Pesquisa explora preservação de ecossistemas a partir da perspectiva de identidade da mulher artesã camponesa da Colômbia

Pesquisadora se valeu de relatos subjetivos autoetnográficos para abordar formas de preservação de ecossistemas a partir do uso de seus recursos no artesanato

Pesquisas acadêmicas são marcadas por preceitos que visam objetividade e impessoalidade com a finalidade de preservação da imparcialidade dentro de um estudo. Indo na direção contrária desses preceitos e mesmo assim fazendo jus ao caráter imparcial de um trabalho acadêmico, uma pesquisa do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul explorou, a partir do encontro de experiências e subjetividades da pesquisadora e de suas interlocutoras, a arte decolonial de mulheres artesãs camponesas altoandinas do município de Tibaná, em Boyacá, na Colômbia. Em paralelo buscou discutir o autorreconhecimento dessas mulheres como camponesas.

A agroecóloga Jeidi Galeano se valeu de sua ancestralidade camponesa para construir, através de um estudo (auto)etnográfico e fotoetnográfico, análises acerca das interseccionalidades de raça, gênero, classe e origem, valorizando o pensar/sentir/fazer/viver da mulher artesã camponesa e sua importância na preservação de ecossistemas locais. 



Jeidi situa essas análises a partir do contraste entre dois mundos: o mundo pluriversal — lugar em que está mergulhado o mundo campesino —, que é marcado pela interação entre humanos e não humanos, como montanhas, rios, animais e plantas; e o mundo universal, espaço em que predominam sistemas sociais tais quais o capitalismo e o patriarcalismo e que inferioriza as relações do mundo pluriversal. Nesses apontamentos, a agroecóloga diz que esses dois mundos estão em constante interação e impactam a realidade artesanal altoandina. “Dependendo dos sujeitos, é possível estabelecer relações que oprimem e que subalternizam, mas também é possível estabelecer relações de possibilidade, de fazer diferente, de refletir, de criticar”, comenta.

Por meio da perspectiva de mundo pluriversal e adotando métodos interdisciplinares e transdisciplinares, Jeidi estabelece que existe a possibilidade de preservação de um ecossistema cuja procedência é ancestral, uma forma de conservar a natureza a partir do artesanato, da agricultura biodiversa e da pecuária de pequena escala. “A visão que predomina é a de que a preservação dos ecossistemas só será possível se as pessoas forem removidas desses lugares”, diz a pesquisadora. Defendendo o contrário, ela imerge nas relações de mulheres artesãs camponesas com o mundo que as cerca e ressalta o impacto dessa relação para a preservação da natureza. 






Da chácara San Luis para a Academia 

As pesquisas para a produção do estudo de Jeidi sobre as mulheres camponesas começaram ainda em sua infância, em uma chácara chamada San Luis, no meio do Bosque Andino, na Cundinamarca, ao lado de sua avó materna, cujos saberes sobre plantar, cultivar e colher foram repassados de mãe para filha e de vó para neta. Rodeada desde muito cedo pelo mundo de particularidades das plantas ornamentais, aromáticas, medicinais e condimentares, a agroecóloga encontrou na pesquisa uma maneira de produzir conhecimento científico a partir da subjetividade de relatos autoetnográficos. “Produzir conhecimento situado, valorizando tanto a subjetividade quanto os modos de vida que não correspondem a esse mundo capitalista, é importante, é necessário”, diz Jeidi.

“Dentro das perspectivas feministas decoloniais que nascem na América Latina, [vindas] dessas mulheres mestiças, indígenas e negras, falam que o verdadeiro conhecimento científico é aquele que está enraizado na subjetividade, e não tanto na objetividade”

Jeidi Galeano

Ao iniciar a sua pesquisa, ainda no período de pandemia, Jeidi usou como premissa a socioecologia, mas sentia que algo faltava. Posteriormente, descobriu o que justificava essa sensação de falta quando se aproximou de estudos decoloniais e leituras feministas brasileiras, como os escritos de Conceição Evaristo e Djamila Ribeiro. A partir daí, a pesquisadora se familiarizou com conceitos que abordam as relações sociais e aspectos de identidade, como os estudos de interseccionalidade, e passou a se aprofundar no que diz respeito às identidades de uma comunidade de mulheres artesãs camponesas cuja existência é atravessada por questões de raça, classe, gênero e origem.

Durante sua pesquisa de campo, Jeidi conviveu com artesãs camponesas nas proximidades dos ecossistemas Bosque Andino e Páramo, sendo este último de importância para a Colômbia no que diz respeito à produção de água. Acompanhou de perto o dia a dia do lar: o cuidado com filhos e marido; a atenção aos animais que criam; a agricultura; as jornadas de colheita das plantas e produtos que usam para fazer os artesanatos. “Pela minha origem camponesa, eu tive facilidade para me adaptar a essa rotina”, diz a pesquisadora sobre o período que foi registrado em fotos, vídeos e em um diário de campo. Durante essa experiência imersiva, Jeidi passou a observar o quanto as camponesas são marcadas pelas categorias de raça, gênero e classe, incluindo ela mesma. 

Tendo vivido 8 anos entre Curitiba e Porto Alegre no tempo do seu mestrado em Produção Vegetal e do doutorado em Desenvolvimento Rural, sua percepção da própria raça se modificou. Autorreconhecida como camponesa na Colômbia, Jeidi se descobriu negra no Brasil, e a partir dessa percepção passou a buscar estudos que a ajudassem a se situar no mundo científico social a partir de um lugar crítico. “Descobrindo-me negra, entendi muitos dos comportamentos vivenciados na universidade, e até mesmo na rua ou num mercado, às vezes sendo perseguida pelos seguranças ou não muito bem atendida”, relata. Compreendendo sua experiência e os demais estudos sobre a temática, a agroecóloga entendeu que raça e classe são as bases para as demais categorias sociais provenientes do colonialismo que permeia toda a sociedade, e principalmente a América Latina.

Um aceno aos colegas pesquisadores

Mirando pesquisas para o futuro, Jeidi pretende continuar na mesma linha, valorizando a conservação da biodiversidade por meio do artesanato. Levar para as comunidades tradicionais da Colômbia e para seus alunos conceitos compreendidos no Brasil a partir de seu trabalho científico, acadêmico e extensionista é o seu objetivo, com enfoque na sociobiodiversidade e na conservação da biodiversidade pelo uso. 

Aos colegas pesquisadores, Jeidi sugere que abram mão da disciplinaridade em suas pesquisas e façam mais uso de transdisciplinaridade e interdisciplinaridade, com a finalidade de construir conhecimento junto de pessoas que nunca passaram pela academia, e cita as comunidades quilombolas, indígenas e camponesas.

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A tese está disponível na íntegra no LUME, repositório digital da UFRGS:

https://lume.ufrgs.br/handle/10183/251793

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