CULTURA ALIMENTAR INDIGENA por Eduardo Vieira Passos

Somos um somatorio de diversidades culturais, de saberes e modos de vida, embora tanta riqueza, por vezes seja desconhecida da grande maioria, somos carentes de informações sobre a Cultura Alimentar Indigena, esse apagão contribui para o descaso com que são tratados os povos indígenas no Brasil.

"[...] De caça e principalmente de pesca era composta sua alimentação animal. Possuia agricultura incipiente, de mandioca, de milho, de varias fructas.Como eram-lhe desconhecidos os metaes, o fogo, produzido pelo attrito, fazia quasi todos os officios do ferro. A plantação e colheita, a cozinha, a louça, as bebidas fermentadas competiam às mulheres; encarregavam-se os homens das derrubadas, das pescarias, das caçadas e da guerra"

(ABREU, Capistrano 1907, p. 10).

Nesse sentido, trago um artigo do Eduardo Vieira Passos, que trata brilhantemente do tema da cultura alimentar Ameríndia, mais especificamente na região do Brasil, como forma de resgatar e trazer a público essa parte importante da raiz Ameríndia. Chama a atenção para a interculturalidade que ocorre nos hábitos alimentares das populações, destaca que está em curso um agressivo modelo Agroalimentar que favorece financeiramente as empresas e prejudica a saúde coletiva.

Também chama a atenção para os impactos da escolha do sistema de monocultura para o meio ambiente.
Neste texto a expressão Dieta Ameríndia, é realizada a antes da invasão europeia, apenas com alimentos da nativos da região, e culinária Ameríndia no
sentido geral, amplo, pós 1492.

Os povos ameríndios sempre enfrentaram um desafio.
O suprimento de comida era irregular, e poderia estragar antes de ser totalmente consumido. Esta característica envolve muitos saberes de complexidade ancestral. A dieta Ameríndia (pré-colombiana) tem princípios holísticos.  A dieta Ameríndia não é melhor nem pior do que nenhuma outra, de outas regiões da Terra, no sabor, não é comparável, tem coisas boas, formidáveis como todas as do mundo, e inteiramente pertinente na conjuntura atual e com essência, acima de tudo.
Sabemos que a alimentação adequada e saudável vai muito além do impacto dos alimentos na saúde humana. 
O que está no prato está intimamente relacionado aos sistemas alimentares, que podem afetar o clima, as plantas, os animais, a cultura, a saúde, a economia e a política. Sem dúvidas, a cultura alimentar, como qualquer cultura, não é estática.
A culinária Ameríndia (pós 1492) tem uma grande influência da miscigenação. É uma
culinária resultante da mistura de cultura, saberes e ingredientes de vários povos,
fazendo com que a culinária Ameríndia seja de uma riqueza gigantesca. 
Ela foi formada nos quilombos onde africanos, europeus e indígenas uniram seus gostos. 
Também pela grande extensão territorial, com suas diferentes faixas climáticas, cada região tem sua gastronomia muito forte.
Um exemplo perfeito disso é a maniçoba, um prato consumido na região amazônica. Muitos acreditam ser um pioneirismo indígena, mas a técnica é africana. 
É uma prato tradicional da cultura paraense, é uma preparação “recente”.
É o prato que melhor representa a diversidade da cozinha brasileira. Resultado da fusão da cultura de 3 continentes. 
A folha da planta, mandioca, Manihot Esculenta, nativa das Américas, era
utilizada apenas na conservação de alimentos. A técnica refinada de cocção foi trazida pelos negros escravizados, enquanto que os Europeus inseriram a proteína de porco.

Neste mesmo contexto temos vários alimentos originados desta fusão de culturas: a Pamonha, o Charque, o Feijão Tropeiro, só para citar alguns.
Outra questão envolve os ambientes de transformação, por exemplo o moinho de água, para produção de fubá foi incorporado de outas culturas, e a casa de farinha, para produção dos produtos e subprodutos da mandioca, são uma tecnologia ancestral, estes locais são como se constroem as identidades, mais do que um local de fabricação de 
alimentos.


As casas de farinha, muito comuns no Brasil, são uma pequena fábrica de 
alimentos diversos, todos transformados a partir de uma única planta, essenciais na vida dos indígenas, caboclos e ribeirinhos, nela se reforçam os laços de pertencimento e identidade das comunidades que enxergam a importância da produção de mandioca e 
dessas pequenas fábricas para suas vidas. 

O retiro é o local destinado ao preparo da 
farinha de mandioca, nada mais é que um abrigo, às vezes com apenas um lado 
fechado, coberto de palha e chão de terra batida tendo, um tacho; uma roda de madeira; corda para girar a roda; banco de madeira, com caititu (triturador): coxo de madeira, aparador da massa; prensa; peneira onde passa a massa triturada e prensada para não passar pedaços grande da mandioca; coxo para aparar a manipueira, que dá a goma de mandioca, para produção de farinha de tapioca e massa de tapioca e o caldo para 
produção do tucupi; coxo de peneirar; forno, feito com uma enorme pedra, apoiada sobre um tripé de madeira contrário ao fogo; rodos de pau, que são utilizados para revolver a massa, e cuias repartidas ao meio, como utensílios para as nossas ancestrais mexerem e jogarem para o alto a farinha, até o produto encontrar-se no “ponto certo”, ou seja, 
torrado o suficiente. Portanto recheado de cultura, fundamental para sobrevivência vida das pessoas.

