Interação entre borboletas e formigas evoluiu de forma diferente no Cerrado brasileiro

No Cerrado de Minas Gerais, lagartas de borboletas e formigas se beneficiam da companhia umas das outras. Esse encontro aconteceu por acaso, segundo pesquisa da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP que mostrou que o mutualismo entre essas espécies é facultativo no Cerrado brasileiro, enquanto é obrigatório para a sobrevivência em países não tropicais.


A pesquisa coletou os dados das interações entre as lagartas de borboletas, as diferentes espécies de formigas e as plantas hospedeiras, entre 2013 e 2020, para analisar a distribuição das lagartas no Cerrado.

No estágio larval, as borboletas da família Lycaenidae liberam, através do órgão nectarífero dorsal, recompensas alimentares líquidas ricas em aminoácidos e nutrientes que servem de alimento para as formigas, e estas, apesar de serem predadoras de lagartas, protegem os licenídeos de predadores e parasitas ao encontrá-los nas plantas hospedeiras. “A formiga se alimenta desse líquido e entende que aquela lagarta é um recurso para ela, então começa a protegê-la para não perder esse recurso alimentar”, explica Isamara Mendes da Silva, autora da tese de doutorado.

Por causa do mutualismo entre os insetos, o estudo observou que as borboletas, quando já estão no estado maduro, preferem depositar os ovos em plantas que contam com a presença de formigas. Além de reconhecer visualmente as plantas com formigas, elas conseguem distinguir a espécie que representa maior proteção para os ovos, a C. crassus. “Essa espécie é agressiva no Cerrado, conhecida por defender plantas. Então, essas formigas defendem melhor as lagartas dos predadores e parasitoides, por isso o reconhecimento e a escolha.”

Em outras regiões do planeta, as lagartas só sobrevivem sob a proteção das formigas, assim como as formigas também precisam do alimento fornecido pelas lagartas. A relação estabelecida entre as espécies é obrigatória e íntima, segundo Isamara da Silva. 

Já no Cerrado brasileiro, conforme observado no estudo, a relação entre formiga e lagarta é facultativa. “A lagarta sobrevive tranquilamente sem a formiga e a formiga, sem a lagarta. É um encontro oportuno que aconteceu e deu certo, e a lagarta se apropriou da interação”, esclarece a bióloga.

Os licenídeos não são a única espécie protegida pelas formigas, que também protegem as plantas hospedeiras. No entanto, quando são atraídas pelas lagartas, as formigas param de patrulhar a planta e de defendê-la contra artrópodes herbívoros, por exemplo, o que prejudica as plantas hospedeiras.

O estudo também levantou a rede de interações entre as plantas hospedeiras e os licenídeos e constatou um equilíbrio entre as relações, mesmo com distúrbios ambientais no Cerrado, como queimadas. Uma das espécies com maior incidência de lagartas em 2020 era a Banisteriopsis malifolia.

“Até então os estudos eram voltados sempre para outras regiões, principalmente nos Estados Unidos e Dinamarca. Descobrimos que, embora sejam espécies de borboletas da mesma família, pela interação ocorrer nas regiões tropicais ela é totalmente diferente. É importante observar como as interações se modificam evolutivamente e ecologicamente por se desenvolverem em regiões diferentes”, destaca Isamara.


Mais informações: e-mail isamaramendes@usp.br, com Isamara Mendes da Silva


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