O Satim e a Memória Alimentar da comunidade Quilombola do Jatimane

A produção do Satim, faz parte da memória da comunidade Quilombola de Jatimane.

Uma fécula, usada como suplemento alimentar extraído artesanalmente a partir do Coco da Piaçava, rico em potácio, ferro, magnésio e cálcio, foi durante muitos anos, faz parte das tradições culinarias e é um alimento importante na comunidade Quilombola Jatimani, no baixo Sul da Bahia.

Suas origens datam do final do século XIX, quando um grupo de irmãos, os Rosários, fugindo do cativeiro das fazendas escravistas, se embrenhou pela mata em busca de abrigo, boa alimentação e sossego.

Hoje, o arraial abriga cerca de cem casas que reúne uma grande parentela numa população que gira em torno de quatrocentos habitantes. A maior parte vive da pesca e da extração da piaçava, planta nativa da região.


Igreja de Bom Jesus da Lapa, se destaca na parte superior da pracinha central do arraial. O calendário católico acabou por facilitar a celebração sincrética de valores culturais trazidos pelos negros ou deixados pelos índios criados ali. No início de janeiro acontece a Festa de Reis, em louvor a Deus Menino, em ritmo de boa comida, cantorias e rezas.

O povoado de Jatimane é passagem obrigatória para quem chega por terra à desconhecida praia de Pratigi.

Hoje o Satim está em processo de regulação, e patente junto ao INPI.

Memória Alimentar da comunidade Quilombola do Jatimane.


Seguindo o rastro do trabalho de pesquisa de Maria Carmem Rodrigues Fernandes, encontramos um pouco da história do Satim, na Comunidade do Jatimane.

Na luta pela sobrevivência, a sintonização do homem com a natureza, gerou outras 
singulares receitas, a exemplo do Satim, uma espécie de polvilho extraído do fruto da piaçava  e utilizado como base em variadas receitas, entre elas: mingaus, manjares e cocadas. 
Sobre esta especiaria, D. Josenilda Rosário informa:
"O satim é custoso de fazer. 
Ele é uma receita dos mais velhos, de um período em que tudo era mais difícil, e você tinha que sobreviver, então a gente se virava com o que tinha por aqui. Hoje, a gente faz o satim de época em época. 
É assim: pega os frutos da piaçava, descasca e coloca na água de molho por cinco ou seis dias. 
Depois a gente rala o fruto, a massa que fica, é coada e colocada de molho para 
decantar por mais oito dias.
Neste período a água renovada e escorrida para retirar a 
acidez do fruto. Depois, essa massa é colocada pra secar, e está pronto o satim."

Se for usar no mingau ou na canjica, você tanto pode misturar com o leite do coco, 
como pode usar o coquinho que tem dentro do fruto da piaçava.

Outro exemplo de adaptação dos jatimanenses às adversidades vividas é a especiaria da Tainha defumada, o prato típico de Jatimane, mais apreciado no entorno social da comunidade. 
Esta especiaria gastronômica faz parte de uma tradição local que traz implícita uma inovação na técnica de conservação de alimentos. Comentando sobre essa mudança, o Sr. Manuel da Luz informa que eles salgavam as sobras do peixe e da caça, explicando “salgou, temperou,conservou.”

Era assim que se conservava alimentos. Aliás, esta prática de conservação de 
alimentos, através das “salgas” não é uma peculiaridade exclusiva dos jatimanenses, 
discutindo sobre a necessidade de conservação dos alimentos, Funes observou que na comunidade do Pascoval, o peixe era um alimento cotidiano, sendo costume daqueles mocambeiros fazerem “grandes salgas para se alimentarem nos períodos em que o pescado escasseava”

Em Jatimane, esta técnica de conservação foi aprimorada, o Sr. Nivaldo do Rosário 
comenta que, por muito tempo, não existia energia elétrica na comunidade, portanto eles não tinham acesso ao gelo, mas eram inventivos e adaptaram o uso de defumadores para conservar 
alimentos, afirmando que a utilização desta técnica de conservação é antiga, pois faz parte das lembranças do seu tempo de criança, quando a salga dos peixes, era feito a céu aberto, estendidos uma espécie de quaradouro, denominados por “giraus”, técnica esta, que inspirou a utilização dos atuais defumadores.

Hoje, o defumador é um utensílio comum no arraial, embora seja propriedade de uma determinada família, o seu uso é socializado com os vizinhos/parentes.
 Essa singular culinária, fruto da necessida
adaptação do homem às adversidades 
da natureza, tem seu cardápio alongado, a partir do relato de D. Dilma Assunção do Rosário.
Mesmo antes da construção da estrada, aqui ninguém nunca passou necessidade. 
Eu digo que a gente enfrentava dificuldades, para entra e sair de Jatimane. Tinha que esperar a maré encher pra sair de canoa, e lá fora, esperar outra maré cheia pra voltar pra casa. Mais necessidade ninguém nunca passou, se tem tudo aí na natureza. 
Aqui sempre se plantou mandioca pra fazer farinha, lá uma época que 
faltasse a farinha, a gente substituía pela banana.
Fazia o pirão de banana: você 
pega a banana madura, machuca no pilão, e lava ao fogo pra cozinhar,com um 
pouco do caldo da moqueca que você estiver fazendo, fica tão bom, quanto o pirão feito com farinha de mandioca. Olha! você não sabe, mas com a banana d‟vez a 
gente faz até farinha.
Sem falar, que um dos pratos típicos, que o povo da região mais gosta é a moqueca de guaiamu com banana. Eles não sabem da verdade!
Pedem este prato como uma novidade, mas na verdade a banana a gente usava pra crescer a moqueca, e encher barriga dos meninos.
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 A cultura, como um conjunto de manifestações transmitidas através das gerações, pode ser percebida como um legado que o indivíduo adquire em uma teia social, envolvendo bens materias e imateriais que consubstanciam as práticas humanas e suas inovações. 
Portanto, seria equivocado e demasiado simplista apenas classificarmos essa culinária como nativa.
Mais do que isto, ela é fruto de uma prática intercambiável do homem com ele próprio, 
estando atrelada à realidade histórica da comunidade, que em sua saga pela sobrevivência, de forma racional e objetiva, necessitou fazer adaptações, inovando alguns aspectos culturais.

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