Festival da Castanha Nova, uma semente de resistência

Povo Gavião sediou o evento que celebra a colheita da principal atividade econômica na TI Mãe Maria; festival fortalece laços entre indígenas do tronco linguístico Timbira

Por ANDERSON BARBOSA

Para o cacique Zeca Gavião, o festival é uma forma de resgatar rituais que estavam sendo esquecidos, além de organizar-se e afirmar-se como Gavião.

A nova safra de castanha é motivo de esperança e resistência para os povos da Terra Indígena Mãe Maria, no leste do Pará. Para celebrar a colheita da principal atividade econômica da região e fortalecer laços com povos parceiros, a aldeia Gavião Kyikatejê, do povo Gavião, sediou entre 9 e 15 de abril o 10º Festival da Castanha Nova.

Neste ano, participaram os povos Xikrin do O-Odja, Kayapó Garotire, Krahô, Canela, Krikati , Gavião e Gavião do Maranhão.

O evento teve atividades culturais e esportivas, como natação, arco e flecha, corrida da tora, corrida da vara de mão (na qual os grupos revezam um pequeno bastão) e cabo de guerra.

Segundo o caciquei Zeca Gavião, o Festival da Castanha Nova é uma forma de resgatar rituais que estavam sendo esquecidos, além de organizar-se e afirmar-se como Gavião.

“Pensamos no Festival da Castanha Nova porque envolve todo mundo. Tentamos trazer alguns povos do tronco linguístico Timbira para tentar ter esse intercâmbio e fortalecer a nossa identidade”, afirmou o cacique.

Atualmente a extração e comércio da castanha-do-Brasil (Bertholletia excelsa) constitui a principal fonte de renda acessível a todos os membros da comunidade. 

A etnia Gavião, que se autodenomina Ikólóéhj, é composta por cerca de 500 indivíduos e reside na Terra Indígena Igarapé Lourdes localizada no município de Ji-Paraná – RO. A partir do contato interétnico ocorrido há 50 anos, este povo foi inserido na lógica do mercado recorrendo ao comércio de inúmeros produtos de sua terra para ter acesso às mercadorias que se tornaram necessárias com o contato no “mundo dos brancos”. A extração e comércio da castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa, Humb. e Bonpl.) é parte deste processo. Utilizando-se do método etnográfico como procedimento de pesquisa, investigou-se os motivos que permitem que esta atividade tenha supremacia sobre os projetos implantados pelo órgão indigenista oficial – a FUNAI; constituindo-se, em função disso, na principal fonte de renda desse povo. 

A coleta da castanha, para além de sua importância econômica, ativa elementos simbólicos significativos para a etnia, possibilitando a troca de conhecimento entre as gerações e o retorno às origens, vivenciando-se o estilo de vida antigo no interior da floresta. Ela ultrapassa a razão prática, reativando memórias e a identidade cultural. Por conseqüência, dentre as atividades desenvolvidas, é a que apresenta maior aceitabilidade junto à comunidade.

A castanha está incorporada aos hábitos alimentares das etnias amazônicas desde tempos imemoriais. 

Sua coleta era realizada de maneira parcimoniosa durante os meses de novembro até meados do ano seguinte, pois os ouriços, mesmo após caírem, se não forem predados pelas cotias, podem ser consumidos nos meses subsequentes. 

Atualmente o objetivo é a comercialização imediata, pois a extração da castanha representa uma fonte de renda importante para as famílias da Terra Indígena Igarapé Lourdes e, portanto, sua extração é intensificada entre novembro e janeiro.








QUANDO A MAV GÁHV (CASTANHA) DEIXOU DE SER SIMPLESMENTE COMIDA 

A castanha é apreciada pelos europeus desde o século XVII quando expedições ultramarinas passaram a explorar as chamadas “drogas do sertão”. Afirma Stoian (2005, p.90) que, “ya em 1633, Europa importaba la castaña como artículo de lujo, realizando el primer embarque, desde Pará, a bordo de um navio holandés [...]”. 

No entanto, passou a fazer parte significativa da economia amazônica a partir do momento em que o mercado da borracha entra na sua primeira fase de colapso, ou seja, no início do século XX, por volta dos anos 10 e 20. Nesse momento, ela surgiu, junto a outros produtos da floresta, como uma alternativa de sobrevivência econômica para milhares de trabalhadores regionais que povoaram as matas amazônicas em busca do “Eldorado” (DA MATTA, 1978). 

Estes trabalhadores passaram então a buscar castanhais mais para o interior da floresta nos estados do Tocantins, Pará e Amazonas e nestas expedições inevitavelmente entraram em contato, nem sempre amistoso, com populações indígenas locais (LEVI-STRAUSS, 1996; DA MATTA, 1978). 

