MUPERERA: UMA TRADIÇÃO DE TONGA!


O que pode haver em comum entre uma avó Tonga moendo milheto sobre uma pedra ancestral no sul da África e uma mulher de axé preparando o acarajé nas ruas da Bahia?

Ambas práticas, separadas por oceanos, estão ligadas por um fio invisível de saberes femininos e comunitários que atravessam o tempo. O ritual do Muperera, entre os povos Tonga, e o preparo do acarajé, no Recôncavo e em Salvador, revelam formas ancestrais de cuidar, alimentar e ensinar — onde a pedra, o pilão, o fogo e a mão feminina são tecnologias vivas.

Trata-se de cozinhar como ato espiritual e social, onde o alimento é também memória, saúde e pertencimento. Em Tonga, a pedra de moer libera ferro para a saúde da família. Na Bahia, o dendê aquece o corpo e fortalece os laços com os orixás e com a ancestralidade africana. Ambas práticas afirmam o poder da culinária como tecnologia social enraizada no coletivo.

Os Tonga são um grupo étnico Bantu que habita principalmente áreas do sul da Zâmbia, norte do Zimbábue e partes do Malawi. São um dos povos mais antigos da região do Zambeze, com uma organização social baseada em clãs matrilineares, agricultura familiar e fortes vínculos com os ciclos da natureza.

Eles se autodenominam Batonga ou BaTonga, e têm resistido historicamente à dominação colonial e às imposições culturais externas, mantendo vivas suas tradições, línguas e cosmologias.

Enquanto ela mói, água é derramada sobre a pedra de moagem. Outros membros da família então consomem o milheto e, ao mesmo tempo, absorvem um componente de ferro proveniente da pedra. Trata-se de uma prática saborosa e nutritiva.

A relação entre a culinária Tonga, especialmente o ritual do Muperera, guarda semelhancas com o processo de moagem do feijão-fradinho no preparo do acarajé.

Ele pode ser analisada de forma potente a partir do conceito de tecnologias sociais, que envolvem saberes tradicionais, coletivos e sustentáveis produzidos nos territórios populares.

A cultura alimentar Tonga é mais do que nutrição — é tecnologia, afeto, cuidado e soberania. Envolve práticas ancestrais de processamento, técnicas de cultivo regenerativas, e uma cosmovisão que conecta o alimento à terra, aos espíritos e à coletividade.

🥣 Cultura Alimentar Tonga

•A alimentação do povo Tonga está profundamente enraizada no ritmo das estações, no trabalho coletivo e no valor simbólico dos alimentos. Sua culinária expressa saberes que atravessam o cotidiano, a espiritualidade e a sustentabilidade dos modos de vida tradicionais.

•Ao compararmos com a culinária de Tonga, reconhecemos valores compartilhados, como o preparo da comida em torno de princípios comunitários, a divisão de tarefas, o respeito aos mais velhos e a atenção às fases da lua e aos ciclos agrícolas. Trata-se de uma relação com a comida que ultrapassa a nutrição: é cultura viva, afeto ancestral e resistência cotidiana.

•Certos alimentos são reservados para rituais, como oferendas aos ancestrais.

•A figura da avó ou da mulher mais velha tem papel central na transmissão de saberes culinários, como ocorre no ritual do Muperera.

🌾 Base Agrícola

A principal base da alimentação é o milheto perolado (pearl millet) e o sorgo, grãos ancestrais que resistem bem à seca.

Também cultivam milho, feijão, abóbora, mandioca e vegetais de folhas verdes.

Práticas como o intercropping (cultivo consorciado) são comuns, mostrando conhecimentos agroecológicos profundos.

🔍 O que são Tecnologias Sociais?

São práticas, técnicas ou metodologias construídas com base em conhecimentos populares e científicos, que:

•Respeitam o meio ambiente e os contextos locais;

•São de baixo custo;

•Envolvem aprendizado coletivo e transmissão intergeracional;

•Têm como base a cooperação comunitária.

🧠 Sabedoria Tonga e Resistência Cultural

A cultura alimentar Tonga é mais do que nutrição — é tecnologia, afeto, cuidado e soberania. Envolve práticas ancestrais de processamento, técnicas de cultivo regenerativas, e uma cosmovisão que conecta o alimento à terra, aos espíritos e à coletividade.

🌍 Muperera e o Acarajé: Duas práticas, um mesmo princípio

🔸 Muperera (Tonga - Zimbábue/Zâmbia):

•Prática alimentar centrada na avó (figura ancestral feminina);

•Envolve moagem manual do milheto perolado numa pedra;

•A adição de água na pedra libera ferro, enriquecendo o alimento naturalmente;

•Valoriza o ato coletivo, o tempo lento e o cuidado com a saúde;

•Mistura alimentação, ritual e transmissão cultural.

🔸 Moagem do Feijão-Fradinho (Acarajé - Brasil):

Também é realizada majoritariamente por mulheres negras, muitas delas de religiões afro-brasileiras;

•O feijão-fradinho é descascado e moído manualmente, com esforço físico e precisão;

•O processo é ritualizado — há um tempo certo, uma energia envolvida, muitas vezes um preparo espiritual;

•É parte de uma culinária de axé, em que o alimento é também oferenda e memória viva;

•É tecnologia de resistência e de afirmação cultural afrodescendente.

🔗 Pontos em comum como Tecnologias Sociais

Elemento Muperera Moagem do Feijão (Acarajé)

•Transmissão de saberes Ancestralidade feminina Mães de santo, mulheres de axé

•Instrumento de moagem Pedra de moer Pilão, moinho manual

•Suprimento nutricional Ferro liberado pela pedra Proteína vegetal + dendê energético

•Organização coletiva Família envolvida Comunidade religiosa e de rua

•Culinária como ritual Ato de preparar e partilhar Culinária sagrada e oferecida

•Tempo e cuidado Tempo longo e atenção plena Descascamento e moagem meticulosa.

🌱 Cozinhar como forma de tecnologia viva

Ambas práticas revelam que a cozinha tradicional é também um campo de inovação comunitária e ancestralidade. No lugar da maquinaria industrial, o corpo, o tempo, os gestos e os saberes criam soluções eficazes e sustentáveis, onde alimento e cuidado se misturam.

Assim, tanto o Muperera quanto o preparo do acarajé ilustram como as tecnologias sociais são expressões de resistência cultural e soberania alimentar, enraizadas na terra, na história e nas mulheres que transformam o cotidiano em ritual.



APROVEITANDO O CONHECIMENTO INDÍGENA PARA ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Este documento resume um livro que compartilha o conhecimento indígena do Zimbábue para ajudar as comunidades a se adaptarem às mudanças climáticas. Ele descreve como coletores de conhecimento comunitário entrevistaram guardiões do conhecimento em todo o Zimbábue para documentar práticas tradicionais relacionadas à previsão do tempo, gestão de recursos naturais, agricultura, dieta e preparação de alimentos. O livro visa tornar esse conhecimento indígena amplamente disponível e preservar práticas que poderiam aumentar a resiliência às mudanças climáticas, se combinadas com abordagens modernas. Ele fornece insights sobre como as comunidades historicamente viveram em harmonia com seu meio ambiente e clama por maior reconhecimento do conhecimento indígena no Zimbábue.

Para baixar

https://pt.scribd.com/document/631065150/Harnessing-Indigneous-Knowledge-for-Climat-Change-Adaptation



#culináriabantu


@elcocineroloko

📣 Conheça nossas páginas:

Facebook: @elcocineroloko

Instagram: @charoth10



Comentários

Postagens mais visitadas