013), "Ngoma Yethu: O Curandeiro e o Novo Testamento" (2015), "O Canto dos Escravos" (2017), "O Curandeiro e o Novo Testamento" (2018)Maputo

Em 2021 lançou em Maputo, em conjunto com Dionísio Bahule, o livro "A voz do Cárcere", depois de ambos entrarem nas prisões e ouvirem os reclusos - ela a escutar as mulheres, ele, os homens.


Fonte Sapo24

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