O sabor doce da exploração das frutas brasileiras padrão exportação.

Mariana Costa e Maíra Mathias O Joio e o Trigo

Era uma tarde de um domingo quente e seco quando chegamos na casa de Dona Francisca*, em Maniçoba, distrito da cidade de Juazeiro, na Bahia. Ela nos convida a entrar, oferece cadeiras de plástico e água gelada. Na sala, havia um sofá de dois lugares sobre o chão no contrapiso e uma televisão. Oito pessoas, entre filhos e netos, se dividem entre dois quartos, sala, cozinha e banheiro. No lugar de portas, cortinas. A casa de tijolo aparente foi uma conquista recente para a família. “Está inacabada”, adverte.

Francisca, de 49 anos, e o marido Antônio*, de 53, são agricultores e chegaram a Juazeiro nos anos 90 fugindo da seca na Paraíba. Seguiram o caminho dos pais e de centenas, talvez milhares de sertanejos que migraram para o Vale do São Francisco, o eldorado verde do Nordeste. Os dois se conheceram nas roças de melão, tomate e laranja, no lote que trinta anos depois daria origem a uma das grandes exportadoras de uvas e mangas onde trabalham até hoje. 

“Nós ajudamos a fundar a empresa”, orgulham-se. Antônio passou por todas as funções no campo ao longo de 27 anos. Hoje é tratorista. Francisca conseguiu livrar-se dos contratos temporários por safra para trabalhar como auxiliar de serviços gerais. Ela recebe um salário mínimo; o marido, um pouquinho mais que isso. 


O Vale do São Francisco se transformou num polo agroindustrial especializado em frutas, em especial mangas e uvas para exportação. Foto: Raquel Torres

Em 2020, o casal teve de sair da casa onde viviam havia 15 anos, em meio a centenas de mangueiras enfileiradas de um lado e de outro. “Quando a certificadora veio, pediu para que não tivesse moradia na roça por conta do agrotóxico”, conta Francisca. 

Não ter trabalhadores morando nas fazendas é exigência das certificações que tratam das condições socioambientais de produção no campo, necessárias para uma empresa exportar frutas. Obrigada a se retirar às pressas e sem dispor de nenhum auxílio pra isso, a família enfrentou dificuldades pra recomeçar. “Foi um impasse muito grande. A gente, que ganha salário, sabe que pagar aluguel, luz e água não é fácil. Foi um impacto a gente sair de lá”, lembra. 

Francisca e Antônio são atores e testemunhas do processo de transformação do Vale do São Francisco em um polo agroindustrial de produção e exportação de mangas e uvas. Se em quase trinta anos de trabalho a vida deles segue difícil, neste mesmo período a fruticultura brasileira se desenvolveu e se modernizou, e o Brasil se consolidou como um importante fornecedor de frutas frescas a mercados exigentes como Europa e Estados Unidos.

O setor cresce e vem ganhando fôlego, galgando maior espaço e peso no agronegócio brasileiro. Desde 2016, ano a ano, a fruticultura de exportação obtém resultados notáveis. Durante a pandemia, entre 2020 e 2021, os exportadores de frutas comemoraram volume e faturamento recordes, ultrapassando a barreira do primeiro bilhão em dólares e 1,24 milhão de toneladas despachadas ao exterior.

Em meio ao agravamento da crise econômica, sanitária e social no Brasil, as exportações de frutas somaram US$ 1,21 bilhão em 2021, 20% a mais em relação ao ano anterior. No ano passado os resultados foram um pouco abaixo do esperado, sob impacto da alta no preço de insumos e de problemas em cadeias logísticas causados pela guerra na Ucrânia – apenas um engasgo numa trajetória que tem tudo para ser de crescimento.

O alto nível de tecnologia empregada na agricultura irrigada e a pujança que o setor vem conquistando contrastam com as condições de trabalho e de vida de uma mão de obra migrante e mal remunerada. Por trás do sabor doce das frutas premium do Brasil nas prateleiras mundo afora, há o amargor da vida de milhares de Franciscas e Antônios.

A entrevista com o casal paraibano foi a primeira de dezenas que fizemos ao longo de duas semanas de viagem pelos dois maiores polos de produção de frutas do Brasil na série especial “No Rastro das Frutas de Exportação”. Estivemos na região do Vale do São Francisco, entre Pernambuco e Bahia, e percorremos cidades do Baixo Jaguaribe e da Chapada do Apodi, entre o Ceará e o Rio Grande do Norte, outros dois importantes complexos agroindustriais concentrados na produção de melão e melancia para exportação. 

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