Neste processo, a terra dos índios passou a ser extremamente cobiçada pelos líderes econômicos e, portanto, políticos da região amazônica que viam nas comunidades indígenas, e ainda vêem, entraves para a exploração dos produtos da floresta pelos trabalhadores nacionais, os quais mantinham presos a um regime de semi-escravidão pelo regime de “barracão” ou aviamento.

Neste contexto ocorreu a eliminação parcial de várias etnias amazônicas tais como os AkáwaAsuriní e os Gavião Parkatejês, etnias estudadas por Da Matta e Laraia (1978).

A inclusão das comunidades indígenas no ciclo comercial da castanha, independentemente da região ou do estado, processou-se dentro do sistema de aviamento.

O contato do índio com os comerciantes locais transformou-os, de certa forma, em trabalhadores regionais, circunstância esta que contribuiu para uma série de perdas que já estavam afetando as etnias envolvidas: perda de qualidade de vida, perda de sustentabilidade econômica, ecológica, perda de laços de parentesco, perda inclusive física e aceleração significativa nas mudanças culturais. 

Sobre esta questão, Da Matta (1978, p.173) observou que “[...] a necessidade de ganhar dinheiro a qualquer preço e de conquistar os possíveis patrões, coloca os índios numa situação de empregados servis, que ouvem sem a menor reação os maiores absurdos e provocações dos habitantes da cidade”. 

Embora se assemelhe em alguns aspectos a esse quadro geral, a maneira como os Gavião Ikólóéhj se inseriram no extrativismo da castanha com fins comerciais teve suas especificidades. 

Quem primeiro sugeriu que a castanha poderia ser trocada por produtos foram os seringueiros por volta dos anos 60. Então, os índios passaram a coletar a noz para comercializá-la com “marreteiros” ou mesmo com os seringalistas. 

Não se percebe que tivesse havido disputa pelos castanhais com trabalhadores nacionais, pois, da mesma forma que os seringalistas convenceram os índios a extrair primeiramente o caucho e depois a seringa, também o fizeram com relação à castanha. Neste sentido, a castanha passou a constituir uma fonte de lucro a mais para o seringalista. 

Segundo depoimentos das lideranças mais antigas, que eram jovens nos primeiros tempos do contato, eles se transformaram praticamente em escravos dos seringueiros. Uma destas lideranças relatou que os “índios carregavam a borracha nas costas quilômetros floresta a dentro e ao chegar na beira do rio trocavam por facões e outras bugigangas” . 

A primeira tentativa mais organizada e autônoma por parte dos Gavião de se inserir no comércio da castanha ocorreu em 1977 conforme relatório escrito por Moore (1978) sobre o PIN Igarapé Lourdes.

Aquele Posto Indígena distava cerca de 4 horas de barco da cidade de Ji-Paraná, nesta época chamada Vila de Rondônia e parte integrante do município de Porto Velho do então Território Federal de Rondônia.

Em função desta distância, tornou-se muito dispendioso para os Gavião manter um comércio regular de castanha (MOORE, 1978). 

Uma parte significativa do eventual lucro com a coleta da castanha era empregada no seu transporte, desanimando os indígenas. Eles abandonaram temporariamente a coleta da castanha e se dedicaram à extração do látex, mais rentável; e ao comércio da madeira (LEONEL, 1983). 

Somente após o declínio destas duas atividades, em meados da década de 1990, é que a coleta e venda da B. excelsa tornaram-se sistemáticas. 

No caso específico dos Gavião, o aviamento foi a forma do comércio da castanha que prevaleceu até o ano de 2006. A maior parte da colheita era comercializada com um único atacadista da cidade de Ji-Paraná de maneira sistemática desde o ano de 1988, embora a intensificação deste comércio tenha ocorrido por volta de 1996, ano que delimitou o fim do comércio de madeira. A pesagem e a apuração da quantidade da castanha comercializada não eram efetivamente controladas pelos indígenas. Os dados coletados, no entanto, apontaram mudanças neste quadro. 

Este povo está buscando uma maior autonomia com relação à venda da castanha.

A “TRAGÉDIA DOS COMUNS” ENTRE OS GAVIÃO IKÓLÓÉHJ DE  RONDÔNIA Lediane Fani Felzke

As imagens a seguir foram registradas pelo fotojornalista Anderson Barbosa, da Amazônia Latitude, em 15 de abril de 2023.


Por fim, não esqueçam de nos seguir em nossas redes sociais @elcocineroloko, para dicas, receitas, novidades: blog @sossegodaflora.blogspot.com e visite nosso Instagram


Comentários

Postagens mais visitadas