Línguas indígenas estão morrendo – e, com elas, o conhecimento sobre plantas medicinais

Estudo analisa como idiomas ameaçados concentram saberes exclusivos sobre determinadas plantas. Descobertas reforçam importância da preservação dessas culturas.

“Cada língua indígena é um reservatório único de conhecimento medicinal”. Assim escrevem os pesquisadores Rodrigo Cámara-Leret e Jordi Bascompte em um recente estudo que faz um alerta: o perigo do desaparecimento de antigos conhecimentos de plantas medicinais a partir da extinção das línguas indígenas.

Em geral, quando se fala em plantas com propriedades medicinais, as discussões giram em torno da extinção da biodiversidade. Nessa pesquisa, contudo, os cientistas focaram no que costuma ser esquecido: o impacto da extinção da linguagem para a perda desse conhecimento, tradicionalmente transmitido oralmente.

A pesquisa acontece em um momento relevante dentro dessa questão. Segundo a Unesco, pelo menos 43% das cerca de 6.000 línguas faladas no mundo estão ameaçadas de extinção. Isso levou a ONU a declarar a década de 2022 a 2032 como a Década Internacional das Línguas Indígenas.

No Brasil, segundo o Atlas das Línguas em Perigo da Unesco, 190 línguas indígenas estão ameaçadas de extinção – somos o segundo país com mais idiomas que podem desaparecer, apenas atrás dos Estados Unidos.

A versão online do Atlas foi atualizada em 2017, e a situação pode ter piorado de lá pra cá: com a pandemia da Covid-19, algumas populações indígenas estão correndo grande risco de desaparecerem, assim como suas línguas.

Como a pesquisa foi feita?

Antes de tudo, a equipe do estudo precisava entender em que medida acontecia a perda de conhecimento linguisticamente único. Calma, a gente explica.

Vamos supor que, de um dia para o outro, o idioma italiano seja extinto – limado da face da Terra. Adeus lasanhas? Não. O conhecimento desse prato já foi difundido em culturas (e livros de receita) do mundo todo. Ainda que a língua suma, você poderá continuar comendo massa aos domingos.

No caso das plantas medicinais, era preciso entender em que grau o conhecimento delas estava atrelado à apenas uma língua indígena. Dessa forma, seria possível compreender quais saberes seriam perdidos no caso de extinção de determinado idioma.

Para isso, os pesquisadores analisaram três conjuntos de dados etnobotânicos (a ciência que estuda a relação entre homens e plantas). Eles contavam com cerca de 3,6 mil plantas medicinais, 236 línguas indígenas e 12,5 mil “serviços de plantas medicinais” – combinações entre espécies de plantas e a subcategoria medicinal para a qual elas eram indicadas, como “figueira-brava (Ficus insipida) + sistema digestivo”. Os dados são referentes a três regiões com grande diversidade linguística e biológica: América do Norte, noroeste da Amazônia e Nova Guiné.

Resultados

Após analisar os dados, os cientistas apontaram que o conhecimento indígena sobre as plantas medicinais está, de fato, apoiado na singularidade linguística. No noroeste da Amazônia, 91% do conhecimento medicinal não é compartilhado entre línguas – e se concentra em apenas um idioma. Em Nova Guiné, essa taxa é de 84%; na América do Norte, 73%.

Além disso, eles observaram a porcentagem desse conhecimento que se concentra, especificamente, em línguas ameaçadas de extinção. Na América do Norte, 86% do conhecimento medicinal único ocorre, justamente, em idiomas em risco. No noroeste da Amazônia, 100%.

Em Nova Guiné, por outro lado, as línguas ameaçadas concentram 31% do conhecimento único. Os pesquisadores ressaltam que “o verdadeiro status das línguas de lá ainda é difícil de avaliar”, já que falta uma pesquisa linguística em toda a ilha.

Bom, e por que isso acontece? Para os cientistas, uma das hipóteses é a alta rotatividade cultural. Isso significa que, para uma mesma planta, os povos indígenas possuem diversos conhecimentos e aplicações exclusivos. Sem uma Wikipédia para reunir informações, cada cultura acumulou, ao longo do tempo, as próprias descobertas sobre cada espécie.

Segundo os cientistas, o estudo ajuda a mostrar que cada língua (e cultura) indígena tem percepções únicas que, inclusive, podem vir a oferecer seus conhecimentos medicinais também a outras sociedades. “A perda da linguagem terá uma repercussão mais crítica na extinção do conhecimento tradicional sobre as plantas medicinais do que a perda das próprias plantas”, disse Cámara-Leret ao jornal britânico The Guardian.

Claro, vale ressaltar que apenas cerca de 6% das sugestões de tratamento com plantas (os “serviços de plantas medicinais” mencionados antes) tiveram sua eficácia testada. Os pesquisadores, contudo, defendem que isso não deveria, necessariamente, ser levado em conta na hora de falar sobre preservação: “Independentemente disso, aqui tratamos esse conhecimento como o que é: parte do patrimônio cultural dos povos indígenas”.

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Este livro é fruto de uma vida dedicada ao cuidado de sua comunidade, da escuta atenta dos mais velhos e de um diálogo profundo com plantas medicinais e encantados da mata. Uma parceria entre a Editora Teia dos Povos e a Piseagrama. 

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