Destaque no New York Times, casa de comida indígena em Manaus tem de farofa de formiga a caldo apimentado
A Casa de Comida Indígena Biatüwi celebra a cultura e exalta os sabores de produtos usados na culinária dos povos indígenas do Amazonas.
Por Bianca Fatim
A Casa de Comida Indígena Biatüwi, localizada Rua Bernardo Ramos, a mais antiga de Manaus, ganhou destaque ao sair no jornal americano The New York Times, como um dos 52 melhores lugares para serem visitados em 2023. O local celebra a cultura e exalta os sabores de produtos usados na culinária dos povos indígenas do Amazonas. Na casa, o visitante encontra de farofa de formiga a caldo apimentado.
Destaque no NYT, casa de comida indígena tem de farofa de formiga a caldo picante
Em meio a uma rua de pedra, com prédios antigos, o casarão chama a atenção.
O local com janelas grandes, pintadas de roxo, abriga a Casa de Comida Indígena Biatuwi e o Centro de Medicina Indígena Bahserikowi.
O espço promove uma verdadeira imersão nas tradições indígenas, o que muitos achavam que era impossível ver no centro urbano.
Casarão abriga o Biatuwi e o Centro de Medicina Indígena Bahserikowi, na Rua Bernardo Ramos, a mais antiga de Manaus. — Foto: Bianca Fatim/g1 AM
No espaço cedido pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, as distintas imersões na cultura de cura e reconhecimento são separados por um corredor. O Biatüwi fica nos fundos do local e carrega um preceito de reconstrução, que permeia a história dos povos Satere-Mawé e Tukanos.
O nascimento do Biatüwi
Entrada do Biatuwi, em Manaus. — Foto: Bianca Fatim/g1 AM
Uma provocação de um professor de o porquê não ter um local para culinária indígena em Manaus, em meio a uma aula de mestrado de antropologia, motivou o nascimento do Biatüwi.
O idelizador do local, João Paulo Barreto, da etnia Tukano, e a chef de cozinha, Clarinda Maria Ramos, da etnia Sateré-Mawé, saíram da aula inspirados pela sugestão. No entanto, lhes faltava recursos para pôr a ideia em prática.
Em uma palestra de João Paulo no Museu da Amazônia (Musa) sobre comida indígena, uma luz surgiu: a proprietária do restaurante Caxiri, Débora Shornik, se interessou pela ideia.
“Na palestra, o João Paulo falava sobre cultura e a nossa comida, porque as duas coisas estão ligadasEntrada do Biatuwi, em Manaus. — Foto: Bianca Fatim/g1 AM
Ela gostou tanto da ideia e procurou ele pra entender. Ela gostou e abraçou essa causa”, contou a chef do Biatuwi, Clarinda.
Biatuwi traz aspectos da cultura indígena na deco
Com o investimento e uma bagagem cultural indígena, o Biatüwi nasceu em 14 de novembro de 2020, com o objetivo de reconstruir a tradição culinária de povos do Amazonas.
Dois anos após a fundação, o espaço conta com oito funcionários, a maioria indígenas. Eles colocam em prática os conhecimentos que aprenderam nas comunidades.
Reconstrução da cultura
A chefe de cozinha Clarinda classifica o Biatuwi como local de cura. — Foto: Bianca Fatim/g1 AM
A casa de comida indígena surge com o ponto central de fazer uma reconstrução de tudo aquilo que os indígenas tiveram que deixar para trás para se inserir na sociedade urbana.
De acordo com a chefe do Biatüwi, Clarinda, o preceito do espaço é mostrar que a cultura dos povos originários resiste.
“Nós indígenas sempre fomos oprimidos. Sempre fomos invisíveis, obrigados a deixar a nossa língua, a deixar de comer a nossa comida. Se hoje eu estou falando uma outra língua é porque eu fui obrigada no sentido de que, para estar inserida no meio social urbano, eu tenho que falar uma outra língua, uma que não é a minha”, apontou Clarinda.
Alimentos carregam ancestralidade e alimentam a alma.
A reconstrução, segundo a chefe, vem por meio do alimento. Além de degustação, a comida do Biatüwi oferece possibilidade de entendimento da ancestralidade indígena.
“A casa surge com esse objetivo de fazer toda essa reconstrução, onde nós falamos da nossa cultura, por meio da nossa comida, através da nossa bebida, dos nossos temperos. É fazer uma reconstrução dessa luta, pois ela continua. Não é um resgate, não é uma ressignificação, é uma construção mesmo”, explicou a chef.
Comida com poder de cura
Matrinxã assada na folha de cupuaçu, um dos pratos do Biatüwi — Foto: Divulgação/Biatuwi
Caldos apimentados, farofa de formiga e peixes envoltos em folhas de cupuaçu ou de cacau formam o cardápio com sabores potentes e curativos, segundo os indígenas. Cada prato tem o seu significado e objetivo.
Inclusive, os clientes podem perguntar a qualquer funcionário do salão os significados dos pratos.
Os temperos são colhidos e produzidos por indígenas do Alto Rio Negro e Baixo Amazonas.
A pimenta, que para muitos é apenas um tempero, está em todos os pratos, nem que seja como um acompanhamento, e tem um papel diferente no Biatüwi: é curativa e fonte de proteção.
“A pimenta não é somente para apimentar ou fazer com que o cliente fique com a boca ardida. A pimenta cura, protege, purifica. Ela é importantíssima para nós”, disse.
Biatu de Tambaqui. — Foto: Tadeu Rocha/Biatuwi
O carro-chefe da casa é o Biatü. Considerado comida dos deuses, o prato é um caldo apimentado que leva tucupi preto, peixe, acompanhado de uma fatia de biju, feito de goma de tapioca, e formiga. O prato é consumido diariamente pelos povos indígenas do Alto Rio Negro.
Destaque internacional
Com o cardápio que valoriza os produtos amazônicos, não é por acaso que a casa de comida ganhou destaque no The New York Times. A indicação como um dos lugares de culinária que devem receber uma visita de turistas, fortaleceu o espaço e divulgou o lugar para o mundo.
“Foi uma surpresa para nós e foi uma forma de fortalecimento do nosso trabalho, porque saiu a nível internacional. Foi muito relevante esse destaque”, afirmou Clarinda.
De acordo com o a casa, os alimentos servidos no Biatuwi não são exóticos. São produtos que fazem parte do dia a dia dos povos indígenas e, por isso, a principal experiência vai além da degustação de alimentos.
Para os indígenas, o espaço serve para compreender, por meio da comida, a cultura alimentar dos povos originários, que passa pelo sagrado e pela proteção.
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