Desde que o europeu chegou a América do Sul a 522 anos atrás, ele contou com 
a cooperação dos nativos para apresentação dos alimentos locais, mas eles jamais viram o valor das florestas tropicais.
Eles vieram de um continente de menor 
biodiversidade. Trazendo um modelo de utilização da terra que não enxergava valor nas florestas. 
A alimentação nativa era rica, não existia fome, no conceito de insegurança 
alimentar. 
Neste momento já desmatamos 80% da Mata Atlântica, 50% do Cerrado, 
20% da Amazônia.
Os indígenas descobriram que a natureza poderia ser incorporada às cidades. 
As áreas de ocupação humana pré-colombiana se misturavam e se alternavam com a floresta, os pomares e as plantações.
O trabalho daquela sociedade também se 
destinava a modificar a floresta: segundo estudos recentes, os indígenas praticavam 
uma forma de agrofloresta, escolhendo a forma e os locais mais convenientes para que determinadas espécies de plantas crescessem.
Através de caminhos ancestrais, os povos de toda a bacia amazônica 
provavelmente se conectavam uns aos outros. Não vemos mais isso hoje porque o colonialismo e a forma de ocupação estrangeira, agressiva e imperial, extinguiu a maior parte da sociedade que existia ali. 
A região Amazônica estava conectada até o Cerrado por esta rede. No litoral, várias etnias também se conectavam da mesma forma.
Algo assim não existia na Europa medieval, onde havia grandes cidades, mas elas não estavam conectadas a outras comunidades de maneira tão precisa.
As pessoas não perceberam que esses sistemas complexos existiam na região, porque a expectativa era encontrar algo como uma grande cidade. Mas o fato de não existir, não quer dizer que a população não estivesse em um processo de edificação, que não estivessem se organizando e administrando os recursos naturais de maneira sofisticada.

A divisão da cultura alimentar, brasileira no caso, parte de um ambiente comum, 
em algum lugar da Amazônica, e divide em troncos, assim como na língua. 
No caso do Brasil tronco Tupi ao norte, e o Guarani que cresce ao sul do continente.

Ao longo de séculos as variedades foram melhoradas pelo manejo indígena para diversos usos, obtendo diferentes variedades. 
Vale muito destacar a enorme benevolência de que os indígenas receberam e apresentaram esta riqueza aos europeus.


- Cultura Alimentar Guarani é desenvolvida a partir do milho. Planta com características de crescimento rápido e muitas sementes, faz parte de um pensamento itinerante, se constroem a partir de pessoas que andam em reconhecimento de territórios;


- Cultura Alimentar Tupi nasce de uma raiz, a mandioca, que tem como característica a fixação no território. Ritmo de crescimento mais lento, roças mais estáticas, terra preta.
Uma característica interessante é que, originalmente, a dieta ameríndia é sem glúten, lactose, açúcar e sal refinados. 

Até a chegada dos europeus, a cozinha ameríndia não tinha nenhum desses ingredientes, não existiam por aqui.
Infelizmente no cenário atual estamos em uma cultura, na qual dedica-se mais a 
cozinha de outros países, desconhecendo o tesouro presente, sua riqueza e variedade 
são inestimáveis. 
É uma aculturação, que haja tantos espaços dedicados a exaltar cozinhas de outros países desconhecendo a nossa.

A diversidade alimentar perdeu-se com o movimento do capitalismo predatório, 
característicos do mundo contemporâneo moderno. À primeira vista, as chances de 
escolha, para as refeições que tem pela frente, são cada vez maiores. A indústria de alimentos vende ilusão de variedade. Há 7 mil plantas comestíveis na Terra, e 90% do que consumimos veem de apenas 15 espécies. 
No ambiente Ameríndio os produtores 
passaram a ignorar a biodiversidade local, em virtude das escolhas políticas e 
econômicas do sistema Agroalimentar, comprometendo a funcionalidade dos biomas contribuindo para extinção de espécies, fundamentais para manutenção do clima e, portanto, da vida.
A natureza vem demonstrando, no cenário atual, através da crise climática, 
pandemia, e crescimentos de doenças relacionadas a alimentação, que o desafio agora é no sentido de retomar a Dieta Ameríndia, pois o consumo de alimentos pobres em nutrientes vem aumentando e está associada ao baixo consumo de diversidade de alimentos e aumento do consumo de alimentos industrializados, com altos teores glicêmicos, sódio, aditivos químicos e gordura, elevando o índice de obesos, o desenvolvimento de comorbidades prejudiciais à saúde, além do uso intensivo de agrotóxicos nas monoculturas, que abastecem as industrias de alimentos, matando 
microrganismos, insetos e animais e para abastecer as mesas dos habitantes da região.
A culinária Ameríndia é natural, feita com alimentos de verdade, pois não sofreu o 
impacto da revolução agrícola e da revolução industrial, portanto, é ecológica, e com os anos está sendo substituída por produtos das multinacionais de alimentos, buscando o resultado do lucro imediato, o que é uma catástrofe progressiva, mas é aqui, e com alimentos adaptados a esta natureza exuberante, e não com alimentos geneticamente modificados e à base de produtos químicos, forçadamente cultivados, que devemos 
projetar nosso futuro.

•Eduardo Vieira Passos é Nutricionista da Saúde Indígena,
Mestre em Administração de Empresas.

Apaixonado por Ecogastronomia, Sustentabilidade, Gestor de Projetos Socioambientais

Ciência Brasileira série Múltiplos Olhares

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