A CULINÁRIA TRADICIONAL NO SERTÃO LITERÁRIO DE ITAMAR VIEIRA JUNIOR

Por meio da comida, o autor revela um Brasil profundo, ancestral e ferido, mas também vibrante, conectado ao território e capaz de reinventar a vida a partir de suas raízes.

Ela é um elemento profundamente simbólico, intimamente ligado à terra, à memória, à ancestralidade e à resistência dos povos do campo e dos quilombos. Especialmente em seu romance mais conhecido, “Torto Arado”, a comida não aparece apenas como necessidade biológica, mas como forma de expressão cultural, laço comunitário e espiritualidade.


Culinária como memória e afeto

Os alimentos em Torto Arado estão carregados de afeto e pertencimento. A cozinha das personagens, especialmente das mulheres, é o espaço da oralidade, onde se transmitem saberes, histórias e modos de viver. O preparo dos alimentos como o pirão, angu, feijão, farinha, carne de sol, melaço e raízes traduz o cotidiano da vida no sertão baiano e o vínculo com a terra que alimenta.

> Exemplo: A mandioca, central no cotidiano das famílias descritas por Itamar, simboliza tanto o sustento quanto a resistência. A produção da farinha artesanal é também um rito de continuidade e trabalho coletivo.

Alimento como espiritualidade

Na obra, a comida também está associada ao sagrado. O culto aos encantados, presente em Torto Arado, envolve oferendas e rituais em que a comida é ponte entre o mundo material e o espiritual. A prática de deixar comida para os encantados ou de partilhar alimentos em momentos de cura ou cerimônia espiritual revela o papel da culinária como linguagem da fé.

> Exemplo: O alimento ofertado nas casas de encantados ou durante os cultos, como frutas, raízes, bebidas e preparos locais, carrega sentidos que vão além da nutrição — eles comunicam respeito, reverência e conexão com os ancestrais.

Soberania alimentar e território

Ao mostrar os camponeses em luta por seu território e autonomia, Itamar insere a alimentação como parte essencial da soberania dos povos tradicionais. A produção da roça, o cultivo de quintais, o manejo de plantas tradicionais e a coleta de ervas mostram uma culinária viva, marcada pela resiliência e sabedoria ancestral.

> A coleta de folhas, o uso de raízes e frutas nativas, e a manutenção de sistemas agroalimentares próprios evidenciam que a culinária, para essas comunidades, é também uma forma de resistência política e cultural.

Mulheres e os saberes culinários

As mulheres — Bibiana, Belonísia, Zeca Chapéu Grande e outras — aparecem como guardiãs dos saberes alimentares. Elas dominam os temperos, conhecem as ervas e preparam os alimentos com um saber transmitido oralmente por gerações. É na cozinha que se costura o tecido da vida comum e se fortalece a resistência silenciosa das mulheres do campo.


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