Por que desisti da cerveja artesanal
Comunidade cervejeira se revelou reacionária, racista, machista, homofóbica e misógina
Marcos Nogueira - FSP - 21.abr.2023
Causou enorme furdunço uma campanha publicitária da cerveja Bud Light nos Estados Unidos. Ao contratar a influenciadora trans Dylan Mulvaney como garota-propaganda, a marca desencadeou um violento boicote dos cervejeiros de direita.
A violência não é força de expressão. O cantor Kid Rock gravou um vídeo que o mostra metralhando, da forma mais literal possível, alguns fardos de latinhas de Bud Light.
O anúncio de que as ações da marca teriam despencado US$ 5 bilhões pôs eufóricas as arrobas reacionárias das redes sociais –várias delas, de gente que trabalha com cerveja.
Uns 15 anos atrás, parecia estar em curso algo revolucionário no setor cervejeiro. Eu comprei essa versão e até escrevi a palavra "revolução" numa matéria que fiz para a revista masculina que me empregava.
Voltei fascinado de Blumenau, em Santa Catarina, onde ocorrera a primeira edição do Festival Brasileiro da Cerveja, em 2010. Nele, um dos pavilhões da Oktoberfest recebia pequenos e médios cervejeiros, reunidos no adjetivo "artesanal", para expor o produto e trocar ideias.
As pistas do que viria a se tornar a tal "cena cervejeira" já estavam no ar. Era um evento quase só de homens, quase todos brancos e com dinheiro de família, quase todos fãs de rock clássico, motocicletas, empreendedorismo e meritocracia.
Incomodava o clima de Clube do Bolinha, mas eu relevava. Havia também a excitação da novidade, da possibilidade quase infinita de criar, de alguma rebeldia contra o status quo de uma indústria massificante –as grandes cervejarias, que nos empurravam marketing e milho goela abaixo.
Surgia um novo subestilo de IPA a cada semana, e eu queria provar todos. Fiz curso de sommelier de cerveja e cheguei a dar meus pitacos profissionalmente.
Depois cansei. Desisti da cerveja artesanal.
Não era mais para o meu bico. Fui pego por uma tempestade perfeita que combinou a alta do dólar, a queda brutal na minha renda e a megalomania dos gênios do ofício, que passaram a vender cerveja por preço de champanhe. A coisa ficou inacessível.
Verdade que eu circulava no meio e poderia beber de graça em eventos e com amostras enviadas por produtores e importadoras. Mas eu queria distância disso tudo. Peguei ranço.
Há horas em que você não quer arrotar goiaba, maracujá, grapefruit, manga, lúpulos liliputianos ou maltes malteses. Só quer uma cerveja, só que a pressão por inovação empurrava os cervejeiros para sabores complicados e esquisitos.
E tem o principal.
O ambiente festivo da cerveja artesanal azedou na mesma medida do restante da sociedade brasileira. A face reacionária dos cervejeiros, antes camuflada no discurso de coach, apareceu sem máscara e com todos os dentes.
A ascensão da extrema-direita lavou o verniz modernoso da comunidade da cerveja. Ela se revelou racista, machista, homofóbica e misógina.
Como sempre, nem todo mundo. Mantenho amigos e amigas bacanas que conheci nas rodas cervejeiras –uns ainda perseverantes, outros com o saco na Lua. Eles são minoria.
O boicote americano à Bud Light mostra que esse perfil de cervejeiro reaça não é jabuticaba brasileira. Aqui, aliás, a participação de Pabllo Vittar na publicidade da Amstel não causou metade do barulho.
Folha de São Paulo
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