CALULU E A CULINÁRIA TRADICIONAL ANGOLANA
Apesar de existirem algumas obras que remontam ao período colonial, ainda não há um tratado consolidado sobre a gastronomia angolana. Um dos poucos registros profundos vem do escritor angolano Óscar Ribas, que publicou um livro onde descreve a culinária da região Kimbundu, incluindo doces e bebidas tradicionais.
Ingredientes e Sabores
Os ingredientes mais presentes na mesa angolana são cereais cultivados há séculos, como sorgo, painço e milho, além de leguminosas como feijão-frade e lentilha, e tubérculos como inhame, abóbora-carneira (dinhungo) e quiabo. O azeite de dendê (óleo de palma) é um elemento essencial no preparo de diversas receitas, assim como ervas e folhas tradicionais, como a kizaka e a miengueleka. Entre as frutas, destacam-se a melancia, o tamarindo e o fruto do imbondeiro.
Pratos Típicos
O prato mais popular e cotidiano em Angola é o Funge (ou Funji), uma massa cozida feita de farinha de milho ou de mandioca, que acompanha carnes, peixes e molhos variados. No norte do país, é mais comum o funge de bombó (mandioca), enquanto no sul predomina o funge de milho, chamado de iputa na língua umbundu. Na vida rural, o funge é consumido logo cedo, antes do trabalho no campo, e novamente à noite. Curiosamente, evita-se comê-lo no almoço, pois promove uma sensação de relaxamento e sonolência.
Outro prato emblemático é a Muamba de Galinha, feita com galinha, dendê, quiabo, gindungo (pimenta), abóbora e temperos como alho e cebola. A muamba é servida, tradicionalmente, com funge ou pirão.
🥬 Destaque: O Calulu – Uma Herança Viva entre Angola e Brasil

Entre os pratos mais representativos da cultura angolana está o Calulu, uma preparação que atravessou o Atlântico junto com os povos escravizados e se enraizou na culinária afrodescendente do Brasil, especialmente no Maranhão e no Recôncavo Baiano.
O calulu é um guisado feito geralmente com peixe seco (ou carne seca), acompanhado de folhas (como a kizaka, folhas de abóbora ou de mandioca), quiabo, abóbora, berinjela, além de temperos como alho, cebola, gindungo e, claro, muito azeite de dendê. É cozido lentamente até que os sabores se integrem, formando um prato rico, intenso e profundamente ligado às tradições ancestrais.
No Brasil, o calulu se adaptou aos ingredientes locais, sendo muitas vezes preparado com peixe seco, camarão seco, couve, espinafre, vinagreira ou outras folhas regionais, mantendo, no entanto, a essência do prato angolano. Em várias comunidades quilombolas e nas festas religiosas afro-brasileiras, o calulu é presença constante, funcionando como símbolo da resistência cultural e da memória africana no território brasileiro.
Outras Receitas Tradicionais Angolanas
•Cocada – Doce de coco tradicional.
•Dinhangoa – Bebida à base de água, farinha de mandioca e açúcar.
•Feijão com óleo de palma – Simples, porém rico em sabor.
•Gonguenha – Feijão, abóbora e caldo de ossos.
•Mututo – Guisado de folhas temperado com tomate, cebola, alho e louro.
•Mufete – Peixe grelhado servido com molho de óleo de palma e feijão.
•Pirão – Massa cozida de farinha com caldo de carne ou peixe.
•Quibeba – Guisado que pode levar choco, peixe, feijão ou carne seca.
•Sumatena ou Súmate – Peixe seco ou carne seca assados na brasa com molho de dinhungo.
Receita Tradicional de Muamba de Galinha
Ingredientes:
1 galinha caipira cortada em pedaços
600 g de dendéns (ou 300 ml de óleo de dendê pronto)
300 g de quiabos tenros
Gindungo (pimenta) a gosto
Sal a gosto
1 dl de azeite
2 dentes de alho
2 cebolas médias
350 g de abóbora carneira
Preparo:
1. Tempere a galinha com sal, alho amassado e gindungo.
2. Refogue a galinha num tacho com azeite e cebola até dourar.
3. Se for usar dendéns frescos, cozinhe-os, retire os caroços, esprema a polpa com água morna e coe.
4. Adicione este caldo de dendê à galinha, juntando também a abóbora em cubos.
5. Quando estiver quase pronto, acrescente os quiabos inteiros ou cortados ao meio.
6. Cozinhe até que tudo esteja bem macio e os sabores apurados.
7. Sirva com funge de milho ou de mandioca.
🌍 Angola e Brasil: Uma Culinária de Ancestralidade
A culinária angolana, marcada por suas técnicas, ingredientes e modos de partilha, revela-se não só como fonte de nutrição, mas também como expressão viva de um legado cultural que atravessa oceanos. No Brasil, pratos como o calulu, a moqueca, o pirão e o uso do dendê reafirmam os laços profundos entre África e América, compondo a base da culinária afro-brasileira e celebrando a resistência e a criatividade dos povos africanos e seus descendentes.
Angola como Ponto de Partida da Diáspora Africana e a Cultura Bantu
🔗 O Tráfico Atlântico e Angola
Entre os séculos XVI e XIX, Angola foi um dos principais centros de captura e exportação de pessoas escravizadas para as Américas, especialmente para o Brasil. Estima-se que cerca de 40% de todos os africanos traficados para o Brasil eram originários da região que hoje corresponde a Angola, especialmente dos portos de Luanda, Benguela e Cabinda.
Essas pessoas eram, em sua maioria, de povos de origem bantu, grupo linguístico e cultural que se espalha por grande parte da África Subsaariana.
🌍 Cultura Bantu: Raiz Viva da Diáspora Afro-Brasileira
O termo "bantu" não designa um único povo, mas sim um conjunto de mais de 400 etnias que compartilham línguas de uma mesma família e traços culturais comuns. Na região de Angola, destacam-se povos como os Kimbundu, Umbundu, Kikongo, Ovimbundu, Chokwe, Mbundu, Lunda, entre outros.
✨ Marcas da Cultura Bantu na Diáspora, especialmente no Brasil:
🔥 Religião e Espiritualidade
A cosmovisão bantu traz a forte conexão com os ancestrais, a natureza e as forças espirituais.
No Brasil, isso se expressa em religiões como o Candomblé de nação Angola, a Umbanda e outros cultos de matriz bantu.
Presença dos conceitos como “Kiumbanda”, “Kalunga” (o mar como portal entre mundos), “Nkisi” (forças da natureza ou divindades).
🍲 Culinária
Técnicas como o uso do dendê, do quiabo, do amendoim, da farinha de mandioca, do fumeiro e das folhas cozidas.
Pratos como o vatapá, caruru, mufete, moqueca, angu, feijoada e muitas técnicas tradicionais têm influência direta da culinária bantu-angolana.
O uso coletivo dos alimentos e a centralidade do ato de cozinhar como espaço de socialização.
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